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MUNDO

As leis que tornam Israel um Estado de apartheid

Henrique Canary, da redação

No momento em que lembramos os 75 anos da Nakba, a tragédia do povo palestino promovida pela ocupação violenta de seu território por parte de Israel, vale a pena mencionar algumas leis que tornam o Estado judeu um regime de apartheid, similar àquele que existiu na África do Sul no século 20 e na Alemanha nazista na década de 1930. A questão se reveste de especial importância porque Israel é frequentemente mencionado na grande imprensa como “a única democracia do Oriente Médio”. Usa-se para isso o argumento do direito ao voto e a relação teoricamente bastante liberal com os direitos civis no país. No entanto, nada está mais longe da realidade. E não estamos falando aqui sequer das barbaridades impetradas por Israel contra a população árabe da Cisjordânia e Faixa de Gaza, tema esse amplamente debatido em vários meios independentes. Nos referimos aqui à discriminação oficial implementada contra cidadãos israelenses de origem árabe, que vivem legalmente dentro dos limites do Estado de Israel.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que Israel surgiu como fruto de uma ocupação violenta de um território que por milênios pertenceu à população árabe. Até 1948, cerca de 6% do atual território de Israel se encontrava nas mãos de colonos judeus. Nesse período a convivência entre judeus e palestinos era relativamente pacífica. A partir do acordo entre Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética nos marcos da ONU em 1947, cerca de 53% do território da Palestina foi destinado à criação do Estado de Israel, fato que foi acompanhado da paulatina expulsão dos árabes de suas terras para a consolidação dessa resolução tomada às costas do povo palestino.

Como é de amplo conhecimento, a população da Cisjordânia e Faixa de Gaza não possui nenhum direito. São um povo sem Estado que vive em condições de uma bárbara ocupação militar, com suas propriedades permanentemente ameaçadas pelo avanço dos assentamentos judeus.

Mas não se trata aqui da questão palestina como um todo, e sim especificamente dos assim chamados árabes israelenses. Não bastasse a violência sionista contra os árabes na Cisjordânia e Faixa de Gaza, somente esse fato já seria o suficiente para provar que Israel não é um Estado democrático. Ao contrário, possui todas as características de um Estado fascista.

Israel possui uma população de cerca de 9 milhões de pessoas. Desses, cerca de 1,9 milhão é de árabes israelenses. Isso não inclui a população da Cisjordânia e Faixa de Gaza, absolutamente excluída e desumanizada. Quais são, portanto as leis que regulam a vida desse segmento da população no interior do Estado de Israel? Aqui, temos alguns exemplos:

Lei do Estado-Nação

Essa talvez seja a lei mais importante do Estado de Israel porque ordena todas as outras. Trata-se de uma lei com status constitucional aprovada em 2018 e que estabelece que Israel é um Estado judeu. Essa afirmação, por si só, não parece grave, já que muitas constituições estabelecem que o país x ou y é o Estado da nação x ou y. No entanto, na maioria dos casos, a mesma constituição garante direitos e liberdades para todas as minorias presentes nesse países. Não ocorre o mesmo com Israel. A Lei do Estado-Nação estabelece que os judeus de Israel possuem direitos coletivos, como nação, além dos direitos individuais tradicionalmente reconhecidos em outras constituições. Esses direitos seriam dados pelo simples pertencimento nacional. Assim, se os direitos individuais são comuns a todos os cidadãos israelenses, inclusive os árabes (por exemplo, o direito ao voto), os direitos coletivos são exclusivos da nação judia. A mesma lei estabelece que os assentamentos judeus, ou seja, a forma prioritária da expansão do domínio sionista na região, são um “valor nacional” protegido e impulsionado pelo Estado, mesmo que às custas das terras pertencentes aos árabes.

Essa lei também aboliu o status do árabe como língua oficial e declarou o direito à autodeterminação nacional como “exclusivo do povo judeu”.

Lei do Retorno

Aprovada em 1950, essa lei busca tornar Israel o lar natural de todos os judeus do mundo. Ela estabelece que qualquer judeu pode migrar para Israel e receber lá cidadania. No entanto, o mesmo não vale para os palestinos que fugiram da ocupação e da violência israelense e que agora porventura desejem retornar. A questão é importante porque calcula-se em cerca de 750 mil pessoas o número de refugiados palestinos em países da região como Jordânia, Síria, Líbano e Egito. Essas pessoas estão impedidas de retornarem às suas terras.

Lei de Cidadania e Entrada em Israel

Essa lei impede que cidadãos israelenses casados com palestinos transfiram sua nacionalidade para seus cônjuges. Por consequência, impede que esses casais possam viver em Israel, ao contrário do que acontece nos países democráticos. Assim, se um árabe-israelense casar-se com uma pessoa oriunda de um território ocupado, ambos serão forçados a morar e constituir família no território ocupado, sujeitando-se à violência e à extrema desigualdade social característica dessas áreas. Recentemente a lei foi até mesmo ampliada para incluir cidadãos de países considerados inimigos, como o Irã.

Lei da Nakba

Aprovada em 2011, essa lei determina a retirada de financiamento público de toda e qualquer instituição que promover qualquer atividade de lembrança da Nakba como luto e tragédia do povo palestino. Este é um dos principais mecanismos de combate contra a memória dos árabes que vivem em Israel. Assim, se uma escola promover uma palestra ou uma exposição sobre a Nakba, pode ter seu financiamento interrompido pelo Estado de Israel, o que impediria imediatamente o seu funcionamento. Segundo os legisladores sionistas, essa lei seria democrática porque ela não proíbe que se lembre a Nakba. Apenas impede que isso seja feito com dinheiro estatal. É como se o governo Bolsonaro cortasse o financiamento de toda e qualquer escola que lembrasse criticamente o Golpe Militar de 1964.

Lei da Ausência

Tratas-e de uma das leis mais perversas de Israel. Ela permite ao Estado sionista se apropriar das terras antes pertencentes a palestinos deslocados para países vizinhos. É um enorme golpe contra os que mais sofreram com a ocupação e que tiveram que deixar o país. Segundo esta lei, as terras e propriedades de refugiados podem ser apropriadas pelo Estado e designadas para fins de assentamento da população judia. Aliás, toda a situação das terras em Israel é bastante incomum. Calcula-se que cerca de 93% das terras cultiváveis do país pertençam ao estado, um percentual compatível com países como China e Coreia do Norte. Assim, o estado controla todo o processo de ocupação das terras, impedindo que elas sejam não apenas compradas, mas até mesmo alugadas por palestinos. A lei também determina que os donos das terras as trabalhem pessoalmente, sob pena de desapropriação e cessão a entidades judias. Ou seja, mais um golpe contra aqueles que foram obrigados a deixar seus lares por razão da ocupação sionista.

Como resultado, os cidadãos de Israel de origem palestina, que correspondem a cerca de 20% do total da população, possuem apenas 3,5% do total do território.

Leis de Emergência

Por fim, a legislação israelense se caracteriza por utilizar vários mecanismos da época do mandato britânico. São as chamadas “leis de emergência”. Com um total de 170 artigos, essas leis são voltadas para a luta contra a resistência palestina e estabelecem, entre outras coisas: a) a proibição dos árabes de se mudarem e ocuparem territórios fora das áreas especificadas pela ordem militar; b) a possibilidade de detenção, por parte do Estado, de qualquer palestino sem julgamento por longos períodos e interrogatórios sem a presença de advogados; c) a admissibilidade da expulsão de árabes do país; d) o fechamento de qualquer área do país por razões de segurança, como prelúdio para expropriação e entrega dessas regiões para colonização judia.

A esquerda não possui hoje uma saída definitiva para a questão palestina. E mesmo o movimento nacional de libertação dos próprios palestinos se encontra dividido. Setores não reconhecem a existência do Estado de Israel e defendem a constituição de um Estado único, democrático e não racista. Outros defendem a formação de dois Estados. O fato é que enquanto isso os palestinos se encontram sob um dos jugos mais cruéis que a história dos povos já registrou. Enquanto se cantam odes à suposta democracia israelense, um povo inteiro está constantemente ameaçado de genocídio, desaparecimento, esquecimento e abandono. Não é possível reconhecer a existência sequer de um traço de democracia no regime israelense enquanto o apartheid antipalestino durar. Seja uma solução de um ou dois Estados, o primeiro passo é a destruição do regime nazista sediado em Tel Aviv.