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MOVIMENTO

Balanço do PSOL: erramos ou acertamos?

Henrique Canary

Foi dada a largada para o 8º Congresso do PSOL. Em todo o país, começam a ocorrer plenárias municipais e estaduais que culminarão no congresso nacional, a ser realizado em Brasília nos dias 29 e 30 de setembro e 1º de outubro de 2023. Já foram publicadas seis teses nacionais e dezenas de teses estaduais, que embasarão os debates ao longo do próximo mês. Congressos são momentos muito importantes na vida dos partidos, principalmente aqueles de natureza militante como o PSOL. A maior parte do tempo, as decisões referentes a um partido estão concentradas nas mãos da direção eleita no congresso anterior. As necessidades da luta política assim determinam. Mas durante os congressos, a democracia partidária é alargada e a militância tem a oportunidade de opinar diretamente, em plenárias e encontros, sobre o balanço do último período e as propostas para seguir adiante. Balanço e perspectivas – essas são, exatamente, as grandes questões de qualquer congresso. E no atual congresso do PSOL não poderia ser diferente. Sobre esse primeiro tema, o balanço, algumas palavras.

Teria o PSOL acertado ou errado no período anterior? Como “período anterior” entendemos não apenas o tempo transcorrido desde o último congresso, mas todo o ciclo político que ainda vivemos, desde o golpe parlamentar contra Dilma Roussef em 2016, até hoje. Se olharmos para os números, veremos um evidente fortalecimento do PSOL: elegemos nossa maior bancada federal e importantes bancadas estaduais e municipais, vencemos em Belém e fomos para o segundo turno em São Paulo em 2020, aumentamos consideravelmente o número de filiados ao partido. Nos últimos anos, o PSOL se consolidou como o segundo maior partido de esquerda do país, atrás apenas do PT. Somos uma força política real, nossas posições são conhecidas não apenas na ampla vanguarda, mas em setores de massas, nossos parlamentares são respeitados pelo seu trabalho incansável, estamos presentes nos mais importantes processo de enfrentamento real, como greves, ocupações e manifestações. Ainda há muito a ser feito, mas a capilaridade e a presença do PSOL é maior do que era há poucos anos atrás.

No entanto, a força de um partido não se mede apenas pelos números. Há que se perguntar: esse partido vem cumprindo o propósito que se deu quando de sua constituição? Esse é um aspecto bastante subjetivo, depende do debate e há sempre controvérsias. Muitos companheiros, ao se fazerem essa pergunta, levam em consideração um único fator: o de que o PSOL nasceu como uma ruptura do PT e desde o seu início se propunha à sua superação. Para esses companheiros e companheiras, o PSOL teria um balanço negativo no último período, devido à política de unidade com o PT, principalmente o apoio a Lula desde o primeiro turno das eleições de 2022 e agora sua posição de independência em relação ao governo Lula 3, ou seja, sua negativa em se declarar oposição de esquerda.

Ocorre que, de fato, o PSOL nasceu como uma alternativa ao PT, mas não só isso. O PSOL nasceu também para ser um instrumento útil na luta de classes, uma ferramenta de organização e fortalecimento das lutas do povo. Esse papel de organizador das lutas do povo foi a exatamente o que foi deixado de lado pelo PT e que o PSOL se propunha a cumprir. Esse aspecto não pode ser negligenciado no balanço. E qual foi a tarefa central da luta de classes pelo menos desde 2016? Exatamente a luta contra a extrema-direita, que se fortaleceu, primeiro com o lawfare promovido pela Lava Jato contra o PT, e depois com o próprio governo Bolsonaro. Nesse terreno, o PSOL teve uma postura exemplar, irretocável, desde o início de todo o processo até hoje.

Nos posicionamos claramente contra a Lava Jato e o impeachment de Dilma Roussef, superando as tentações sectárias daqueles que tendiam a igualar os dois campos em luta ou acreditavam na ilusão da construção de um “terceiro campo” que nunca existiu. A luta contra o impeachment não foi apenas parlamentar, mas militante. Fomos para as ruas contra o golpe e isso fez toda a diferença. Nos aproximamos ainda mais do MTST, que finalmente ingressou no partido como movimento organizado, fortalecendo qualitativamente nossas fileiras. Estivemos em São Bernardo no dia da prisão de Lula e lutamos com todas as forças pela sua libertação porque sempre entendemos que sua condenação era política e constituia o ápice do golpe reacionário e da perseguição contra a esquerda no país. Com a eleição de Bolsonaro, nos colocamos na primeira fileira da resistência às suas medidas. Fomos para as ruas mesmo durante a pandemia dizendo que não morreríamos calados enquanto Bolsonaro promovia um genocídio no país. Nos aproximamos ainda mais dos movimentos indígena, ecossocialista, quilombola, LGBTQIA+, da cultura, da ciência e de todos aqueles que lutaram contra Bolsonaro. Quando se colocou o problema das sucessão presidencial, rejeitamos o sectarismo da autoconstrução pela autoconstrução e colocamos o partido a serviço da articulação da única candidatura capaz de derrotar Bolsonaro: Lula. Um primeiro turno mais apertado do que o esperado e o dramático crescimento de Bolsonaro no segundo turno provaram o quanto estávamos certos nesse posicionamento. O PSOL foi muito importante para a derrota de Bolsonaro porque fomos o pólo mais ativo, dinâmico, combativo e militante da campanha. Tudo isso fortaleceu o partido e colocou o PSOL na posição em que se encontra hoje. 

É totalmente equivocado falar que nos afastamos de um perfil militante. O que mais se viu no último período foi o PSOL nas lutas. Ou quem esteve na vanguarda do “Ele não!”? O crescimento de nossas bancadas não significa nem nunca significou o enfraquecimento de nosso perfil socialista e combativo. Nossos parlamentares são referência de luta e enfrentamento radical contra a extrema-direita e são assessorados por militantes que têm os pés fortamente plantados na luta de classes. Ao contrário do que afirmam alguns companheiros na atual discussão pré-congressual, é exatamente essa relação estreita com as lutas de base que dá a dinâmica de nossa organização hoje. 

Não acreditamos tampouco que somos um partido que ruma para a despolitização. Entre nossos militantes há um intenso debate político, nossa atuação tem um perfil claramente socialista, de esquerda, popular e radical. Temos em nossas fileiras intelectuais que elaboram, publicam e debatem sobre ecossocialismo, opressão, economia, gestão pública, situação mundial. A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco promove um intenso e produtivo debate com a publicação de livros, realização de seminários e produção de materiais. É incrível, portanto, que se faça essa afirmação.

“Combinar a luta contra a extrema direita com a construção de uma alternativa” é uma bela fórmula, mas pode conduzir o partido a um erro profundo. Acontece que é impossível construir um “terceiro campo”, enquanto o primeiro campo (petismo) está sendo bombardeado pelo segundo (fascismo). O mérito do PSOL está exatamente em que se localizou corretamente no campo da unidade da esquerda e não desapareceu. Ao contrário, teve sua imagem projetada e ampliada dezenas de vezes por essa localização correta. O problema é que essa etapa não está superada. Aqueles que acham que a luta contra a extrema-direita está em segundo plano porque Bolsonaro foi derrotado e se encontra inelegível se equivocam profundamente. O governo Lula 3 será instável, boicotado e atacado todo o tempo pelo fascismo e pelo grande burguesia. Se declarar “oposição de esquerda” ao governo é se confundir com a oposição de direita e vai acabar levando o PSOL a votar pautas e medidas em unidade de ação com o que há de pior no congresso nacional e no país. 

Enfim, o PSOL acertou porque soube avaliar onde estava o principal perigo, o maior inimigo, qual era sua força real e de que forma deveríamos responder. O PSOL lutou honestamente pela Frente Única e pela unidade eleitoral da esquerda para enfrentar o neofascismo brasileiro, fenômeno este que veio para ficar e ainda está por ser derrotado. Foi essa localização correta na luta de classes que constitui a vitória do último período. Se não tivéssemos crescido nossa bancada e o número de filiados, ainda assim estaríamos diante de uma vitória porque cumprimos nosso principal objetivo: ser útil de verdade na luta do povo. Mas a boa notícia é que, além de tudo, crescemos. Essa postura correta anterior e esse fortalecimento quantitativo constituem a base sobre a qual podemos almejar novos desafios, travar lutas ainda mais difíceis e seguir avançando.