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BRASIL

Educação em disputa: Da criminalização dos professores à omissão do MEC

Rafaella Florêncio, de Fortaleza (CE)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

No último domingo, a família Bolsonaro protagonizou mais uma demonstração de desrespeito ao comparar professores a traficantes durante um ato pró-armas. Essa declaração reforça a postura de desprezo e polarização que permeou o mandato do presidente Jair Bolsonaro e que ainda persiste entre os bolsonaristas, revelando o lugar relegado à educação e aos educadores pelo clã bolsonarista.

Durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), a área da educação sofreu cortes de verbas em instituições de ensino, ataques aos professores e tentativas de interferência ideológica no currículo escolar. Essas ações demonstram um menosprezo pela importância da educação como pilar fundamental para o desenvolvimento do país. A fala de Eduardo Bolsonaro, um dos principais porta-vozes do bolsonarismo, evidencia a continuidade dessa postura que criminaliza o trabalho dos educadores e alimenta um clima de desconfiança e divisão na sociedade brasileira.

No dia seguinte a esse episódio, a educação voltou a ser destaque, dessa vez com o anúncio do governo federal da revogação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM). A gestão bolsonarista na área educacional ficou marcada por investidas de cunho ideológico, como o movimento Escola Sem Partido, que foca  sua atenção na criminalização dos professores. Esse movimento, surgido com a ascensão de grupos de extrema-direita, propunha combater uma suposta doutrinação esquerdista nas escolas e universidades. Apesar de ter sido considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2020, a persistência desse imaginário, exemplificado pela fala de Eduardo Bolsonaro, indica que o bolsonarismo ainda exerce influência mesmo após o término do governo.

Além disso, é importante destacar que a ideia de resolver problemas como a violência e evasão escolar por meio da disciplina militar é falaciosa. O PECIM propunha transformar escolas públicas, com ênfase no comportamento e na disciplina dos estudantes, utilizando o desempenho de escolas militares como argumento. No entanto, não  considerava as diferenças estruturais e de investimentos existentes nas escolas militares, nem atendia ao princípio de acesso universal à educação.

A disciplina militar impõe uma hierarquia autoritária e limita a liberdade e a criatividade dos estudantes, ao invés de promover um ambiente saudável de aprendizado. Outrossim, a presença de forças de segurança nas escolas cria um clima de vigilância constante, transmitindo a ideia de que os estudantes são suspeitos em potencial, comprometendo seu senso de segurança e pertencimento.

A análise técnica realizada pelo Ministério da Educação que fundamentou o término do Programa de Ensino Cívico-Militar (PECIM) constatou que o referido programa comprometeu recursos que poderiam ser direcionados para outras prioridades. Durante os anos de 2020 a 2022, o governo Bolsonaro despendeu cerca de R$ 100 milhões em escolas de cunho cívico-militar. Nesse período, o programa em questão figurou entre as 15 maiores destinações de verbas discricionárias, nas quais o ministro possui autonomia para determinar a alocação de recursos, no âmbito da educação básica. Os investimentos para manter militares reformados nas escolas públicas em atividades de assessoria e suporte, que recebem vultosos valores de remuneração, na ordem de R$ 8 mil, a título de gratificação, são consideráveis.

Embora a revogação do PECIM seja aguardada por muitos desde os primeiros dias do governo Lula, a forma como está sendo conduzida gera preocupação. O comunicado enviado aos secretários de educação menciona a desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvido no programa, mas não aborda claramente o papel dos Estados e municípios nesse processo. É imprescindível que o governo cumpra seu dever de preservar as diretrizes nacionais da educação e garanta uma incorporação adequada das escolas então militarizadas ao sistema educacional, evitando propostas isoladas e um financiamento inadequado.

Diante da flagrante omissão do Ministro da Educação, Camilo Santana, em relação à incompatibilidade desse modelo de educação com as diretrizes da educação pública brasileira, os seguintes Estados já anunciaram a manutenção do modelo cívico-militar de educação mesmo com o fim do PECIM: Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Goiás, Rondônia e Paraná. Isso demonstra que o término do programa não significa o fim desse modelo educacional em território nacional.

A militarização das escolas, quando submetida a uma análise mais aprofundada, revela-se um modelo insustentável. Essa não é a resposta adequada para lidar com questões de segurança nas escolas, pois foca na repressão em vez de abordar as causas subjacentes dos problemas.

Em um país que almeja um sistema educacional inclusivo, crítico e comprometido com a formação integral, conforme preconizam as diretrizes, é essencial reconhecer os equívocos e danos causados por políticas que menosprezam a educação e os educadores.

O governo de Lula, juntamente com o Ministro Camilo Santana, não pode se limitar apenas à extinção do PECIM. É imprescindível adotar medidas efetivas de desmilitarização e desbolsonarização das escolas e da educação como um todo.

 

Rafaella Florêncio é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.