A Nona Conferência Municipal de Saúde de Niterói aconteceu após um longo período sem debates, por conta da pandemia de COVID 19 e da condução de um governo federal autoritário, obscurantista e não afeito ao diálogo. As discussões ocorreram, no último fim de semana do mês de abril (28 a 30), no momento em que várias lutas eclodiam na cidade, como a luta dos trabalhadores da FESAÚDE contra os baixos salários e péssimas condições de trabalho ( principalmente cuidadores de saúde mental e médicos), a efervescente luta nacional dos trabalhadores da enfermagem para conquistar seu piso salarial, a luta dos servidores municipais de saúde por um plano de cargos e salários unificado, a luta dos concursados por sua admissão, enquanto eram realizados processos seletivos simplificados ao arrepio de um concurso ainda vigente, a luta dos trabalhadores da Maternidade Alzira Reis pela manutenção dos seu empregos, pela continuidade da atenção prestada e pelo não apagamento da sua história, a luta contra a precarização dos contratos (Niterói ainda tem cerca de 3000 trabalhadores de saúde admitidos em contratos temporários, sem direitos trabalhistas), a luta de servidores e pacientes da saúde mental por uma atenção de qualidade e garantia da disponibilidade de medicamentos, a luta contra a privatização das gestões do SUS e a luta dos estudantes, especialmente os de medicina, e dos moradores, pela reabertura à população de Niterói da emergência do Hospital Antônio Pedro.
Vale destacar que a Emergência do HUAP, hoje referenciada e sem acesso direto aos munícipes provocou uma imensa lacuna na atenção do SUS de Niterói e dos outros municípios da Região Metropolitana II, além de significar a perda do principal campo de estágio e pesquisa para estudantes da Universidade Federal Fluminense.
Os trabalhadores de saúde tiveram atuação destacada na condução das lutas na cidade, consolidando a Associação dos Servidores Municipais de Saúde de Niterói como a principal liderança do movimento no município. Esta entidade foi a única que logrou realizar pré-conferências com diversos segmentos de servidores e elaborar um texto com diagnóstico e propostas, amplamente distribuído durante todo o período de realização dos debates. A Associação contou com atuação solidária e unificada de outras importantes lideranças do município como o SINTUFF (SINDICATO DOS TRABALHADORES DA UFF) e o SINDSPREV.
A entrada em cena dos estudantes, especialmente os estudantes de medicina da UFF, injetou sangue novo e também novo ânimo às lutas e às discussões.
Logo na mesa de abertura os trabalhadores tiveram que realizar um protesto, com faixas, cartazes e um “apitaço” para que a Associação dos Servidores pudesse fazer parte da mesa, inviabilizando a realização da primeira discussão programada. Na segunda mesa, com a solidariedade do SINDSPREV, que cedeu parte do seu tempo de fala, a entidade pôde se colocar e denunciar a situação dos funcionários de Niterói, que é de precarização, salários achatados e péssimas condições de trabalho. A ASPMSN conseguiu, também, derrubar manobra do governo que previa que os delegados para a Conferência Estadual de Saúde seriam eleitos pelo atual Conselho Municipal de Saúde e não em plenária dos trabalhadores da Conferência. A entidade reconquistou, ainda, o seu assento no Conselho Municipal de Saúde, do qual havia sido eliminada por manobras questionáveis.
No domingo, à noite, em votação das propostas do Relatório Final, os trabalhadores demonstraram sua disposição de luta contando com o maior número de delegados presentes (98) contra 92 delegados gestores e 77 representantes de usuários.
O saldo da Conferência foi positivo com aprovação de várias propostas do interesse de trabalhadores e usuários, tais como:
Implantação do Plano de Cargos, carreiras e salários unificado para todos os servidores de saúde do município, independente do tipo de contrato;
Convocação dos aprovados no último concurso público;
Preservação da memória da Maternidade Alzira Reis e retorno garantido dos seus servidores após o término das obras do prédio de Charitas;
Realização de Concurso Público unificado para novos servidores da área de saúde;
Pagamento do piso nacional da enfermagem;
Pagamento do piso salarial dos ACS (agentes comunitários de saúde) e ACZ (agentes de controle de zoonozes);
Ampliação da cobertura da Estratégia de Saúde da Família para 100% da população de Niterói;
Transformação da emergência de Hospital Universitário Antônio Pedro de referenciada para emergência aberta, accessível a toda a população de Niterói e municípios vizinhos;
Divulgação ampla do calendário de reuniões do Conselho Municipal de Saúde, com transmissão das discussões em tempo real nas mídias sociais e divulgação das deliberações garantida;
Ampliação das equipes do NASF ( Núcleos de apoio à Saúde da Família) com presença de professores de educação física e nutricionistas;
Garantia de respostas da regulação em relação a consultas especializadas e exames, nos tempos clínicos necessários, estipulados de acordo com a gravidade dos pacientes;
Interromper imediatamente a escalada de privatização da saúde via Organizações Socias (O.S)
Ficou claro, pelo que se observou na Nona Conferência, que a disposição e o ânimo dos trabalhadores e usuários na defesa do SUS não arrefeceu, apesar das condições adversas de trabalho e de participação.
O reconhecimento da importância vital do Sistema Público de Saúde, e da qualidade da atenção prestada, mesmo em condições precárias de trabalho, que já tinha sido observada durante a pandemia, foi demonstrada através de proposições como a reabertura da Emergência do HUAP e da reivindicação de extensão da cobertura da Estratégia de Saúde da Família para toda a população de Niterói, incluindo a chamada classe média. É evidente que o atual quadro de desemprego, precarização do trabalho e impossibilidade de manter um plano de saúde privado também contribuem para essa procura.
Apesar dessa vitória é necessário que trabalhadores e usuários permaneçam atentos e mobilizados já que a prática dos governos municipais tem sido de apagamento das Conferências através de vários mecanismos como a não divulgação dos relatórios finais, fazendo com que a maioria dos munícipes não tome sequer conhecimento do que foi aprovado; o desrespeito e a não implementação das decisões das plenárias e, até, a realização de medidas contrárias ao que é votado, justificando essas atitude pelas aprovações no Conselho Municipal de Saúde que é, sabidamente, cooptado.
Com a aproximação da eleição municipal em 2024, teremos oportunidade de observar a atuação de governantes e de vereadores e de identificar nossos verdadeiros aliados e representantes.
Que essa vitória possa ser fonte de ânimo e impulso à luta e organização dos trabalhadores;
EM DEFESA DOS SUS!!!!
CONTRA A PRECARIZAÇÃO DOS CONTRATOS DOS TRABALHADORES DE SAÚDE!!!
PELO FIM DA PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS!!!
PELO RESPEITO ÀS DECISÕES DAS CONFERÊNCIAS!!!
PELO RESPEITO E RECONHECIMENTO DOS SERVIDORES DE SAÚDE!!!
* Genilce Lótfi é médica de família, militante da Resistência Feminista e do setor de saúde em Niterói
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