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BRASIL

Quatro exemplos de como é impossível mudar o Brasil em acordo com Lira e o Centrão

Foram 10 dias de ataques consecutivos na Câmara contra o Programa do governo Lula

André Freire, da Redação
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Desde segunda-feira da semana passada, 22, até esta quarta-feira, 31, passaram-se dez dias em que foi possível observar uma demonstração inequívoca do caráter ultra reacionário do bloco parlamentar, formal ou informal, organizado em torno da figura sinistra de Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados.

Lira já disse recentemente que o governo terá que se acostumar com o novo protagonismo assumido pelo Congresso. Na verdade, ele busca – a todo custo  – manter o grande poder que assumiu durante o governo do neofascista Bolsonaro. Quer impor um regime de tipo “semi-presidencialista” ou uma espécie de “parlamentarismo de fato”.

Se ainda havia dúvidas, neste breve artigo, são apresentados 4 exemplos, apoiados nos acontecimentos dos últimos dias, que confirmam a incompatibilidade entre lutar para mudar a vida do povo trabalhador e estar aliado ao chamado Centrão.

1. Um arcabouço fiscal ainda pior.

Na terça-feira da semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de Arcabouço Fiscal, a partir do relatório do deputado Claudio Cajado (PP-BA).

A proposta apresentada pelo Ministro da Fazenda Fernando Haddad já era muito complicada, principalmente porque mantinha a lógica do superávit primário. Mas, o relator, ligado a Lira e ao Centrão, tornou o Arcabouço Fiscal um duro ataque ao programa com que Lula se elegeu.

Afinal, caso as metas fiscais não sejam atendidas, fica ameaçado, por exemplo: o piso salarial da Enfermagem; também as verbas federais do Fundeb, pode se chegar até a flexibilizar os mínimos constitucionais de educação e saúde públicas; congelar os salários dos servidores federais e cancelar concursos públicos, entre outros ataques.

A bancada da Federação PSOL-Rede votou contra o Arcabouço Fiscal. E 23 deputados federais (22 do PT e 1 do PCdoB) votaram a favor do projeto apenas por disciplina partidária, mas divulgaram um documento totalmente crítico ao Arcabouço Fiscal, especialmente em seus aspectos mais reacionários.

O Senado está discutindo o Arcabouço Fiscal e deve votá-lo em breve.

2. Marco temporal, mais um duro golpe nos Povos Indigenas e no Meio Ambiente.

Na semana passada, sob o comando de Lira e do Centrão, a Câmara já tinha aprovado o regime de urgência para analisar o chamado Marco Temporal (Projeto de Lei 490).

E, agora, a Câmara acaba de aprovar o texto base deste projeto terrível, a partir da proposta do relator Arthur Maia  (União- BA), outro aliado de Lira. Os deputados de partidos que possuem ministros no governo, como MDB, União Brasil e PSD (3 Ministros cada um) deram grande parte dos votos para aprovar o PL 490.

O projeto limita sensivelmente a possibilidade de novas demarcações de terras Indígenas e pode até questionar a integridade de demarcações já realizadas. Chega a ameaçar o contato forçado com Povos Originários isolados, ameaçando também inúmeras regiões com intensa preservação ambiental. Como disse a Ministra Sônia Guajajara, um verdadeiro genocídio legislado.

O PL 490 será ainda analisado pelo Senado Federal, mas nada garante que ele será barrado nesta Casa. Ainda existe a possibilidade do STF considerá-lo inconstitucional, motivos não faltam para esta decisão.

Mas, se o Marco Temporal passa também no Senado, e não for barrado pelo STF no início de junho, vai para sanção presidencial. O único caminho possível, para manter o programa aprovado nas urnas, é Lula vetar mais este ataque aos Povos Originários e ao Meio Ambiente.

3. MP da estrutura do governo e o ataque ao MMA e ao MPI.

Está marcada para esta quarta-feira, dia 30 de maio, a votação no Plenário da Câmara dos Deputados da Medida Provisória 1.154, que trata da estrutura do governo federal. Caso a Câmara e o Senado não votem está MP até o dia 1°. de junho, toda a estrutura do atual governo fica questionada.

O Relator Isnaldo Bulhões (MDB-AL), fez alterações na proposta enviada anteriormente pelo governo, retirando atribuições e poderes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério dos Povos Indigenas (MPI).

A proposta chega retirar do MPI a responsabilidade sobre as demarcações de terras. E deixa o MMA bastante fragilizado, retirando, por exemplo, o cadastro ambiental rural da sua alçada, logo num momento onde observamos vários ataques ao Meio Ambiente, vindo principalmente de iniciativas da Câmara dos Deputados.

E o que é pior, a liderança do governo do Congresso sinalizou que vai orientar a aprovação da MP, mesmo com as modificações absurdas do relator. Ou seja, o governo não conseguiu força política para sequer questionar e impedir os ataques ao MMA e ao MPI, entre outros elementos. Está em curso, uma rendição. Vamos ver como vai terminar esta votação na Câmara e no Senado, ainda esta semana.

4. A absurda flexibilização do desmatamento da Mata Atlântica.

Ainda na semana passada, a mesma Câmara, sob o comando de Lira, retomou uma proposta, já descartada pelo Senado, e aprovou alterações na Lei da Mata Atlântica. Mudanças estas que tem origem ainda no tempo do governo Bolsonaro e que flexibiliza ainda mais os critérios de proteção da Mata Atlântica.

As propostas recuperadas pela Centrão da Câmara, abrem portas para o desmatamento de vegetação primária e secundária, e sequer mantém a exigência de compensação em caso de desmatamento.

Como já passou pelo Senado, a proposta vai direto a sanção presidencial. Lula não pode ter dúvidas, deve vetar mais estes ataques absurdos ao Meio Ambiente.

A subordinação as negociações com o Centrão é o único caminho possível? O exemplo da Colômbia

Diante de todos estes ataques de Lira e do Centrão em relação a aspectos muito importantes do programa apresentado pelo governo nas eleições, fica uma questão: é inevitável ficar subordinado as negociações – cada vez mais rebaixadas – com o Centrão no Congresso? Ou existe outro caminho possível ?

O grande peso no Congresso das bancadas ligadas a extrema direita e a setores mais reacionários da direita é um fato categórico, não pode ser desconsiderado. A bancada conservadora é majoritária no Congresso, se tornando um grande obstáculos para as mudanças que o Brasil tanto precisa.

Se a opção do governo for ficar apenas refém das negociações com Lira e o Centrão, as votações do últimos dias já são bastante reveladoras sobre os limites estreitos desta política de conciliação. Portanto, é necessário olhar para fora do Congresso Nacional. Buscando se apoiar na força do movimento que elegeu Lula no ano passado.

A recente postura política do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, pode ser uma referência importante para esta discussão. Petro chegou a romper a aliança com setores conservadores do Partido Liberal, diante da resistência a aprovação no Congresso de mínimas reformas, que apenas permitiam ampliar os investimentos públicos em áreas sociais, como a saúde, por exemplo.

Ele pediu o apoio a opinião pública e a mobilização popular, num discurso no dia 1°. de maio. Esta disputa ainda está em curso, mas Petro vem conseguindo, inclusive, aprovar alguns aspectos da suas propostas de reformas no Congresso colombiano.

De certo que a realidade política no Brasil é diferente da Colômbia. Mas, o exemplo é válido, pois mostra duas questões importantes, em qualquer situação:

Jogando todas as fichas apenas na negociação com os setores conservadores no Congresso não se vai avançar nas mudanças necessárias para a maioria do povo. E, é possível apostar em outro caminho, chamando a organização e mobilização dos povo trabalhador e da juventude para pressionar o legislativo contra retrocessos e buscando avisar nas mudanças que o país precisa.

O governo Lula não pode cair na armadilha do Centrão. Lira quer amarrar o governo, impor uma agenda do governo anterior, impedindo a concretização de parte significativa do programa que foi aprovado nas urnas. Precisa ser confrontado de forma contundente.