O Centrão quer entrar no governo. O bloco parlamentar liderado por Arthur Lira almeja cargos, estatais e ministérios em troca do apoio a Lula na Câmara dos Deputados. A negociação em curso envolve deputados do PP, Republicanos e até mesmo uma parte da bancada do PL, de Bolsonaro.
Posições estratégicas estão na mira do Centrão. São alvos declarados: a Caixa Econômica Federal, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), vinculada ao Ministério da Saúde, os Correios, a Embratur, o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, o Ministério dos Esportes e o Ministério da Mulher. O Ministério do Turismo já foi cedido a Celso Sabino, do União Brasil.
A aprovação a jato da Reforma Tributária na Câmara, por amplíssima maioria, e de mudanças do funcionamento do Carf, favorecendo o governo em disputas tributárias, foram indicativos da “boa vontade” do Centrão para com o Executivo. Nessa conta, deve-se mencionar também o célere avanço do Arcabouço Fiscal no Congresso.
O empresariado nacional e a mídia corporativa comemoram essa sintonia entre os poderes “em prol do país”. Vale registrar que, nesse esforço de “união nacional”, o Ministro Gilmar Mendes (STF) mandou suspender a investigação da PF que apurava esquema milionário de corrupção envolvendo Arthur Lira em Alagoas.
Mas será mesmo que esse pacto com forças políticas retrógradas, que estavam com Bolsonaro até poucos meses atrás, vale a pena? Será benéfico ao país e ao povo trabalhador?
A ampliação à direita da base de sustentação do governo Lula é apresentada como necessária para isolar a extrema direita no Congresso e fazer avançar as pautas do governo. Mas será mesmo que esse pacto com forças políticas retrógradas, que estavam com Bolsonaro até poucos meses atrás, vale a pena? Será benéfico ao país e ao povo trabalhador?
O preço é salgado
Caso se confirme a entrada do Centrão no governo, a primeira consequência direta será o fortalecimento da ala direita na gestão Lula, diretamente atrelada aos valores conservadores, aos interesses das elites econômicas e às práticas fisiológicas. Ministérios e estatais de grande importância serão controlados pelo mesmo bloco parlamentar que sustentou o governo Bolsonaro e suas pautas no Congresso até o ano passado.
Desse modo, inevitavelmente, haverá maior dificuldade, no governo, para a adoção de projetos e políticas públicas de esquerda, que busquem atender as demandas da classe trabalhadora, do povo negro, das mulheres, dos povos indígenas, da população LGBTQIA+, dos sem terra, dos sem teto e da proteção ambiental.
Lula foi eleito para reverter o legado de Bolsonaro e Temer. Acabar com a fome, que atinge milhões de famílias. Fazer a economia do Brasil crescer com redução das desigualdades sociais e transição ecológica. Retomar os direitos sociais e trabalhistas surrupiados nos últimos anos. Acabar com o processo de privatizações e entrega do patrimônio nacional.
Com o Centrão no governo, será mais difícil cumprir tudo isso, porque esse programa pressupõe justamente enfrentar as privilégios das elites dominantes. E o que é mais perigoso: o eventual não cumprimento dessas promessas pode jogar água no moinho da extrema direita, que está de olho no fracasso do governo Lula.
De qual governabilidade precisamos?
Setores da esquerda argumentam que é necessário ceder ao Centrão em troca da chamada “governabilidade”, haja vista que a maioria dos deputados e senadores no Congresso é de direita. O problema é que esse arranjo por cima amarra o governo a um pacto conservador e pouco confiável.
Lira apoiará a taxação das grandes fortunas e uma nova tabela do Imposto de Renda, que viabilize a isenção de IR para quem ganha até 5 mil? Trabalhará pela revogação da reforma trabalhista e da lei das terceirizações? Mudará sua posição favorável ao Marco Temporal? Vai rever a privatização da Eletrobrás e a autonomia do Banco Central? Será a favor da punição de Bolsonaro e de todos os golpistas? Com certeza, não.
E, como se sabe, o Centrão está longe de ser conhecido pela lealdade e compromissos programáticos. Na primeira crise séria que o governo enfrentar, Lira e sua turma vão pular do barco e cair no colo do bolsonarismo de novo. Quem não se lembra do que aconteceu com Dilma Rousseff, quando o bloco de direita que compunha o governo, liderado por Temer (MDB), resolveu romper a aliança com o PT?
É urgente construir outro modelo de governabilidade, que se apoie na mobilização popular para pressionar o Congresso em torno de uma agenda de medidas políticas, sociais e econômicas comprometida com as causas trabalhistas, populares, democráticas e ambientais.
É urgente construir outro modelo de governabilidade, que se apoie na mobilização popular para pressionar o Congresso em torno de uma agenda de medidas políticas, sociais e econômicas comprometida com as causas trabalhistas, populares, democráticas e ambientais.
Enquanto a esquerda no governo ficar refém do Centrão, do agronegócio e da Faria Lima, será impossível realizar transformações estruturais no país. Além disso, e não menos importante, a extrema direita, que ainda conserva enforme força política e social no país, não será estrategicamente derrotada por meio de um acordo político e institucional costurado por cima.
A segunda parte da Reforma Tributária, que ficou para o segundo semestre, é emblemática do impasse colocado. Para que os ricos entrem no imposto de renda, para que lucros e dividendos sejam finalmente taxados, assim como as grandes fortunas, será preciso luta social e enfrentamento com os poderes do grande capital. O Centrão, os bancos, a FIESP, o agronegócio, a Globo e outros setores da classe dominante certamente não serão um aliado nessa batalha. Ao contrário.
Para combater efetivamente a desigualdade social com medidas robustas, será preciso mobilização de massas em torno de um programa de esquerda, que alimente a esperança popular na construção de um país com justiça social. Será preciso luta de classes, e não conciliação com o andar de cima.
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