Por Laura Sahm Shdaior
Desde que formada em psicologia atuo com política de drogas, seja pelo viés da saúde mental, seja pelo viés dos direitos humanos. Como minha trajetória profissional se deu majoritariamente no território da região conhecida como Cracolândia (SP), pude conhecer os efeitos que a política de drogas tem especialmente na população em situação de rua, ou seja, nas populações mais vulnerabilizadas, o que, necessariamente, situa o debate para além da saúde, destacando os determinantes sociais como fundamentais para a realização dessa discussão. A intersetorialidade aparece como ponto chave neste contexto e então já não é mais possível dissociar a clínica da política.
Esta compreensão, no entanto, está longe de ser um consenso. Ao encarar a dimensão política do meu trabalho, fui por muitas vezes retaliada, inclusive demitida, acusada de estar confundindo emprego com militância. A despeito do que diz o SUS sobre a participação social, o SUAS sobre o controle social, a redução de danos e a luta antimanicomial sobre o trabalho em rede e a garantia de direitos básicos como cuidado, a gestão dos equipamentos da rede de atenção psicossocial, que, diga-se de passagem, surgiram dessas lutas, sente-se à vontade para exigir que os trabalhadores dos serviços sigam normas outras, que não as preconizadas por lei.
Não se surpreenderá o leitor quando descobrir que as normas das quais me refiro são as normas das empresas que administram os serviços públicos. Muito já se ouviu sobre a privatização da saúde e demais equipamentos do governo. Pois bem, é disso que se trata. Com as organizações sociais vieram mais metas para cumprir, os funcionários podem ser desligados facilmente e a lógica de cada empresa passa a imperar em detrimento da coisa pública. É assim que o trabalho em um CAPS, por exemplo, deixa de ser uma atuação que pretende cumprir os princípios do SUS, e passa a ser uma performance para agradar o chefe da O.S. que o administra.
Este cenário é grave e despolitiza nossos trabalhadores, contribuindo para uma desmobilização das equipes, já tão afetadas pela precarização das políticas públicas. A dificuldade de o trabalhador se ver como agente de transformação de sua realidade contribui para uma atuação mecânica e pouco potente, que tem como consequência a manutenção do status quo. A virada de posição se dá a partir do momento em que os profissionais da rede de atenção psicossocial retomam a indissociabilidade da clínica e da política, o que necessariamente passa por compreender o contexto em que atuam e também os interesses por trás das organizações sociais.
Comentários