Pular para o conteúdo
EDITORIAL

59 anos do golpe militar: o que fazer para que não se repita?

Editorial Esquerda Online
Arquivo Nacional

Há 59 anos triunfava no Brasil um golpe militar que daria origem a uma ditadura sangrenta, cínica e lesa-pátria. O golpe orquestrado por militares com a ajuda e o apoio de empresários, da grande imprensa e da Embaixada norte-ameriana no Brasil foi apenas o ápice de uma série de tentativas de destruir a frágil democracia brasileira e impor um regime autoritário e anti-povo. Desde pelo menos 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, que as forças mais reacionárias do país tentavam um golpe contra o regime democrático. Em 1964 finalmente venceram.

O país adentrou em uma noite de terror, corrupção e ampliação de desigualdades que durou 20 anos. Alinhada aos interesses norte-americanos da época, a ditadura perseguiu opositores, jornalistas, operários, professores, indígenas, movimentos sociais, sindicatos, estudantes. O regime militar demitiu, exilou, prendeu, torturou e matou milhares de pessoas ao longo desses 20 anos. A economia do país cresceu às custas de um gigantesco endividamento e do arrocho salarial aplicado contra os trabalhadores. A inflação e a carestia consumiram a renda das famílias, anulando de fato qualquer ganho oriundo do mal chamado “milagre econômico”.

O povo resistiu como pôde. Alguns exerceram uma resistência molecular e semi-clandestina no seio dos movimentos sociais. Outros se exilaram para não serem mortos ou perseguidos. Outros ainda foram para a luta armada, numa tentativa desesperada de derrubar em base à força um regime brutal e assassino.

Ao final e ao cabo, a ditadura foi vencida pela força avassaladora da classe trabalhadora, que desde a metade dos anos 1970 começou a se reorganizar e a lutar, primeiro contra os efeitos concretos da gestão militar na economia; depois, contra a própria ditadura. A ditadura não foi derrubada em um levante revolucionário, apesar das grandes lutas pela anistia e por eleições diretas. Um resto de força permitiu ao regime militar transmitir pacificamente o poder a um presidente civil em eleições indiretas em 1985. Antes de deixar o poder, os militares concederam a si mesmos uma anistia que beneficiou conspiradores, assassinos e torturadores, preservando a estrutura e a ideologia profundamente reacionárias das Forças Armadas. E é por isso que o fantasma do golpe militar e da ditadura até hoje ronda o país.

No ano em que completamos 59 anos do início da ditadura militar, uma nova tentativa golpista teve lugar no país. Embora tenha sido derrotada, a intentona bolsonarista de 08 de janeiro demonstrou a audácia desses criminosos. Nos últimos anos, o fascismo voltou a levantar a cabeça no Brasil com o surgimento do bolsonarismo enquanto uma força política com influência de massas. Ele está no parlamento, mas também nos quartéis, em secretarias e ministérios, em universidades, escolas, governos estaduais e prefeituras, nas ruas e nas redes sociais. Ele não esconde seu nome, suas raízes e suas intenções. Ressurgem as suásticas, as ameaças, a simbologia, empunham-se armas. Esse é um dos maiores desafios de nosso tempo: fazer o fascismo voltar ao esgoto da história, de onde nunca deveria ter saído.

Desde o seu início, o governo Lula foi e continuará sendo um governo sob ataque da extrema-direita. Até agora, a direção petista tem apostado em uma estratégia de pacificação por negociação, concessão e acomodação com setores da elite e do “centrão”, um governo “a frio”.

No entanto, à luz da história, essa não parece ser a melhor alternativa. O melhor meio de se vencer definitivamente o fascismo e a ameaça golpista é apostar na luta e na organização de massas pela esquerda, realizando um governo “a quente”.

Em primeiro lugar, é preciso entregar ao povo aquilo que foi prometido durante a campanha eleitoral: colocar o pobre no orçamento, valorizar o salário mínimo, realizar pesados investimentos em saúde, educação e moradia popular, garantir direitos aos trabalhadores precarizados, reduzir o preço dos alimentos, do gás e dos combustíveis, entre outras medidas. Isso quer dizer retomar os programas sociais, fazer a economia crescer, parar as privatizações, taxar os bilionários e gerar desenvolvimento preservando o meio ambiente.

Entregando uma melhora de vida real aos mais pobres, trabalhadores e oprimidos, que são a imensa maioria da população, teremos uma base social fortalecida para enfrentar e derrotar a extrema-direita e o golpismo. Nesse sentido, é preciso revogar as reformas trabalhista, previdenciária e do Ensino Médio, avançar na reestatização de empresas como a Petrobrás e Eletrobrás e no controle sobre o sistema financeiro, com o fim da autonomia do Banco Central.

É preciso avançar na soberania alimentar, com foco na Reforma Agroecológica e na priorização do mercado interno, dando crédito e incentivos ao pequeno agricultor. Ao mesmo tempo, estancar o avanço da fronteira agrícola, investindo em uma agricultura moderna e intensiva, conectada com as necessidades de combate à emergência climática. Atingir o desmatamento zero é fundamental.

Mais do que nunca, é preciso concentrar esforços em áreas chaves da vida nacional, como educação, saúde, moradia, transporte, saneamento, emprego, meio ambiente, cultura e ciência.

O Brasil precisa ser um país conectado com o futuro. É necessário combater, por isso, o que há de mais brutal e atrasado: o trabalho análogo à escravidão, o racismo, o machismo, o massacre dos povos indígenas, a LGBTfobia.

No âmbito da política externa, o país precisa aplicar uma linha de independência e soberania, sem alinhamento automático com qualquer um dos grandes blocos internacionais, priorizando a colaboração entre os países do Sul Global, verdadeiras vítimas da nova guerra fria pela hegemonia mundial.

Lula precisa fazer um governo que não apenas seja a favor do povo, mas que mostre e prove isso todo o tempo.

No âmbito da comunicação, é preciso regulamentar a internet, combatendo as fakenews e o discurso de ódio. Ao mesmo tempo, é hora de acabar com o monopólio privado das telecomunicações e criar uma forte TV estatal que leve informação, cultura e entretenimento de qualidade para todos os cantos do país.

Por fim é preciso criar mecanismos efetivos de participação popular nas definições de políticas públicas. Lula prometeu criar o orçamento participativo em nível nacional. É hora de começar a tirar essa proposta do papel. Além disso, criar e fortalecer mecanismos de consulta e plebiscitos para que o povo possa decidir sobre temas de importância nacional.

Mas nada disso será suficiente se não se proceder à desbolsonarização do Estado. É preciso punir e afastar militares golpistas, aposentar os saudosistas da ditadura e promover uma profunda reforma de todas as forças armadas do país, acabando com o corporativismo e conectando-as com o povo e suas necessidades.

Nenhum Estado vive sem uma política de memória. É preciso retomar a Comissão da Verdade e a Comissão de Anistia para promover uma reeducação do povo em relação ao que foi o golpe militar.

Basta de “nomes técnicos” para os ministérios, secretarias, STF e PGR. Isso não passa de um eufemismo para se referir a representantes do mercado e mesmo da direita. São necessários nomes progressistas, pessoas comprometidas com os valores da democracia, da justiça social e do combate ao racismo, machismo e LGBTfobia.

Em uma palavra, é preciso realizar um governo efetivamente de esquerda, que atue decididamente a favor do povo trabalhador e oprimido e aposte nessa força social para derrotar o fascismo e enfrentar os privilégios da elite. E isso não será possível de mãos dadas com o centrão e a Faria Lima. Não será cedendo às chantagens de Arthur Lira e fazendo ajuste liberal com nova “âncora fiscal”, como quer o mercado financeiro, que vamos avançar.

O povo superou a campanha de ódio a Lula e ao PT e decidiu dar uma nova chance à esquerda. É preciso humildade para reconhecer isso. Se o povo se decepcionar, o bolsonarismo pode retomar a ofensiva golpista mais adiante, aproveitando de eventual frustração popular com o governo Lula para tentar um novo 31 de março de 1964.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça, é preciso fazer diferente. De nossa parte, aplicaremos todas as nossas modestas forças para avançar exatamente nesse sentido.