Extrema direita: crescimento, resiliência e normalização - Parte I

Existe um evidente crescimento da extrema direita em várias regiões do planeta. E, este fortalecimento, se combina com a resiliência de algumas destas alternativas ultra-autoritárias e também com um processo de normalização de sua presença em governos e de suas propostas políticas terrivelmente reacionárias.

A Europa desponta como principal expoente deste processo

No Continente Europeu é o local onde o crescimento, a resiliência e a normalização da extrema direita ficam muito explícitos. Podemos citar, apenas para ficar em alguns exemplos:

Na Itália, a terceira maior economia da Zona do Euro, assistimos um governo encabeçado pela Primeira-ministra Giorgia Meloni, formado por uma aliança de dois partidos de extrema direita – Irmãos Itália (partido de Meloni, organização com fortes veículos históriocos com o velho fascismo italiano) e A Liga (partido de Matteo Salvini), acrescida de um terceiro partido de direita – o Força Itália (partido de Beslusconi, falecido recentemente). Com mais de seis meses de administração, este governo vem aplicando uma agenda radical contra a imigração e os direitos dos oprimidos, especialmente contra a comunidade LGBTQIA+.

No próximo domingo, 23 de julho, ocorrerão as eleições legislativas do Estado Espanhol. As pesquisas indicam uma possível vitória do Partido Popular (PP), principal partido de direita do país. Entretanto, muito provavelmente, o PP não deverá conseguir a maioria absoluta no parlamento para formar governo (regime parlamentarista) e deve recorrer a uma aliança com o VOX, principal representante da extrema direita neofascista espanhola, que se transformou na terceira força política nas recentes eleições regionais, ocorridas em maio passado. Os acordos de governo entre PP e o VOX já existem em três governos regionais e em várias municipalidades.

A França foi sacudida por grandes mobilizações novamente este ano. Em primeiro lugar, houve uma forte onda de greves e protestos contra uma reforma da previdência, um duro ataque que foi imposto pelo governo Macron, a partir da repressão violenta das mobilizações e da utilização de medidas antidemocráticas, que passaram por cima até do parlamento. Mais recentemente, novamente assistimos fortes e radicalizados protestos, principalmente da juventude negra das periferias, contra o assassinato pela polícia francesa do jovem Nahel, de 17 anos, negro e de familía de imigrantes. A existência de fortes mobilizações populares, que merecem todo o nosso apoio e solidariedade, infelizmente, ao que tudo indica, não conseguiu frear a força e a resiliência da extrema direita francesa. Marine Le Pen segue como um dos principais expoentes e alternativa, ainda mais à direita, diante da derrocada do governo Macron. E, para se ter ideia da gravidade do momento, setores da extrema direita realizam uma campanha de arrecadação de fundos para ajudar o policial assassino, que já levantou mais de um milhão de Euros (mais de 5 milhões de reais). E, também, a maioria dos sindicatos de policiais apoiam a ação criminosa deste policial e são apoiadores públicos das propostas e candidatos da extrema direita.

Outra informação importante, que circulou bastante nas últimas semanas, trata sobre o crescimento da AFD (Alternativa para a Alemanha). Esta organização da extrema direita alemã, que foi fundada há pouco mais de uma década, acabou de ganhar pela primeira vez a chefia de 2 governos regionais, uma pequena prefeitura (Ragu-Jessnitz) e uma administração distrital (Sonneberg), localizados em regiões do leste do país. Em uma pesquisa recente (do Instituto Ipsos), a AFD aparece em segundo lugar com 22% de intenções de votos (obteve 10% nas últimas eleições), atrás apenas da CDU (partido de direita, da ex-Primeira-Ministra Angela Merkel) que tem 26%, e ganhando do partido social-democrata (SPD), que lidera o governo federal atualmente, está muito desgastado e aparece apenas com 18%. A AFD lidera também as pesquisas para as próximas eleições para os governos de 4 Estados alemães que abrangem a maior parte do território da extinta Alemanha Oriental.

Pode-se citar também a manutenção de governos de extrema direita na Polônia e Hungria, reeleitos recentemente, que são totalmente normalizados pelas autoridades da União Europeia; a ascensão de novos governos da Finlândia e Suécia, a partir de acordos com organizações de extrema direita; e que o partido Chega de André Ventura, a extrema direita neofascista de Portugal, segue como a terceira força política na Assembleia da República portuguesa.

A resiliência da extrema direita também no Continente Americano e em outras parte do mundo

A América não fica de fora deste cenário. Em nosso continente, vemos principalmente a resiliência do trumpismo nos EUA e do bolsonarismo no Brasil. Além de um crescimento de correntes de extrema direita em alguns países importantes, com destaque para o Chile.

A vitória de Trump nas eleições presidenciais de 2016 foi um marco importante para o crescimento da extrema direita no mundo. Da mesma forma, a derrota da reeleição de Trump, em 2020, foi também uma derrota importante da extrema direita, dentro e fora dos EUA. Entretanto, mesmo a derrota eleitoral de Trump não bloqueou o crescimento e a resiliência destas organizações ultra-autoritárias em várias regiões do mundo. Neste momento, inclusive, mesmo depois da invasão do Capitólio, de uma condenação judicial por agressão sexual e vários processos judiciais e investigações em curso – envolvendo até o desvio de documentos confidenciais do governo, Trump segue com amplo favoritismo para ganhar novamente a indicação como candidato do partido Republicano para as eleições presidenciais de 2024, num cenário de queda de popularidade de Biden.

No Brasil, Bolsonaro perdeu a sua reeleição ano passado por uma diferença muito pequena de votos (menos de 2%). A derrota da ação golpista em 8 de janeiro em Brasília e a perda dos direitos políticos de Bolsonaro por 8 anos, por decisão recente do TSE, colocaram a extrema direita numa certa defensiva política. Mas, a derrota eleitoral de Bolsonaro, sendo muito relevante, não significou o fim de um amplo apoio da corrente de extrema direita neofascista no país, que mantém um apoio de cerca de 32% da população, em uma recente pesquisa de opinião.

As eleições para uma Convenção Constitucional no Chile, ocorrida no primeiro semestre deste ano, foi vencida pelo Partido Republicano, confirmando a tendência de crescimento da extrema direita. Seu líder, José Kast, já tinha obtido 45% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais chilenas, perdendo para Gabriel Boric, candidato de uma coalizão de esquerda. Agora, essa organização da extrema direita chilena está controlando, em aliança com outros partidos de direita, a elaboração de uma nova Constituição.

Também este ano, em outubro, vão acontecer as eleições presidenciais argentinas. E um dos candidatos que despontam como um dos líderes em algumas pesquisas de opinião é o deputado Javier Milei, um candidato da extrema direita, que reivindica Trump e Bolsonaro como referências políticas.

Outros exemplos não faltam, tais como: nas eleições presidenciais paraguaios, um candidato conhecido como “Bolsonaro do Paraguai”, Payo Cubas, obteve 23% dos votos, ficando como terceiro candidato mais votado; e, na Colômbia, onde Gustavo Petro foi eleito recentemente, também numa eleição muito apertada no segundo turno, com o candidato da extrema direita, Roberto Hernández, chegando a obter mais de 48% dos votos, uma diferença de apenas 700 mil votos. Ou ainda, na presença da extrema direita na base de sustentação do governo ditatorial e ilegítimo de Dina Boluarte no Peru.

Em outras partes do globo, também identificamos o mesmo processo de resiliência. Para ficar em 3 exemplos mais importantes: o governo de Erdogan na Turquia, há duas décadas no poder, reeleito recentemente para um mandato de 5 anos; Na força do governo Modi na Índia, com seu profundo nacionalismo e extremismo religioso; e o novo governo de Netanyahu em Israel, formado por uma aliança mais de extrema direita que já existiu no país, aprofundando os ataques ao povo palestino e buscando realizar reformas políticas ainda mais reacionárias no Estado racista israelense.

Na parte II deste artigo, que será publicada em breve, será analisado mais atentamente o processo de normalização da extrema direita, os motivos que podem ajudar a explicar a existência deste processo de fortalecimento e a importância hoje do combate prioritário a estas alternativas.