Hugo Blanco foi a primeiro dirigente revolucionário que conheci, pessoalmente, na vida. Ele foi a Lisboa poucas semanas depois do 1 de maio de 1974, no calor da revolução dos cravos. Estava exilado, nesse momento, na Suécia. Hugo era um peruano dos Andes, maciço e forte como um touro, uma “força da natureza”, como me escreveu Luís Leiria. Nós éramos impressionáveis, e ele era impressionante. Nós éramos ardor, paixão, ativismo, e ele exaltava coragem, confiança, dignidade. Foi um encontro perfeito.
Dono de uma eloquência ao mesmo tempo empolgada e comovente, se expressava de forma muito articulada, direta e fulminante. Enfim, uma liderança popular imponente. Foi ele quem, pacientemente, fez uma série de reuniões com nosso pequeno grupo estudantil, nos apresentou o movimento trotskista, explicou as principais polêmicas, e passou os contatos com a Quarta Internacional em Buenos Aires e Nova York. Curiosamente, quase não falou nada de si próprio.
Mas sua história já era então heroica. Hugo nasceu na cidade de Cuzco, o “umbigo do mundo” na tradição andina, em1934. Como muitos peruanos de origem popular, muito jovem, nos anos cinquenta, foi para a Argentina para tentar estudos universitários, mas tinha que trabalhar em fábrica para se sustentar. Foi então que conheceu Palabra Obrera, a organização liderada por Nahuel Moreno, e uniu-se ao movimento trotskista. Sua experiência de vida o aproximou do internacionalismo. Desta militância surgiu o projeto de retorno ao Peru e inserção no movimento camponês no Valle de la Convención, 145 km ao norte de Cuzco, na Serra Sul do Peru, onde dez mil indígenas tinham se filiado a sindicatos na luta pela reforma agrária contra os grandes fazendeiros.
A projeção de Hugo Blanco nessa luta alcançou enorme repercussão nacional, porque organizou a autodefesa camponesa que abriu caminho para vitória. Mas a Junta Militar que então governava o Peru foi implacável e a repressão o levou à prisão em 1962. A acusação exigiu a pena de morte, e Hugo terminou condenado a 25 anos de prisão. Foi torturado, fez catorze greves de fome e foi alvo de uma campanha internacional de solidariedade, incluindo a distinção de “Prisioneiro do Ano” pela Anistia Internacional sueca em 1968. Na prisão escreveu o livro “Terra ou Morte”, um testemunho de resistência traduzido em muitas línguas.
A campanha pela sua libertação conseguiu, em 1971, a deportação para o Chile, então sob o governo de Salvador Allende. Após o golpe de Pinochet, refugiou-se na embaixada da Suécia e conseguiu fugir para este país após nova campanha internacional, obtendo o estatuto de refugiado político.
Regressou ao Peru a tempo de participar na Assembleia Constituinte de 1978, eleito pela POCEP (Frente Operário-Camponesa, Estudantil e Popular). Foi o quarto candidato mais votado nas presidenciais em 1980 e deputado entre 1980 e 1985 pelo Partido Revolucionário dos Trabalhadores, mas teve o mandato suspenso em 1983 após acusar de assassínio o general Clemente Noel, chefe militar da região de Ayacucho que viria a ser acusado vinte aos depois pela tortura e desaparecimento de 56 pessoas no quartel de Los Cabitos.
Impedido de cumprir o seu mandato, Hugo passou a vender café nas escadarias do Parlamento até que a suspensão fosse levantada. Regressaria em 1990 como senador pela Esquerda Unida até ao golpe de Fujimori passados dois anos. Sabendo que estava na lista de alvos, em condição de “perigo imediato e real”, tanto da Polícia, quanto da guerrilha do Sendero Luminoso, Hugo partiu mais uma vez para o exílio, agora no Mexico, onde conheceu os zapatistas que preparavam a rebelião em Chiapas.
Nas últimas décadas, os problemas de saúde não o impediram de continuar a luta, com o foco na defesa dos povos indígenas contra a destruição ambiental. Em 2008 foi novamente preso, sob acusação de resistência à autoridade durante uma ocupação de terras por parte de indígenas.na sua terra natal.
Hugo publicou a revista Lucha Indígena e aproximou-se do movimento ecossocialista, com o qual mais se entusiasmava, politicamente. Foi membro honorário da Confederação Camponesa do Peru e participou no conselho editorial da revista Sin Permiso. Como o estado de saúde se deteriorou, esteve nos últimos meses de vida recebendo cuidados num hospital na Suécia, onde vivem os seus filhos e filhas e onde faleceu este domingo, dia 25 de junho.
Uns cinco anos depois do encontro em Lisboa, já em São Paulo, quando militava na Convergência Socialista, a Editora Versus publicou seu livro Terra ou Morte. Mas foram necessárias algumas décadas para que nos reencontrássemos na USP em evento organizado por Osvaldo Coggiola. Ambos tínhamos nos transformado, mas que emoção. Ele mantinha a mesma simplicidade e grandeza. O documentário Hugo Blanco, Rio Profundo apresenta sua epopeia de forma emocionante.
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