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MUNDO

Colômbia: derrotar as ameaças golpistas contra o governo Petro-Francia

Perto de completar 1 ano de mandato e depois de romper a aliança com partidos de direita, governo colombiano sofre ataques da mídia e o risco de enfrentar processos judiciais que podem ameaçá-lo

André Freire
Pacto Histórico

No último sábado, o próprio presidente colombiano, Gustavo Petro, através de suas redes sociais, anunciou a prisão de seu filho mais velho, Nicolás Petro, suspeito de ter recebido dinheiro do narcotráfico. A prisão ocorreu por decisão do Ministério Público colombiano, que investiga o financiamento da campanha eleitoral da chapa Gustavo Petro e Francia Márquez, o primeiro governo considerado de esquerda na Colômbia.

As acusações contra o filho de Petro são de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro, e elas partiram da acusação de sua ex-esposa, Daysuris Vasquez, que também foi presa, por suspeita de envolvimento nos mesmos crimes que denunciou. Segundo ela, Nicolás recebeu dinheiro de um narcotraficante para serem repassados para a campanha de seu pai, mas ele não teria feito o repasse, se apropriando pessoalmente do dinheiro. Petro lamentou o ocorrido, mas disse que não vai se envolver nas investigações.

Este escândalo não é um caso isolado. Ele é parte de um processo de ataques ao governo legítimo da Colômbia, principalmente a partir de junho, com o vazamento de áudios de conversas pessoais de dois aliados políticos de Petro: Armando Benedetti, que na altura era o Embaixador da Colômbia na Venezuela, ele foi também um dos principais dirigentes da campanha de Petro; e Laura Sarabia, que era a chefe do Gabinete de Petro.

Os áudios, vazados pela Revista Semana, buscam demonstrar a insatisfação de Benedetti em não estar à frente de um dos Ministério do novo governo. E ele chega a fazer uma ameaça de fazer denúncias que envolviam o financiamento de campanha do atual presidente. Depois voltou atrás.

O vazamento foi suficiente para o Ministério Público colombiano instalar uma investigação, a mesma que levou agora à prisão do filho de Petro. Diante dos vazamentos na imprensa, Petro demitiu os dois aliados, negou veementemente qualquer irregularidades no financiamento de sua campanha e disse que o governo não aceitará chantagens.

As investigações lembram muito um roteiro já bem conhecido na América Latina. A utilização de acusações de corrupção para desestabilizar governos que tentam aplicar reformas, mesmo que mínimas, mas que enfrentam os interesses dos ricos e poderosos. No caso da Colômbia, a este roteiro do uso da corrupção, se agregam as denúncias permanentes de envolvimento com o narcotráfico.

Quais razões explicam a crise política

A eleição de Gustavo Petro como Presidente e Francia Márquez como vice-presidenta foi vista como uma consequência política direta dos grandes protestos que tomaram toda a Colômbia, principalmente no ano de 2021. Eles foram eleitos no ano passado, com um pouco mais de 50% dos votos, numa eleição muito apertada. No próximo dia 7 de agosto, o novo governo colombiano vai completar apenas 1 ano de mandato.

No segundo turno, a candidatura progressista do movimento Pacto Histórico derrotou o candidato de extrema direita, Roberto Hernandez, do Movimento Liga dos Governantes, por uma diferença de apenas 700 mil votos. Para se ter ideia dos riscos, Hernandez já chegou a afirmar, em entrevista numa rádio, que era um admirador de Hitler.

Especialmente na campanha do segundo turno, alguns partidos da direita tradicional colombiana, como o Partido Liberal, Partido Conservador e União para o Povo, declaram apoio eleitoral a Petro-Francia, com o objetivo declarado de frear o avanço da extrema direita no país.

Entretanto, esta “frente amplíssima” não resistiu nem ao primeiro ano de governo. Diante de uma agenda de reformas progressivas do atual governo, especialmente em áreas sociais sensíveis como saúde, previdência social e trabalho, estes partidos de direita se negaram a apoiar estas propostas do governo.

Estes partidos de direita queriam usar seu peso no Congresso para tentar travar estas reformas. Porém, Petro resolveu enfrentar: rompeu a aliança com os setores que se negaram a apoiar as reformas, chegou a demitir 7 ministros ligados a estes partidos de direita e chamou a mobilização popular em defesa das mudanças sociais, a partir de um discurso divulgado no dia 1o. de maio, Dia do Trabalhador.

No dia 7 de junho, se realizou uma grande mobilização popular, em defesa destas reformas sociais, especialmente em apoio a medida visava uma ampliação dos serviços públicos de saúde, proposta que enfrenta dura oposição dos grandes empresários do setor. Petro e Francia estiveram presentes no protesto. Petro fez um discurso duro contra os setores reacionários que queriam impedir a aprovação das reformas.

Inclusive, a postura política de enfrentamento aos setores reacionários, praticada pelo novo governo colombiano, virou uma referência política de como é possível trilhar o caminho de uma nova governabilidade, que rompesse com os limites de uma aliança com setores da direita e buscasse se apoiar na força da organização e mobilização popular.

Tudo parecia caminhar bem para a aprovação da agenda reformista. Mas, foi justo neste momento, que se intensificou também a campanha reacionária contra o novo governo colombiano. As grandes empresas de comunicação começaram a se opor às reformas e dar enorme visibilidade aos setores políticos da direita que se opunham a elas. Esta grande campanha do “poder midiático” já afetou até a popularidade do governo. Segundo uma pesquisa do Instituto Invamer, a desaprovação ao governo atingiu 59,4%, em junho deste ano.

No mesmo sentido reacionário, o Ministério Público colombiano intensificou a investigação sobre um tal financiamento irregular da campanha eleitoral de Petro e Francia. Numa evidente chantagem sob o novo governo colombiano, que nem sequer chegou a completar um ano de mandato.

O objetivo do bloco reacionário colombiano (de direita e de extrema direita) é, por um lado, impedir aprovação da agenda de reformas, mas pode chegar a tentar desestabilizar diretamente o primeiro governo ligado a organizações de esquerda e centro-esquerda no país. Eles já conseguiram um primeiro êxito: a decisão de paralisar as votações destas reformas no Congresso colombiano, enquanto durar a crise política atual.

Derrotar a ação golpista

Diante destas ameaças de cunho golpista evidente, também em junho passado, foi divulgado um manifesto internacional contra um “golpe brando” na Colômbia, assinado por mais de 400 intelectuais, líderes de esquerda e de movimentos sociais de 35 países diferentes.

(Chomsky, Corbyn, Correa: Intelectuais e políticos de 20 países denunciam golpe na Colômbia – Esquerda Online

Não é necessário ser um apoiador do novo governo colombiano, de suas reformas parciais e de sua política de alianças de conciliação de classes, para se perceber o que está em jogo, neste momento, neste importante país sulamentricano.

Mesmo cientes dos limites programáticos do atual governo, é preciso perceber que Petro e Francia estão sofrendo uma perseguição política, desferida pelos setores mais reacionários, por defenderem apenas uma agenda de reformas mínimas, que buscam atender parcialmente as reivindicações das ruas.

Portanto, é tarefa do conjunto da esquerda e dos movimentos sociais, especialmente latino-americanos, defender a legitimidade do governo eleito pelas urnas e de sua agenda de reformas, inclusive buscando aprofundar – ainda mais – as medidas de investimentos sociais e de atendimento das reivindicações do povo pobre colombiano.

Além da importância de uma campanha internacional de denúncia das ações golpistas da mídia empresarial, dos partidos da direita e da extrema direita e dos setores mais reacionários da justiça colombiana, o mais importante é a disputa dentro do próprio país.

O caminho deve ser repetir e aprofundar as mobilizações que assistimos nas ruas no dia 7 de junho passado. Mais do que nunca é necessário derrotar os golpistas nas ruas e impor as mudanças que tanto o povo colombiano quer e se mobilizou.