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TEORIA

Três notas sobre a atualidade do pensamento de Lênin

Aos 153 anos do nascimento de Lênin, qual a atualidade do seu pensamento para a luta socialista?

Vinicius Machado, da Coordenação Regional da Resistência-PSOL (ES)
“A análise concreta da situação concreta é a alma viva, a essência do marxismo.” Lênin

Há 153 anos, em 22 de abril de 1870, nascia Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo de Lênin. Fundador do bolchevismo, principal liderança da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, o acontecimento que abalou as estruturas da sociedade capitalista, Lênin foi, sem sombra de dúvida, a maior figura histórica do século XX.

No 153º aniversário do seu nascimento não é meu objetivo apresentar uma síntese biográfica de Lênin. Há vasta literatura sobre a sua vida e obra que é de fácil acesso aos que se interessam. Este artigo se propõe revisitar algumas questões à luz do momento atual. Para tanto, apresentamos três notas do pensamento leninista cuja exposição nos permite aquilatar o significado histórico da obra do líder bolchevique.

A necessidade de conhecer a realidade nacional

Em seu primeiro trabalho de grande envergadura, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, Lênin está preocupado em investigar aquilo que era peculiar à manifestação do capitalismo em seu país. Estamos no coração do modo de raciocinar de um pensamento dialético, inteiramente voltado para o emprego das categorias, de abstrações determinadas, com o objetivo de captar o concreto em sua multiplicidade unitária, ou seja, de captar o caráter específico de um processo histórico determinado.

Na concepção de Lênin, a sociedade se desenvolve em formações econômico-sociais distintas, das quais podem ser determinadas as leis específicas que as governam. No revolucionário russo, há a recusa de uma leitura do marxismo com uma filosofia da história especulativa, ainda que revestida com categorias marxistas. Temos, ao contrário, o apelo ao marxismo como método, preocupado em captar as contradições do desenvolvimento do capitalismo em cada realidade concreta.

Essa perspectiva não significa menosprezar o fato de que o comunismo só será alcançado em esfera planetária, mas constatar que as condições nacionais de atuação vão ensejar respostas, caminhos, estratégias e táticas diferentes. A própria cultura nacional prévia de cada país serve de base, de fundamento para o processo de apropriação do marxismo.

A melhor forma, portanto, de expressar o internacionalismo proletário na prática é derrotando o imperialismo e a burguesia em cada país.

A partir do que nos ensina Lênin e pensando no caso brasileiro, é fundamental que as organizações marxistas coloquem para si como tarefa central o estudo da economia política e a produção teórica a serviço do conhecimento da realidade nacional. Pensar a nossa formação econômico-social, é pensar em caminhos para a revolução brasileira.

O papel consciente da vanguarda e da classe na luta pelo poder político

Florestan Fernandes afirmou certa vez que “é no terreno da prática que se acha o eixo da transmutação leninista do marxismo”, e muito embora essa prática não estivesse desligada na teoria, o dirigente bolchevique “se impôs como tarefa de sua vida a adequação instrumental, institucional e política do marxismo à concretização da revolução proletária. O marxismo, depois de Lênin, não é mais a mesma coisa, porque ele incorporou um “modelo” de como passar da ditadura burguesa à ditadura do proletariado”.

Em Lênin, portanto, todos os problemas teóricos, filosóficos, organizativos e políticos eram pensados na perspectiva de tomada do poder político pela classe trabalhadora, condição previa de realização das transformações revolucionárias em direção ao socialismo. Não por acaso, as descobertas históricas e econômicas contidas em O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia vão ter a sua face política, as mediações táticas e organizativas no clássico O Que Fazer?

Muito atento às estruturas de poder e aos efeitos políticos da dominação burguesa, em O Que Fazer? Lênin vai afirmar que a classe trabalhadora não chegaria à consciência socialista a partir das lutas imediatas, “economicistas e tradeunistas”, isto é, sindicalistas. Ele destacou a autonomia relativa da esfera política frente as outras esferas da sociedade, ou seja, a importância do papel consciente e ativo da vanguarda e da classe no sentido de criar as condições para a tomada do poder. Para ele, a intervenção política serviria para aguçar as contradições próprias da sociedade capitalista, criar as condições para uma situação revolucionária e despertar uma consciência socialista.

Essa perspectiva punha em primeiro plano a questão da organização do partido revolucionário e de sua orientação política. E, de outro lado, exigia uma nova forma de pensar e uma nova prática política nas relações do partido com as maiorias. Nesse sentido, Lênin delineia da seguinte forma alguns princípios básicos da organização política revolucionária: a) centralismo democrático como método de construção do partido; b) concepção de vanguarda; c) capacidade de fazer a atuação legal e ilegal; d) trabalho com quadros profissionalizados; e) centralidade da teoria revolucionária na luta política e ideológica; f) planejamento das atividades e intervenções, entendendo que a política é profissionalização e não algo amador; g) grande importância na agitação e propaganda como elemento da educação política, disputa da consciência e direção da classe trabalhadora.

O papel fundamental do partido era impulsionar entre os explorados e oprimidos a disposição para luta pelo poder, transformando aquilo que era potencial em poder real.

Assim, sem ignorar que qualquer transformação política possui uma base econômica e social concreta, Lênin, muito mais que outros pensadores marxistas, destacou o fator subjetivo em um processo revolucionário; por fator subjetivo compreende-se, na tradição marxista, o papel do partido na independência de classe, ou o seu lugar como organizador coletivo que se articula na defesa de um programa que expressa a necessidade do socialismo.

A centralidade da luta anticolonial, anti-imperialista e antirracista nos países de capitalismo dependente

Muitos pensadores e intelectuais ao longo do século XX destacaram a virada fundamental do marxismo após a vitória da Revolução Russa, em 1917, e a fundação da Internacional Comunista, em 1919: a ruptura com uma visão eurocêntrica do processo revolucionário mundial. O movimento comunista, comandado por seu principal dirigente, Lênin, vai defender a centralidade da luta política democrática, popular, nacional, anti-imperialista, anticolonial e antirracista da revolução proletária nos países periféricos, dependentes e subdesenvolvidos, chamados à época do líder bolchevique de países coloniais e semicoloniais.

Foi só com a Revolução Russa, a União Soviética e a Internacional Comunista que o marxismo se tornou realmente mundial, com a constituição de várias organizações comunistas na América Latina, Ásia e África. Entretanto, quando analisamos com atenção os escritos de Lênin, observamos que antes mesmo da vitória da revolução o líder bolchevique já abordava a questão colonial e a luta pela autodeterminação das nacionalidades oprimidas em suas produções teóricas. Durante a Primeira Guerra Mundial, em particular, Lênin escreveu uma série textos sobre o tema. Em um dos seus principais clássicos Imperialismo, estágio superior do capitalismo, de 1916, desenvolvendo uma compreensão lúcida do crescimento do capital financeiro e de empresas monopolistas, assim como os conflitos intercapitalistas e interimperialistas, Lênin explorou as limitações da social-democracia no Ocidente, com a aristocracia operária fornecendo uma barreira ao avanço do socialismo; e o potencial da revolução no Oriente, onde o “elo mais débil” na corrente imperialista poderia ser encontrado.

Para Lênin, na era do capitalismo monopolista, o mundo estava dividido em duas partes: um punhado de potências imperialistas, de um lado, e do outro os países coloniais e dependentes habitados pelos povos oprimidos que constituem a maioria da população mundial. Sob as circunstâncias da guerra, ele vinculou a questão nacional à questão colonial, estendendo-a de uma questão local, confinada às nações de países “civilizados” na Europa, a uma questão geral de libertação de todas as nações oprimidas. Além disso, considerou a questão colonial como parte da revolução proletária e da ditadura do proletariado. Ao mesmo tempo, defendia a genuína solidariedade das nações com base no princípio do internacionalismo proletário. O núcleo posterior do anticolonialismo e do anti-imperialismo, desenvolvido na Internacional Comunista, situa-se aí.

Em 1920, no 2º Congresso da Internacional Comunista, O esboço inicial das teses sobre as questões nacional e colonial, redigidas por Lênin, declarara que “[…] em toda a propaganda e agitação dos partidos comunistas – tanto na tribuna parlamentar como fora dela-, devem ser incansavelmente desmascaradas as constantes violências da igualdade das nações e das garantias dos direitos das minorias nacionais em todos os Estados capitalistas, a despeito das suas constituições “democráticas”.” Sendo assim, todos os partidos comunistas deveriam se envolver e participar diretamente da luta dos “movimentos revolucionários nas nações dependentes ou que não gozam da igualdade de direitos (por exemplo, na Irlanda, entre os negros da América, etc.) e nas colônias”. Segundo as teses, “Sem esta última condição, particularmente importante, a luta contra a opressão das nações dependentes e das colônias, do mesmo modo que o reconhecimento do seu direito à separação estatal, são apenas um rótulo enganador, como vemos nos partidos da II Internacional”. Além disso, o 2º Congresso também especificou que o apoio ativo para a libertação colonial era uma condição prévia para a adesão à Internacional Comunista.

Não por acaso grandes lutadores e lideranças políticas dos países periféricos e dependentes que comandaram revoluções, como Mao Tse-Tung, Ho Chi-Minh, Fidel Castro, Lumumba, Samora Machel, Agostinho Neto e Amilcar Cabral, se declararam marxistas-leninistas. Foi esse marxismo anti-imperialista e anticolonial que liderou as lutas pela libertação nacional ao redor do mundo.

Em combinação com a centralidade da luta anti-imperialista e anticolonial pela libertação nacional está a luta antirracista. O 4º Congresso da Internacional Comunista vai dedicar especial atenção a aplicação das teses sobre a questão colonial em relação à situação da população negra, tendo em vista que “A questão negra tornou-se parte integrante da revolução mundial”.

A Tese sobre a Questão Negra, documento histórico escrito coletivamente e sob influência direta de Lênin, afirmava que “a guerra, a revolução e a rebelião anti-imperialista” havia despertado “a consciência de milhões de negros que durante séculos foram oprimidos e humilhados pelo capitalismo na África e na América”.

Dividida em seis partes, essa Tese destaca a relação entre escravidão, acumulação primitiva do capital e racismo e o papel fundamental dos negros dos EUA “na luta de libertação de toda a raça africana”, tendo em vista seu longo e intenso combate contra a exploração e a opressão racista, primeiro contra a escravidão, depois na sociedade burguesa. Em países de origem colonial, portanto, era impossível pensar a luta de classes sem a questão racial. O documento também vai afirmar que o racismo é a arma ideológica do capitalismo e do imperialismo para dividir a classe trabalhadora, potencializar a exploração e legitimar a violência estatal, e que era papel fundamental da Internacional Comunista combater o racismo e fomentar a unidade entre as lutas dos povos negros, de outros povos oprimidos não brancos e dos trabalhadores em geral, pois todos lutam “por libertação e igualdade política, econômica e social”.

A Internacional Comunista apresentava, também, uma plataforma positiva para a luta: “a) O Quarto Congresso considera essencial apoiar todas as formas de movimento negro que minam ou enfraquecem o capitalismo ou colocam barreiras no caminho de sua expansão; b) A Internacional Comunista lutará pela igualdade das raças branca e negra, e por salários iguais e direitos políticos e sociais iguais; a) A Internacional Comunista utilizará todos os meios à sua disposição para obrigar os sindicatos a aceitar os direitos dos trabalhadores negros ou, onde esse direito já existe na forma, a fazer esforços especiais para recrutar negros nos sindicatos. Se isso se revelar impossível, a Internacional Comunista organizará os negros em seus próprios sindicatos e fará uso especial da tática da frente única para forçar os sindicatos gerais a admiti-los; d) A Internacional Comunista tomará medidas imediatas para convocar uma conferência geral ou congresso de negros em Moscou”.

A Tese sobre a Questão Negra, escrita há mais de 100 anos, é a comprovação do esforço do movimento comunista em apoiar e organizar a luta da população negra que se rebelava em todo mundo contra a exploração e a opressão. Tal esforço contou com a dedicação de muitos militantes negros que compreenderam que o racismo é sustentado e se renova pela escravidão assalariada imposta pelo capitalismo às amplas massas de todo o mundo.

Há mais de um século, Lênin e a Internacional Comunista ensinaram aos marxistas a cerrarem fileiras nas lutas anti-imperialistas, anticoloniais e antirracistas, serem vanguarda nestas lutas, e construírem a unidade necessária no combate ao capital.

Ao longo deste breve artigo, procurei revisitar três aspectos do pensamento leninista que contribuem na compreensão de seu legado para as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo: 1) A necessidade de um conhecimento profundo da realidade nacional por parte dos marxistas, onde as organizações políticas devem colocar para si como tarefa central o estudo da economia política e sua produção teórica a serviço do conhecimento da realidade brasileira e latino-americana; 2) O papel consciente da vanguarda e da classe trabalhadora na luta pelo poder político, destacando o papel do partido, da educação política e do fator subjetivo na revolução; 3) A centralidade da luta anticolonial, anti-imperialista e antirracista nos países periféricos, dependentes e subdesenvolvidos, marcando uma ruptura do movimento comunista com a visão eurocêntrica do processo revolucionário mundial.

Obviamente, a contribuição de Lênin vai além dos pontos que foram elencados, e não foi nossa pretensão esgotar, em um artigo curto, toda a riqueza de seu legado político. Entretanto, acreditamos que, ao passar em revista as três notas expostas, o leitor poderá melhor constatar a atualidade do pensamento leninista no 153º aniversário do seu nascimento, além de perceber com clareza por que a abordagem pioneira de Marx e Engels passou a ser reconhecida, ao longo do século XX, pela alcunha de marxismo-leninismo.

Referências:

Disponível em O que é o marxismo-leninismo?

Disponível em O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo

O esboço inicial das teses sobre as questões nacional e colonial. Lênin. Disponível em Teses para o II Congresso da Internacional Comunista

Disponível em Tese Sobre a Questão Negra