Greve geral e extrema-direita: um olho na França e outro no Brasil

Gibran Jordão, da Coord. Nacional da Travessia Coletivo Sindical e Popular

Além da guerra no Leste Europeu, que perigosamente vem se inflamando com a entrada da Finlândia na OTAN, o acontecimento que também vem chamando atenção nos noticiários é a explosão de um grande movimento de resistência contra a ofensiva de Macron sobre as aposentadorias da classe trabalhadora francesa. Desafiando greves generalizadas em todo país, o governo francês passou por cima do parlamento e decretou uma reforma da previdência que avança no processo de destruição do estado de bem-estar social na Europa. O movimento segue resistindo com ondas de mobilizações de rua massivas, com greves em várias categorias, mas não é possível afirmar qual a consequência política que vai primar como resultado da queda de braço entre o movimento de massas e o governo francês. É uma luta econômica, política e ideológica em seu grau máximo de temperatura em curso nesse momento, no coração do continente europeu, que se expressa nas greves radicalizadas para defender direitos conquistados no século passado. No século XXI, a burguesia encontra força e autoridade para exigir os “anéis” de volta… O futuro do processo de lutas na França e em certa medida na Europa, pode influenciar tendências no mundo, em especial na América Latina e no Brasil.

O movimento grevista na França não é um caso isolado na luta de classes no ocidente, no último período vem surgindo mobilizações com paralisações em vários países europeus, arrastando multidões e atingindo várias categorias envolvendo serviços públicos e empresas privadas. Há bons exemplos, como as greves dos trabalhadores do sistema de saúde na Inglaterra, dos transportes na Alemanha, paralisações na Itália, professores em Portugal e agora as greves gerais na França. A guerra na Ucrânia encareceu o preço da energia no velho continente aumentando a tensão inflacionária e dificultando a recuperação econômica pós-pandemia. A reestruturação produtiva permanente está substituindo mulheres e homens nos seus postos de trabalho por alternativas digitais tecnológicas numa velocidade sem controle e, na tentativa de ganhar folego para abrir mais um ciclo de acumulação, os poderosos da “Zona do Euro” sabem que precisam avançar contra os direitos sociais do povo europeu.

Vamos saudar o poderoso movimento de resistência da classe trabalhadora europeia que pode inspirar lutas em outros continentes, trata-se de uma necessidade histórica. Mas não podemos esquecer de observar o vértice da luta de classes e destacar que são mobilizações defensivas. Em nossos cálculos políticos, esse elemento é parte constitutivo de um momento histórico no qual avança a expropriação de direitos públicos e não da riqueza injustamente privatizada. Analisando o recente movimento dos trabalhadores na Europa, podemos ter melhores condições de perceber para onde aponta a bússola da história, assim vamos poder calibrar com precisão o folego, os objetivos e as defesas diante dos perigos que a luta de classes reserva para o próximo período, especialmente no Brasil.

Em relação aos perigos, fica o alerta sobre a capacidade das forças de extrema direita conseguirem disputar ideologicamente os processos de mobilização social, greves e lutas sindicais de massas em tempos de crise econômica e de hegemonia do imperialismo ocidental. Isso significa que o trabalho de base( presencial e virtual) e a luta política/ideológica estão ainda mais inevitáveis em qualquer luta contra a inflação ou na defesa de direitos. Num momento em que organizações e figuras políticas que flertam com o neofascismo ganham audiência, a luta sindical de massas que não for disputada politicamente e ideologicamente poderá ter o seu imaginário social capturado por forças ultrarreacionárias e conservadoras. O exemplo francês nos mostra que na medida que aumenta o desgaste de Macron, aumenta a disputa entre Melenchon e Le Pen pela consciência coletiva que se coloca em revolta contra o governo francês, e incrivelmente a extrema direita vem demonstrando muita capacidade de influenciar ideologicamente as conclusões políticas da luta de massas que incendeia o país nesse momento. Não estamos falando de algo desconhecido para os ativistas brasileiros, nos anos de 2012 a 2015 tivemos uma forte elevação do número de greves e manifestações no Brasil, cujo os desdobramentos dessa vaga de lutas foram desfavoráveis politicamente para a classe trabalhadora brasileira, além de um nítido retrocesso ideológico na opinião pública geral que culminou com a queda de Dilma, a subida de Temer e a eleição de Bolsonaro em 2018, acompanhado por um forte refluxo do número de greves que só em 2022 começou a sinalizar uma pequena retomada. As recentes publicações do sistema de acompanhamento de greves do DIEESE confirma esses números que expressam o ascenso e o refluxo que tivemos na última década…

A derrota de Bolsonaro encerrou um ciclo de derrotas subsequentes… Estamos ainda no início de um novo governo Lula, ainda existe uma espécie de “lua de mel” com a maioria do povo brasileiro, prevalece a paciência na população para aguardar resultados que traga melhorias na vida econômica das pessoas. Mas sabemos que essas relações têm limites, como também estamos observando elementos preocupantes que podem prolongar o mal estar social e mudar o humor das grandes massas trabalhadoras organizadas, sindicalizadas, como também precarizadas e desorganizadas. A economia brasileira opera sob uma taxa de juros de 13,75% imposta por um Banco Central dirigido pelo mercado financeiro e a política econômica do ministério da fazenda já sinaliza com um novo marco fiscal que na teoria é mais flexível que o atual teto de gastos, mas na prática, pode cumprir um papel mais rígido, pelo fato da política fiscal atual estar desmoralizada diante dos seus objetivos centrais.

Diante dessas circunstancias, se durante o governo Lula a classe trabalhadora brasileira não conseguir avançar em conquistas econômicas concretas, o caminho para derrotar a extrema direita será muito difícil. Assim como toda luta social ou greve não pode se confundir com os objetivos da oposição de extrema direita, as forças de esquerda que estão hoje no poder central do país precisam entender que sem aumentar a margem de concessões para as reivindicações do povo, a popularidade e/ou instabilidade do próprio governo poderá sofrer baixas com o aumento e/ou prolongamento do mal estar social. Abrindo oportunidades para o fortalecimento da oposição de extrema direita e novos movimentos golpistas… Petroleiros, servidores públicos, entregadores de aplicativos, peãozada da construção civil, motoristas de ônibus, professoras, enfermeiras e todo o conjunto do povo trabalhador brasileiro tem expectativas sobre melhores salários e o custo de vida.

Os desafios colocados para o próximo período exigem mais do que a construção das campanhas salariais e as preocupações com as pautas de categorias específicas. Essas são tarefas que precisam ser feitas com o máximo de dedicação e combatividade, mas insistimos que todo ativista ou dirigente sindical precisa se jogar na disputa política da sociedade. O passo imediato mais geral do movimento sindical consiste em ajudar a construir a unidade com o conjunto do movimento social brasileiro, para a construção de comitês populares de base que possam organizar nos locais de trabalho, nas escolas, universidades e nos territórios onde está o povo pobre, negro e trabalhador brasileiro a mobilização social, a luta política e ideológica em torno de reivindicações comuns que desafie as forças reacionárias e conservadoras do capital e que coloque os direitos sociais e democráticos no centro da agenda política do país. A unidade entre as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo em torno de uma agenda de lutas nacional, com iniciativas nos estados, implantação popular e nas categorias de trabalhadores é o caminho para criarmos as condições para impulsionar uma contra ofensiva que acumule forças para inverter a situação desfavorável que se encontra a luta de classes nesse momento.

Por esses motivos é preciso apoiar a reunião convocada para os dias 02 e 03 de maio na Escola Nacional Florestan Fernandes, sob a coordenação do MST, para que a rearticulação dos comitês populares seja a expressão de uma unidade entre o movimento social e as forças progressistas que desejam fortalecer a relação com o povo brasileiro na luta contra o golpismo da extrema direita, por mais e melhores salários, terra, moradia, emprego, saúde, educação e serviços públicos em geral. Rumo a uma nova sociedade mais justa e igualitária!