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BRASIL

Arcabouço Fiscal restringirá investimentos sociais e tem o funcionalismo na mira

Nesta terça, 16, a Câmara votou pela urgência para apreciação do relatório do arcabouço. Medida inclui no novo teto o Fundeb, piso da enfermagem e funcionalismo público.

David Lobão, de Campina Grande (PB)
Agência Brasil e Câmara dos deputados. Montagem: Equipe Eol

Em 2003, Lula tomou posse para seu primeiro mandato. A classe trabalhadora organizada participou intensamente da vitoriosa campanha e fez da posse um grande ato de esperança, afinal, todos entoavam: “Sem medo de ser feliz!”.

Já no primeiro ano do governo, atendendo aos interesses do mercado, Lula encaminhou para o Congresso Nacional uma reforma previdenciária, cujo principal aspecto era uma mudança que estabelecia o fim da paridade e integralidade de vencimentos entre ativos e aqueles já em aposentadoria, um ataque às servidoras e servidores públicos.

Esse erro crasso, lamentavelmente, se repete vinte anos depois. Lula toma posse para o seu terceiro mandato, em 2023, depois de, com a participação massiva da classe trabalhadora, ter realizado uma intensa e vitoriosa campanha eleitoral na qual conseguiu derrotar a ultradireita, que havia retomado o poder através de um golpe jurídico-midiático-parlamentar em 2016 e lá se consagrado pela eleição do neofascista genocida em 2018.

Em 2016, logo após o golpe, Temer aprovou a Emenda Constitucional 95, chamada de emenda do Teto dos Gastos pela grande mídia e, profeticamente, apelidada de PEC do Fim do Mundo pelos movimentos sociais brasileiros, pois, estabelecia um conjunto de medidas que, literalmente, proibiam o Estado de executar gastos para atender às necessidades mais básicas do povo brasileiro e, por outro lado, mantinha intocávéis as despesas do governo com o sistema da dívida pública, garantindo assim, não somente a manutenção da transferência de recursos públicos para o sistema financeiro, mas, pela primeira vez na nossa história, estabelecendo na forma da lei, que o mercado era o destinatário exclusivo de aumento dos já vultosos recursos provenientes do orçamento público. Tudo o mais deveria permanecer congelado.

Foram 02 (dois) anos de governo Temer e 04 (quatro) anos de governo Bolsonaro nos quais a Emenda Constitucional 95 mostrou seu lado perverso, destruindo o serviço público e ferindo de morte as políticas sociais preconizadas na Constituição Federal de 1988 e só muito recentemente postas em prática. O dado mais representativo deste trágico momento histórico foi a volta do Brasil ao mapa mundial da fome.

Na campanha de 2022, Lula prometeu pôr fim ao teto dos gastos e recolocar o pobre no orçamento da União garantindo que o povo pobre possa comer três vezes ao dia, ter direito à saúde, educação, moradia e assistência social. Para isso, faz-se necessário um Estado do tamanho da necessidade do povo brasileiro, restabelecendo as condições mínimas para o funcionamento do Serviço Público, garantindo a) Que servidoras e servidores possam ter condições adequadas de trabalho; b) Que recebam salários fortes, que lhes permitam a manutenção de sua qualidade de vida e; por último, mas não menos importante, c) A estruturação de carreiras de que sejam atrativas para novos servidores e justas para o que já fazem parte dos quadros do Estado.

Ainda antes da sua posse, a equipe de transição do governo Lula III apresentou uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) retirando do teto de gastos sua principal proposta de caráter social, o programa Bolsa Família, com uma novidade importante: A PEC de transição prevê que o governo Lula apresente uma nova regra sobre os gastos públicos que venha a substituir a famigerada EC 95, a emenda do teto de gastos.

As servidoras e servidores públicos vinham de uma importante vitória, que representou a mais contundente derrota do governo Bolsonaro no Congresso Nacional pela não aprovação da Reforma Administrativa. Foram 14 (quatorze) semanas seguidas de intensa mobilização da classe trabalhadora nas portas do parlamento brasileiro. Essa vitória encheu servidoras e servidores de esperança em reconstruir suas condições de trabalho, suas carreiras e seus salários fortemente atacados pelos governos de Temer e Bolsonaro. A maioria das servidoras e servidores públicos amargaram 07 (sete) anos de congelamento salarial em meio a uma inflação crescente que corroeu de modo dramático seu poder de compra e a manutenção de sua qualidade de vida.

Numa clara disposição em atender aos interesses do “mercado”, depois de 04 (quatro) meses de governo, nos quais nenhuma Instrução Normativa, Decreto e Portaria do governo Bolsonaro foi revogada, em que nenhuma solicitação das servidoras e servidores Públicos Federais foi atendida na negociação do pagamento do reajuste emergencial, o Ministério da Economia anunciou o novo Arcabouço Fiscal.

A primeira grande frustração da classe trabalhadora, em especial das servidoras e servidores públicos, foi constatar que o novo Arcabouço Fiscal apresentado pelo governo Lula III não acabava de modo algum com o teto dos gastos, apenas dilatava o teto em míseros percentuais de 0,6% a 2,5%, índices irrisórios se comparados com o segundo mandato do governo Lula, no qual o orçamento crescia mais que 5% ao ano.

O Arcabouço fiscal do governo Lula III compromete fundamentalmente as principais promessas de campanha eleitoral, pois, colocar o povo pobre no orçamento é muito mais que garantir o programa Bolsa Família e o Salário Mínimo. É preciso investir em saúde, educação, moradia, saneamento, segurança e assistência social, e isso só é possível com investimento real e efetivo para garantir o pleno funcionamento dos serviços públicos e as condições de trabalho das servidoras e servidores públicos.

A destruição do Estado Brasileiro nesses últimos 06 (seis) anos com a precarização das condições de trabalho, sucateamento das unidades do serviço público, congelamento salarial das servidoras e servidores exigirá forte investimento do poder público para colocar o estado nas condições de atender às necessidades urgentes do povo brasileiro.

Nossa vitória nas urnas contra a ultradireita não enterrou os sonhos do neofascismo brasileiro de voltar ao poder e concluir o seu plano de destruição completa do serviço público, por isso, devemos estar atentas e atentos ao fato de que não é, de modo algum, a toa, a declaração recente do bolsonarista Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, de que “a Reforma Administrativa está pronta para ser votada!”

Nossas movimentações não podem, em hipótese alguma, alimentar o crescimento da direita em nosso país e, lamentavelmente, o novo Arcabouço Fiscal do governo Lula III fortalece sobremaneira a direita, enfraquece o compromisso de atender às necessidades básicas do povo brasileiro e as consequências de sua implementação podem ser, a longo prazo, devastadoras para a democracia brasileira e para a nossa árdua luta contra o neofascismo neste país.

As servidoras e servidores públicos, sindicatos, movimentos sociais, assim como parlamentares comprometidas e comprometidos com os interesses da classe trabalhadora devem se unir em uma grande mobilização contra o novo Arcabouço fiscal, pois, é preciso que o governo que elegemos priorize o diálogo com a classe trabalhadora e suas organizações.

Temos a urgente e inadiável responsabilidade de mover a classe trabalhadora contra o teto dos gastos, esclarecendo que o Arcabouço fiscal não acaba de forma alguma com o teto dos gastos nos termos necessários que haviam sido definidos pelo próprio Lula em seu discurso de posse feito dentro do Congresso Nacional:

“O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada Teto de Gastos, que haveremos de revogar.” Lula da Silva – grifo nosso.

Se o próprio Presidente da República afirmou, em reunião com lideranças sindicais, que “nós não precisamos de puxa-saco, um governo não precisa de tapinha nas costas, um governo tem que ser cobrado, todo santo dia” e chega, em outro momento, a ironizar que “nunca viu um mercado tão sensível como o nosso”, cabe a nós nos organizarmos para exercermos, imediatamente, toda pressão possível para que este governo se mova na direção das necessidades da classe trabalhadora, que constitui a imensa maioria povo brasileiro e não dos caprichos do Mercado Financeiro. E devemos fazê-lo com seriedade e urgência como se nossas vidas dependessem disso porque, de fato, dependem.

Lobão é professor do IFPB e coordenador Geral do SINASEFE