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MUNDO

BRICS: expansão fortalece China e aprofunda divisão mundial

Da forma como ocorreu, a expansão também beneficia a Rússia, pois a ajuda a minimizar os efeitos das sanções econômicas, principalmente se as negociações sobre novas moedas de troca forem para frente.

Henrique Canary, da Redação
Ricardo Stuckert

Joanesburgo, África do Sul, 24.08.2023 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, participa da Sessão I do Diálogo de Amigos do BRICS, BRICS-Africa Outreach e BRICS Plus. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Encerrou-se ontem em Johanesburgo, África do Sul, a 15º Cúpula dos BRICS. A reunião se revestia de especial importância por alguns motivos. Em primeiro lugar, foi o primeiro encontro presencial entre os líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul desde a pandemia. Em segundo lugar, e mais importante, a pauta estava concentrada no problema da expansão do bloco, já que apenas nos últimos meses cerca de 30 países fizeram pedidos formais para serem integrados ao grupo.

Além da incorporação de novos membros, a ordem do dia contemplava também questões como o abandono paulatino do dólar e a adoção de outras moedas nas transações comerciais entre os países, além de questões que envolvem o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), entidade financiadora do desenvolvimento do bloco, sediada em Xangai e presidida por Dilma Rousseff. Vladimir Putin foi o único líder que participou da reunião à distância, devido à ordem de prisão emitida contra ele pelo Tribunal Penal Internacional (TPP), do qual a África do Sul faz parte.

A história dos BRICS é irregular. Fundado em 2009 por aquelas que eram consideradas então as economias mais dinâmicas do planeta, o bloco já nasceu grande, com um PIB total que correspondia a 17% do total mundial. No entanto, o grupo sempre foi um pouco amorfo, sem pautas comuns definidas e sem uma identidade própria que o diferenciasse de outras formações geopolíticas. Isso começou a mudar na medida do crescimento econômico chinês e da consolidação da Terra do Meio como única potência em ascensão capaz de desafiar a hegemonia norte-americana.

Até quinta-feira, os BRICS já correspondiam a cerca de 40% da população mundial (3,26 bilhões de pessoas) e 26% da riqueza gerada no planeta (26 trilhões de dólares). Com a expansão, o bloco passa a ter uma população de 3.699.303.884 pessoas (46% do total), uma área de 48.489.600 km2 e um PIB que corresponde a 36,64%  da produção global. As exportações do bloco correspondem a 20% do total de exportações do mundo. Para se ter uma ideia, o G7 tem hoje uma população de 776.976.507 pessoas, uma área de 21.624.939 km2 e um PIB correspondente a 29,99% do total planetário. Além dos mostradores estáticos, a dinâmica entre os países também é considerada positiva. Os investimentos mútuos (de um país membro em outro) cresceram seis vezes nos últimos anos e os investimentos globais (em outros países fora do bloco) dobraram no mesmo período.

Todos esses números foram aos poucos convencendo os líderes do bloco de que estavam diante de um potencial ainda não totalmente realizado. Assim, as conversas sobre a ampliação do grupo começaram ainda em 2021, promovidas fundamentalmente pela China, interessada em ampliar sua influência através de um aglomerado geopolítico dinâmico, com presença em praticamente todos os continentes. A Rússia também se posicionou pela expansão, principalmente depois do início da guerra na Ucrânia, quando foi submetida a duras sanções e precisava evitar o isolamento econômico, político e diplomático. Índia e Brasil mantinham posições mais cautelosas, temendo que a expansão do bloco pudesse descaracterizá-lo e fazê-lo perder importância de fato. Ao final, prevaleceu a ideia de uma expansão controlada, com um convite a um restrito número de países, de maneira a manter a identidade do grupo (até mesmo o nome será mantido) e a presença equilibrada de todas as regiões e continentes.

Assim, foram convidados Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, que passarão a ser membros efetivos do bloco a partir de 1º de janeiro de 2024, quando a presidência do grupo passará para a Rússia, responsável também por organizar o próximo encontro na cidade de Kazan. Os novos membros têm a característica comum de serem importantes atores regionais em seus continentes, embora sua dinâmica econômica e diplomática seja bastante heterogênea. A Argentina, por exemplo, apesar de ser, de fato, uma economia importante, se encontra em uma forte crise financeira, caracterizada pela alta da inflação e empobrecimento geral da população e agora uma incógnita política com a vitória do fascista Javier Milei nas primárias nacionais. No entanto, o convite ao país platino parece ter sido uma concessão a Lula em troca do apoio à ideia geral de expansão do bloco. A Arábia Saudita tem sido um parceiro fiel dos Estados Unidos, embora nos últimos anos tenha se aproximado também da China, que chegou a costurar um acordo entre Riad e Teerã com vistas à superação da animosidade histórica entre os dois países.

Assim, será preciso ver como essa nova conformação dos BRICS funcionará na realidade. De qualquer forma, a reunião em Johanesburgo deve ser considerada uma vitória política e diplomática de Xi Jinping, que ampliou o poder da China no interior do bloco e consequentemente no cenário geopolítico mundial. Pequim estava interessada sobretudo na expansão rumo à África, onde seus investimentos não param de crescer, mas também na incorporação de Irã e Arábia Saudita, para os quais a China é um fiador diplomático. Levou quase tudo que queria. Da forma como ocorreu, a expansão também beneficia a Rússia, pois a ajuda a minimizar os efeitos das sanções econômicas, principalmente se as negociações sobre novas moedas de troca forem para frente.

O fortalecimento e expansão dos BRICS também aprofunda a divisão geopolítica mundial, polarizando ainda mais os dois grandes blocos que já vinham se enfrentando. Pode-se afirmar que, até certo ponto, a China agora tem um instrumento mais sob seu controle e que se adequa melhor ao seu projeto de disputa de hegemonia. Além disso, o caráter da expansão fortalece o discurso de que se trata de uma luta entre o Sul Global e as potências europeias e anglo-saxãs. Certamente China e Rússia se aproveitarão desse cenário, mas principalmente a China, com seu projeto de Nova Rota da Seda e a expansão de sua influência. Segue pendente a questão militar, que não é objeto dos BRICS, mas que necessariamente deve ser encarada pela China se ela quiser disputar a sério a hegemonia mundial com os Estados Unidos. A guerra na Ucrânia mostra que não haverá uma nova ordem mundial sem novos conflitos armados.

O século 21 certamente será um lugar para viver muito diferente do que foi o século 20. As transformações estão ocorrendo a olhos vistos e terão consequências de longo prazo.