A vitória de Lula contra Bolsonaro, nas eleições presidenciais brasileiras do ano passado, representou uma derrota muito significativa para a extrema direita neofascista não só no Brasil, como também na América Latina e no Mundo. É fundamental termos em conta a enorme importância desta vitória política e eleitoral para a defesa das liberdades democráticas e da ampliação dos direitos da maioria.
Entretanto, os lutadoras e as lutadores do Brasil sabem muito bem que a derrota de Bolsonaro nas eleições, sendo muito importante, não significou uma derrota definitiva do bolsonarismo.
A extrema direita neofascista já mostrou suas “garras” ainda no primeiro mês do governo Lula III, com as ações golpistas do dia 8 de janeiro, em Brasília. E, até hoje, segue como uma força política expressiva no país, com a preservação de sua máquina de fakenews, com a atuação de uma numerosa bancada no Congresso Nacional e a ocupação de postos importantes nos Poderes Executivos e Legislativos de vários Estados e Municípios.
Mas, infelizmente, não é só no Brasil que os movimentos de extrema direita demostram resiliência e protagonismo.
A recente eleição de um Conselho Constitucional no Chile nos mostrou um resultado terrível para os que lutam por uma América Latina livre, democrática e soberana. O Partido Republicano, principal organização de extrema direita chilena na atualidade, dirigido por José Kast – candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais (com cerca de 45% dos votos) e que já foi conhecido com o “Bolsonaro do Chile”, conseguiu uma expressiva vitória eleitoral, e “dará as cartas” na elaboração da nova Constituição no Chile, conseguindo inclusive uma maioria qualificada, a partir de uma aliança evidente que fará com representantes de outros partidos da chamada direita tradicional.
Este resultado representa um duro golpe no atual governo do Presidente Gabriel Boric, que governa a partir de uma aliança de partidos de esquerda e chamados de centro-esquerda e vinha fazendo importantes concessões programáticas aos setores mais conservadores.
Entretanto, outra informação vem chamando a atenção em outro importante país da América do Sul: a Argentina. Os argentinos elegerão um novo Presidente da República em outubro deste ano, e a brutal crise econômica e social que assola o país provocou uma enorme queda na popularidade do atual governo do partido peronista. E, as últimas pesquisas eleitorais, vem apontando um rápido e significativo crescimento das intenções de voto para presidente do deputado ultra reacionário Javier Milei (chegando a liderar em alguns cenários), principal expoente argentino do movimento de extrema direita. Inclusive, ele acaba de indicar sua candidata a vice-presidente, a também deputada Victoria Villarruel, conhecida por ser uma defensora da ditadura militar argentina e que se destaca por minimizar os crimes hediondos deste período nefasto da história latino-americana.
Outros exemplos podem ser citados, como o crescimento eleitoral da extrema direita nas recentes eleições presidenciais no Paraguai, com o candidato Payo Cubas – que ficou também conhecido como “Bolsonaro do Paraguai”- se tornando o terceiro colocado, ultrapassando a marca dos 20% dos votos.
Estes fatos já são mais do que suficientes para demonstrar a atualidade e a importância prioritária do enfrentamento da extrema direita na América do Sul e no conjunto do nosso Continente.
Como uma primeira conclusão política, podemos afirmar que a derrota de Bolsonaro enfraqueceu a extrema direita na América Latina, mas está longe de retirar a importância deste setor ultra reacionário do cenário político atual.
Em outras partes do Mundo não vem sendo diferente
A resiliência de movimentos de extrema direita, muitos deles diretamente neofascistas, não é observado apenas na América Latina.
Nos EUA, mesmo depois da derrota eleitoral em 2020, o trumpismo segue controlando o Partido Republicano e Trump – apesar de fustigado por vários processos judiciais e, agora, com uma condenação por abuso sexual – já apresentou sua pré-candidatura para as próximas eleições presidenciais.
Entretanto, sem dúvida, é no continente europeu que podemos enxergar, com ainda mais nitidez, a força da extrema direita. Exemplos não faltam.
Em primeiro lugar, no cenário marcado pela Guerra na Ucrânia, iniciada a partir da ocupação ilegítima da Rússia de parte do território deste país, assistimos a presença significativa de setores de extrema direita tanto do lado russo (Grupo Wagner, por exemplo) como do lado ucraniano (Batalhão Azov, principalmente). Não chega ser um novidade o crescimento da presença de neonazistas na política ucraniana, principalmente a partir dos acontecimentos de 2014.
Por fora da Guerra, o principal exemplo é a Itália, onde o partido de extrema direita neofascista “Irmãos Itália” controla o governo, indicando a primeira-ministra Georgia Meloni. Eles ganharam as últimas eleições italianas com o lema “Deus, Pátria e Família”. E, nos primeiros seis meses de governo, embora mantenham uma popularidade estável, os neofascistas italianos já mostraram as suas garras contra os imigrantes e o conjuntos dos setores oprimidos, combinado o perfil ultra conservador com uma agenda econômica que aprofunda a política de austeridade da União Europeia.
Mas, existem graves riscos de ascensão da extrema direita neofascista em dois outros grandes países da União Europeia: Estado Espanhol e França.
No Estado Espanhol, vão acontecer eleições legislativas estatais no final deste ano. E, a última pesquisa de intensões de votos, anunciada no início de maio pelo Jornal El Pais, aponta um grande risco de um novo governo produto de uma eventual aliança do Partido Popular (PP), principal representante da direita tradicional espanhola, com o Vox, partido da extrema direita conhecido por defender a herança franquista e perseguir os direitos dos imigrantes, das mulheres, da população LGBT, entre outros setores oprimidos.
Segundo a mesma pesquisa, a aliança PP – Vox estaria a seis cargos para atingir a maioria absoluta no parlamento. O risco eminente é nítido: a subida de um novo governo nacional em um país importante da Uniao Europeia, produto da aliança da direita tradicional – com um perfil cada dia mais reacionário – com o a extrema direita diretamente neofascista. Esta mesma aliança já existe em pelo menos um governo regional e em várias municipalidades e, caso se consolide num cenário estatal, representaria um salto de qualidade no processo de normalização da extrema direita neofascista na política europeia.
Na França, assistimos a forte queda da popularidade do presidente Macron, depois da imposição antidemocrática de uma nova reforma reacionária no sistema de aposentadorias, que enfrentou – e enfrenta ainda – uma onda histórica de protestos e greves.
Porém, é preciso notar que a rápida queda da aceitação de Macron, que foi reeleito recentemente, está sendo disputada por dois projetos antagônicos de país. Um mais à esquerda, com o fortalecimento de Jean-Luc Mélenchon e outro pela extrema direita, novamente com Jean-Marie Le Pen.
Nas últimas eleições legislativas, Mélenchon e seu partido (França Insubmissa) encabeçaram o Nupes, uma aliança de esquerda e centro-esquerda, que obteve o segundo lugar em número de votos. O Resultado foi muito importante, pois alguns meses antes, Mélenchon ficou de fora do segundo turno das eleições presidenciais, pela segunda vez e, novamente, por poucos votos.
Entretanto, Le Pen, embora tenha perdido novamente o segundo turno das eleições presidenciais para Macron, viu nas eleições legislativas sua bancada no parlamento francês crescer de 9 para mais de 90 deputados. Apesar de ser a terceira força política, acabou obtendo um crescimento histórico.
Nos últimos dias, houve dois fatos que tiveram impacto político: em Paris, aconteceu uma manifestação diretamente neofascista, autorizada pelas forças policiais; e houve a renúncia de Yanniick Morez, prefeito de Saint-Brevin-les-Pins (cidade do oeste francês) por sofrer ameaças de morte da extrema direita, que acabaram por incendiar a sua residência. Ou seja, infelizmente, apesar da tremenda força social das manifestações populares contra a reforma reacionária das aposentadorias, a extrema direita segue como uma força política viva na França, e vai disputar com a esquerda o espaço de oposição, agora alargado pelo atual fracasso de popularidade de Macron.
Podemos seguir com exemplos na Europa, como o crescimento do Chega de André Ventura, que vem se consolidando com terceira força política em Portugal – já é o terceiro partido em número de deputados na Assembleia da República. E, agora, Ventura vem aumentando a pressão sobre o PSD, principal partido da direita tradicional portuguesa, sobre a possibilidade de um acordo que permitisse um novo governo de direita nos país, agora aliado com a extrema direita. Está aliança já existe em um governo regional, na Ilha dos Açores.
Há também outros exemplos fora da Europa, dos EUA e da América Latina. Como o atual governo de Netanyahu em Israel, um dos principais aliados dos EUA, e um completo conluio do que existe pior da direita e da extrema direita sionista, que se mantém a frente governo depois de enfrentar uma grande onda de protestos populares. Ou mesmo o governo de Narendra Modi, na Índia, representante de um fundamentalismo religioso de pior espécie, mas totalmente normalizado no Ocidente – por exemplo, agora em junho, Biden vai recebê-lo em visita oficial.
De certo, que o fenômeno de extrema direita não existe com peso político significativo em todos os países do mundo. Porém, seria ingenuidade política não compreender a resiliência e o protagonismo que a extrema direita neofascista possui na atualidade, sendo um dos principais fatores presentes no cenário internacional, sobrevivendo inclusive a derrota de Trump em nas eleições estadunidense de 2020.
Uma luta que segue sendo prioritária
A permanência da extrema direita como uma das principais forças políticas na atualidade demonstra que a sua presença não é apenas um fator conjuntural. Ao contrário, parece mais ser um elemento permanente na situação política internacional nos últimos anos.
Uma característica que se explica por elementos mais estruturais, sobretudo pela permanência da crise da economia capitalista, iniciada em 2007-08, sem uma reversão estrutural até agora.
Se combina com este elemento estrutural de fracasso do sistema capitalista, a total incapacidade de sucessivos governos em resolver os problemas mais sentidos do conjuntos dos explorados e oprimidos.
Portanto, fica o alerta importante aos governos que se reivindicam de esquerda ou progressistas: concessões programáticas de fundo e a conciliação de classes acaba por gerar um fracasso das expectativas de melhorar a vida da maioria das suas populações, abrindo um caminho ainda maior para o fortalecimento dos setores mais radicais da direita e da extrema direita. O exemplo chileno, argentino ou espanhol confirmam de forma contundente este grave risco.
Mas, este processo exige também dos socialistas uma política permanente de frente única da esquerda e dos movimentos para enfrentar os ataques aos direitos sociais e democráticos, destacando a importância de uma política unitária antifascista.
Esta política deve começar prioritariamente na intervenção concreta nos espaços da luta de classes, pois é nas luta direta que se concentra o cenário principal para enfrentar e buscar uma derrota mais de fundo das alternativas da extrema direita neofascista.
Entretanto, a prioridade na ação direta, não deve significar uma postura contemplativa nos processos eleitorais, pois a luta contra o neofascismo deve ser dada de forma prioritária em todos os espaços possíveis.
Inclusive, o exemplo brasileiro, demonstra as eleições exigem dos socialistas uma busca permanente por confluências políticas de esquerda, mantendo a independência política e as devidas diferenciações programáticas.
Da mesma forma, o firme combate contra ao risco da chegada da extrema direita neofascista aos governos, seja como maioria seja como parte integrante de novas administrações de direita, deve exigir táticas políticas especiais, que busquem defender os direitos da maioria do povo e manter e fortalecer a audiência das organizações socialistas mesmo em períodos de retrocessos.
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