Revogação de retrocessos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A Portaria GM/MS nº 757, de 21/06/23
Na semana passada, o Ministério da Saúde revogou a Portaria nº 3.588, de 21 de dezembro de 2017, a qual instituiu retrocessos na RAPS. A revogação sinaliza uma política de saúde mental em conformidade com a Reforma Psiquiátrica. Esse é mais um dos motivos pelo qual o Ministério da Saúde não pode ser rifado ao “centrão”
Publicado em: 28 de junho de 2023
Colunistas
Por Fernanda Periles e Pedro Costa
Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Colunistas
Por Fernanda Periles e Pedro Costa
Saúde Pública resiste
Uma coluna coletiva, produzida por profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes de várias partes do País, voltada ao acompanhamento e debate sobre os ataques contra o SUS e a saúde pública, bem como às lutas de resistência pelo direito à saúde. Inaugurada em 07 de abril de 2022, Dia Mundial de Luta pela Saúde.<br /> <br /> Ana Beatriz Valença: Enfermeira pela UFPE, doutoranda em Saúde Pública pela USP e militante do Afronte!;<br /> <br /> Jorge Henrique: Enfermeiro pela UFPI atuante no DF, especialista em saúde coletiva e mestre em Políticas Públicas pela Fiocruz, integrante da Coletiva SUS DF e presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Distrito Federal;<br /> <br /> Karine Afonseca: Enfermeira no DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF e da Associação Brasileira de Enfermagem, seção DF;<br /> <br /> Lígia Maria: Enfermeira pela ESCS DF e mestre em Saúde Coletiva pela UnB. Também compõe a equipe do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei do DF;<br /> <br /> Marcos Filipe: Estudante de Medicina, membro da coordenação da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), militante do Afronte! e integrante da Coletiva SUS DF;<br /> <br /> Rachel Euflauzino: Estudante de Terapia Ocupacional pela UFRJ e militante do Afronte!;<br /> <br /> Paulo Ribeiro: Técnico em Saúde Pública, mestre em Políticas Públicas e Formação Humana e doutorando em Serviço Social na UFRJ;<br /> <br /> Pedro Costa: Psicólogo e professor de Psicologia na Universidade de Brasília;
Na semana passada, a saúde mental brasileira recebeu uma boa notícia. Por meio da Portaria GM/MS nº 757, de 21 de junho de 2023, o Ministério da Saúde revogou a Portaria nº 3.588, de 21 de dezembro de 2017, a qual instituiu uma série de retrocessos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), sendo uma das principais normativas a configurar o que vem sendo denominado de Contrarreforma Psiquiátrica. Dentre as mudanças, podemos citar a revogação de normativas que sustentavam os seguintes serviços na composição da RAPS:
- Unidades Ambulatoriais Especializadas;
- Hospitais Psiquiátricos Especializados;
- Hospitais dia;
- CAPS AD IV.
Mas por que tal Portaria (3588/2017) e os dispositivos instituídos por ela na RAPS eram retrocessos? Primeiramente, porque ela inseriu o manicômio (Hospital Psiquiátrico) na RAPS e, no geral, reforçava um modelo de atenção (hiper)especializado, hospitalocêntrico e ambulatorial, em detrimento de uma atenção predominantemente extra-hospitalar, de base territorial-comunitária. Além disso, com ela – e a partir dela – foram reajustados e aumentados os valores para internações em tais dispositivos, fortalecendo-os ainda mais, com o dispêndio de verbas públicas.
Com tais constatações, não queremos dizer que dispositivos hospitalares e/ou ambulatoriais devam ser desconsiderados. Por exemplo, os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) também pressupõem a assistência ambulatorial, mas vão além dela, pautando-se na construção de vínculos, inclusive com o território, e de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), numa perspectiva de Atenção Psicossocial. E quanto à assistência hospitalar, que é fundamental em momentos de urgência e emergência, na atenção à crise, dentre outros casos, ela deve ser ofertada em hospitais gerais, e não em hospitais psiquiátricos, que segregam, asilam as pessoas – tal como preconizado na Portaria 3.088, de 2011, que institui a RAPS. Contudo, com a Portaria 3.588/2077, tais serviços e o que preconizam em termos assistenciais foram ainda mais enfraquecidos. Cabe ressaltar que uma das dificuldades vivenciadas pelos CAPS é justamente romper com a lógica ambulatorial, cenário esse que a Portaria referida não só não ajudava a melhorar, como piorava.
Outro retrocesso foi a criação dos CAPS AD IV. Eles têm o objetivo de atuar em locais de uso de crack nas grandes cidades – as chamadas “crackolândias” de maneira preconceituosa – podendo servir como porta de entrada para Comunidades Terapêuticas (CTs). Além de apresentarem características de pequenos hospitais psiquiátricos, a indicação era construí-los em locais de uso de drogas – o que, concretamente, significa a internação e segregação da população em situação de rua, numa perspectiva de higienização social (e racial). Isso afronta o princípio da territorialidade do tratamento e considera que a pessoa que usa drogas existe apenas na cena de uso (mormente em contextos de maior concentração de pessoas em situação de rua, de maior pobreza etc.), ignorando o território de sua moradia, de seu trabalho e de seus vínculos familiares. Grosso modo, apesar do nome, tais serviços se opõem e descaracterizam o que é (ou deveria ser) um CAPS, sendo mais um exemplo da remanicomialização que ganhou força nos últimos anos no campo da saúde mental, álcool e outras drogas, nos marcos da Contrarreforma Psiquiátrica.
Portanto, a revogação da Portaria 3.588/2017 e a retirada desses componentes da RAPS sinaliza uma política de saúde mental em conformidade com a Reforma Psiquiátrica, com ênfase em serviços substitutivos de caráter territorial-comunitário, os quais visam o cuidado em liberdade. Contudo, a própria RAPS traz consigo na sua configuração inicial as Comunidades Terapêuticas (CTs), no nível de Atenção Residencial Transitório. Isso é uma contradição flagrante, de modo que, para que a Reforma Psiquiátrica seja retomada na sua totalidade e essência, superando a Contrarreforma Psiquiátrica, é necessário retirar as CTs da RAPS e extinguir o financiamento público delas.
Além disso, estados e municípios precisam seguir os mesmos princípios antimanicomiais da Reforma Psiquiátrica. Nesse sentido, trazemos – e questionamos – o caso concreto do Distrito Federal (DF), como forma de ilustrar a necessidade de mudanças não apenas no nível federal, mas que elas sejam acompanhadas também nas outras esferas federativas. Por exemplo, a Portaria GM/MS nº 757, de 21 de junho de 2023, evidencia ainda mais o caráter contrarreformista e manicomial que a política de saúde mental do DF vem apresentando há anos. Além da Lei Distrital nº 975/1995, que tornou ilegal a existência de hospital psiquiátrico no DF desde o ano de 1999, agora a própria RAPS voltou a desconsiderar esse tipo de hospital entre seus componentes.
Então, ficam os questionamentos: por que o Governo do Distrito Federal (GDF) ainda mantém em funcionamento o Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), hospital psiquiátrico não apenas público, mas, diante da Lei 975/1995, ilegal? Por que o GDF, a partir da sua Secretaria de Saúde, custeia internações em hospitais psiquiátricos (privados)? Mais, por que o GDF, via Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (SEJUS), e com aval do “controle social” do Conselho de Política sobre Drogas do Distrito Federal (Conen/DF), financia CTs? Sabemos que tal realidade não é exclusividade do DF, se alastrando nacionalmente, o que, por sua vez, só reforça a Luta Antimanicomial a partir das características locais (municipais, estaduais e distrital), mas circunscritas ao âmbito nacional, o qual não só compõem e expressam, mas também conformam e produzem.
Por fim, é por conta desta iniciativa, dentre outras, que o Ministério da Saúde não pode ser rifado ao dito “centrão”, que, no campo da saúde mental, álcool e outras drogas, tem sido um dos principais responsáveis pela manicomialização, mercantilização e privatização da assistência, moralismo e conservadorismo que constituem os pilares da Contrarreforma Psiquiátrica. Assim, fazemos coro à permanência da ministra Nísia Trindade no Ministério da Saúde e apontamos para a necessária continuidade do revogaço dos retrocessos no campo da saúde mental, álcool e outras drogas. Por isso #FicaNisia.
Fernanda Pereira Ribeiro Periles é graduanda em Psicologia na UnB. Integrante do Grupo Saúde Mental e Militância no Distrito Federal (GSMM-DF)
Pedro Henrique Antunes da Costa é professor de Psicologia na UnB. Coordenador do Grupo Saúde Mental e Militância no Distrito Federal (GSMM-DF). Militante da Resistência DF.
Top 5 da semana

brasil
Prisão de Bolsonaro expõe feridas abertas: choramos os nossos, não os deles
brasil
Injustamente demitido pelo Governo Bolsonaro, pude comemorar minha reintegração na semana do julgamento do Golpe
psol
Sonia Meire assume procuradoria da mulher da Câmara Municipal de Aracaju
mundo
11 de setembro de 1973: a tragédia chilena
mundo