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O Congresso do PSOL de 2023

Divulgação

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

“A paciência é amarga, mas o seu fruto é doce.”
Sabedoria popular portuguesa

1. Apesar da situação reacionária, o PSol cresceu, nos últimos anos, em um contexto de recuperação do lulismo: foi uma façanha. Se consolidou como a segunda força da esquerda brasileira, e um dos mais importantes partidos anticapitalistas, internacionalmente. Superou a cláusula de barreira, independente da Federação com a Rede. O PSOL fez, em 2022, 3,57% dos votos válidos a Deputado Federal (3.787.697 votos). Em 2021, 50.000 filiados votaram na escolha dos delegados para o Congresso. No final de 2022, o PSOL contava com 226 mil filiados. Uma parcela importante do ativismo, na escala de algumas dezenas de milhares, com presença nas mobilizações tem no PSol sua referência. Isso é assim no movimento sindical e estudantil, popular e de mulheres, negro e indígena, ambiental e LGBTQIA+, e o papel das iniciativas da Frente Povo Sem Medo foi importante, como na resposta ao golpismo de 8 de janeiro. Este processo foi possível porque prevaleceu, numa disputa interna intensa, a linha política do Bloco PSol de todas as lutas: a defesa da tática de Frente Única de Esquerda, em especial com a Frente Brasil Popular, ou seja, o PT, MST, e UNE contra o bolsonarismo. Preservá-la, ao mesmo tempo que o PSol prioriza a mobilização popular, não a presença em ministérios, será chave. O papel do PSol é ser uma ferramenta útil para a luta dos trabalhadores e da juventude, e um ponto de apoio para a reorganização da esquerda brasileira.

2. Vale a pena recordar as quatro etapas da história do PSol até hoje: (a) o momento heroico da fundação foi um imenso desafio, porque a aposta de que era possível a existência de um partido à esquerda do PT, com capacidade de conquistar audiência de massas, envolvia riscos imensos; (b) a segunda ruptura do PT encabeçada pela corrente de Ivan Valente, em 2007, e a consolidação como oposição de esquerda aos governos Lula e Dilma Rousseff pela corajosa campanha presidencial de Plínio de Arruda Sampaio em 2010, favoreceram uma aparição independente nas jornadas abertas por junho de 2013, e ampliaram a audiência de Luciana Genro, em 2014; (c) a terceira etapa começou com o giro diante do golpe “institucional” de 2016 e a luta pela Frente Única de esquerda contra Temer e Bolsonaro, a integração da Resistência, a relação privilegiada com o MTST e a APIB de Sonia Guajajara, garantindo um salto de qualidade que permitiu levar Boulos ao segundo turno na eleição de 2020 em São Paulo; (d) a quarta etapa se inicia com o posicionamento equilibrado diante do governo de Frente Ampla liderado pelo PT: o PSol não integra o governo, porque é um governo de colaboração de classes, mas o defende, nas ruas e no Congresso, diante das ameaças da extrema-direita: uma “geringonça tropical”.

3. Qual é desafio do Congresso? O principal desafio é a defesa da continuidade de uma estratégia política que foi vitoriosa até aqui. A linha deve garantir a defesa de três eixos: (a) o combate implacável à extrema direita porque a eleição de Lula foi por margem estreita, sem uma onda prévia de grandes mobilizações de massas como na Bolívia, Chile ou Colômbia, e o bolsonarismo mantém posições nos três governos do sudeste, nas Forças Armadas e Polícias, além de influência de massas; (b) a defesa da mobilização social na luta de classes através da Frente Única de Esquerda, unindo as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo diante da  necessidade de unificar a classe trabalhadora, que permanece dividida pelo envenenamento fascistoide, nas lutas pelas reivindicações concretas do povo e juventude, como no dia 9 de janeiro contra o golpe, e na campanha pela revogação da reforma do ensino médio; (c) a luta por um programa de reformas estruturais anticapitalistas, o que exige independência política do governo para  apresentar propostas que levem até o fim a repressão aos neofascistas, como a prisão de Bolsonaro, a exigência da demissão de Campos Neto, a recusa do arcabouço fiscal e a necessidade de uma reforma tributária que faça justiça cobrando impostos sobre a renda e o patrimônio. Quem defende uma linha “nem, nem” pura, ou seja, oposição de esquerda ao governo Lula, não aprendeu a lição fundamental dos últimos anos: o país está fraturado pelo peso avassalador dos neofascistas. A experiência dos últimos quatro meses confirmou que o espaço de oposição ao governo da Frente Ampla é, neste momento, ocupado totalmente pela oposição de direita, e liderado pela extrema-direita. Já foi uma irresponsabilidade agitar o Fora Todos entre 2015/16, quando a extrema-direita conquistou as ruas com o Fora Dilma, imaginando que o Brasil estava em um momento “argentino” de 2001/2002 que incendiou o “Que se vayan todos”. Repetir o mesmo erro em 2023 seria imperdoável.

4. A disputa de direção no Congresso não será uma luta burocrática pelo controle do aparelho. Não é artificial. Corresponde, grosso modo, às diferenças de estratégia acumuladas, e deve reeditar a luta entre o Bloco Psol de todas as lutas (PTL), que une o PSol Popular (Primavera e Revolução solidária) e PSol Semente (Resistência, Insurgência e Subverta) que cumpriu um papel chave para chegarmos até aqui, contra o Bloco de Esquerda, dirigido pelo MES, associado a coletivos como a APS Nova era, e as tendencias Fortalecer e Comuna (que acabou de se dividir), além de grupos menores. A votação não será feita em urnas, como em 2021, em função da pandemia. Vai ocorrer em Plenárias de debates presenciais de filiados. A etapa municipal ocorrerá nas cidades entre 29 de julho a 03 de setembro. A estadual entre 09 e 10 de setembro e 16 e 17 de setembro. O Congresso Nacional em 29, 30 setembro e 1 de outubro. A relação de forças será medida em função da mobilização para as Plenárias, e há alguma margem de incerteza. Mas o mais provável é um crescimento do Bloco PTL garantindo uma maioria superior aos 56% de 2021. Ao mesmo tempo é previsível um crescimento da influência do MES dentro do Bloco da Oposição de Esquerda.

5. Qual deve ser o projeto do PSol? Ser um partido de esquerda amplo com impulso anticapitalista que agrega correntes de variadas definições estratégicas e ativistas combativos dos movimentos sociais que abraçam um programa de reformas estruturais. O Psol não é um partido marxista militante estruturado em núcleos unitários de intervenção para o combate na luta de classes. Mas o dilema não deve ser resumido a uma escolha ultimatista: ou um partido bolchevique “perfeito” ou a fragmentação da esquerda radical em duas dezenas de tendências impotentes, condenadas à marginalidade como círculos literários de propaganda. A existência do PSol é mais do que progressiva: é uma joia rara, valiosa e preciosa. A construção de um partido à esquerda do PT só é possível respeitando os limites dos acordos possíveis. O PSol se organiza como uma Frente de correntes que intervém em conjunto para os processos eleitorais, mas não é uma máquina de funcionários institucionalizada em gabinetes parlamentares. O PSol não pode ser uma Frente Revolucionária como a FIT argentina. Quem defende esta perspectiva está semeando, seja ou não consciente, a explosão do PSol. Não pode ter centralismo de inspiração leninista, senão explode. O PSol nunca foi tão forte como hoje, e pode ser decisivo na luta contra a extrema-direita, e um polo para a reorganização da esquerda, atraindo correntes e ativistas de variadas origens ainda dispersos. Boulos está no auge como liderança de maior audiência na esquerda, somente inferior a Lula, à frente das pesquisas para a eleição de 2024 em São Paulo. Há boas razões para continuar apostando na continuidade do crescimento do Psol.