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MOVIMENTO

“Não somos lixo!”

Trabalhadoras da limpeza da linha 4 do metrô de São Paulo reagem e protestam contra a injustiça e a humilhação

Camila Lisboa, presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo

Subestimar é um verbo que significa “não dar o devido valor” ou “fazer cálculos de maneira errada, calcular por suposição, diminuindo os valores”. Palavras com significado semelhante de subestimar são: desprezar, desdenhar, desvalorizar, minimizar, desconsiderar, desmerecer, depreciar.

Também, segundo o dicionário, a palavra preconceito significa “juízo de valor preconcebido sobre algo ou alguém que se pauta em uma opinião construída sem fundamento, conhecimento nem reflexão; prejulgamento.”

Ou seja, a ação de subestimar está muito relacionada com conceitos preconcebidos, com julgamento de valores prévios. Subestimação é uma das principais ações do preconceito.

Esse texto/relato da mais importante luta que ocorreu no metrô privado de São Paulo precisa ser precedido desses significados. Porque a agressividade do ataque sobre mulheres trabalhadoras da limpeza foi marcado pela ideia preconcebida de que mulheres trabalhadoras, grande parte de mulheres negras, do serviço de limpeza são pessoas que não reagem, que abaixam a cabeça. Uma ideia contestada pelas trabalhadoras da limpeza da linha 4 amarela do metrô de São Paulo.

Demissão em massa

No dia 15 de julho, a empresa Via Quatro, do grupo CCR, concluiu um processo de demissão em massa, que totalizou 163 demissões de trabalhadoras do serviço de limpeza.

Diferente do que ocorre na maior parte das empresas, os serviços de limpeza na Via Quatro não eram terceirizados, as trabalhadoras eram diretamente contratadas pela empresa principal.

Isso não significa que os salários das trabalhadoras eram muito superiores do que das pessoas contratadas por empresas terceirizadas. O salário era de R$ 1.465,00. O diferencial de serem parte da empresa principal era que as trabalhadoras tinham benefícios importantes, como Vale Alimentação e Vale refeição, o direito ao plano de saúde, recebiam a Participação nos Lucros e Resultados e, o principal, eram representadas pelo mesmo sindicato que representa os metroviários de outras funções da Linha 4.

Com a epidemia da terceirização, que atinge em cheio serviços tidos como secundários – como é o caso dos serviços de limpeza – é de se espantar que empresas como a Via Quatro, do grupo CCR, não tinham recorrido ainda a este recurso na área da limpeza.

No entanto, isso não só durou pouco, como essa mudança foi marcada por todo tipo de indignidade, crueldade e desrespeito com as trabalhadoras. A demissão extrapolou limites legais, como o caso de duas mulheres gravidas. Isso já foi corrigido pela empresa, que as recontratou, mas não é justo que este fato passe despercebido, porque ele ajuda a revelar o caráter cruel que tomou conta dessas demissões.

Outros casos de estabilidade também foram desrespeitados. E mesmo nos casos em que a lei permite – registre-se que as leis trabalhistas no Brasil pouco favorecem os trabalhadores – houve contornos de humilhação, com arrombamento de armário e entrega dos pertences em sacos de lixo.

Na descrição dos fatos feita pelas trabalhadoras, todas faziam questão de afirmar: “Nós não somos lixos”. Frase que simbolizou a luta e a resistência dessas incríveis mulheres.

Reação e protesto

Diante deste fato, o Sindicato repudiou a atitude da empresa e chamou as mulheres para uma reunião no sindicato no dia 17/07. Quase 100 pessoas compareceram, na sua enorme maioria mulheres, e organizamos um protesto em frente ao prédio do grupo CCR. Também acertamos coletivamente de que “íamos botar boca no trombone” contra essa injustiça.

No dia 19, o protesto foi realizado, houve repercussão na imprensa e a empresa recebeu o sindicato, junto com duas representantes das trabalhadoras demitidas. Nesta primeira reunião, a empresa ouviu os fatos, as impressões e caracterizações sobre esta atitude da empresa.

Foi dado um banho de realidade sobre os representantes da empresa. A indignação destampou sentimentos de injustiça que eram acumulados por esses trabalhadores no dia a dia de trabalho na limpeza da linha 4.

As linhas de metrô da cidade de São Paulo são operadas por empresas públicas e privadas. Porém, todas elas são reconhecidas por ser um metrô muito limpo. Essa afirmação é feita sobretudo por aqueles que conhecem metrôs de outras cidades do mundo, mesmo de países muito mais ricos do que o Brasil.

Na pandemia, este serviço foi muito exaltado pelos meios de comunicação e pelas próprias propagandas das empresas de metrô, tanto a pública quanto a privada. Mas, essa valorização e reconhecimento nunca foi atribuído às mulheres que realizam esses serviços, muito menos em seus direitos trabalhistas.

Os relatos de absurdos foram vários: sobrecarga de trabalho, assédio moral, humilhações, acidentes de trabalhos não registrados e até caso grave de racismo, que foi denunciado, mas nunca apurado pela Via Quatro.

Lutar vale a pena

No último dia 24, houve nova negociação com os representantes do grupo CCR. A empresa se comprometeu a pagar 3 meses de plano de saúde, vale alimentação e vale refeição. A empresa não concordou em reintegra-las. Mas, vale registrar que a grande maioria das trabalhadoras não queriam voltar.

Não estamos falando de um emprego estável e confortável. A indignação com a conduta da empresa, somada a uma realidade de certo costume com a rotatividade do trabalho, as fez não querer o retorno, mas brigar muito por uma reparação. Por isso, o sentimento de vitória após a celebração deste acordo foi muito grande.

A principal conclusão desse processo foi a fala de uma das trabalhadoras: “a Via Quatro já demitiu segurança, funcionários da manutenção, de outras funções e teve pouca reação. Nós fomos pra cima. Eles não esperavam isso de nós, da limpeza, porque acham que a gente não é gente”.

Elas são gente, são seres humanos. E dos melhores. Protagonizaram a principal luta que já ocorreu na linha privada de metrô.

Hoje, no dia 25 de julho, dia latino americano e caribenho da mulher negra, vamos marchar com algumas delas nas ruas do centro de São Paulo.

Eles subestimaram a força de mulheres trabalhadoras unidas. Trabalharam com o conceito prévio de que essas mulheres só abaixam a cabeça. Dessa vez não foi assim.