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BRASIL

O PAC vai voltar: um outro desenvolvimento é possível

Cauê Campos, de São Paulo (SP)
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lula e Rui Costa

Na reunião ministerial do governo Lula de 10 de março, Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil, anunciou o lançamento para abril do “novo PAC”, segundo ele, o novo Programa de Aceleração do Crescimento terá foco em retomar as obras paralisadas ao longo dos últimos anos, e também, construir novos projetos.

Nos PACs 1 e 2 (2007-2014) foram investidos quase 2 trilhões de reais com objetivo de “quebrar os gargalos” ao desenvolvimento econômico do país. Através das PPP (Parcerias Público-Privadas) e conceções construiu-se estradas, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas, polos industriais; algumas obras tiveram repercussão nacional e internacional, como a UHE de Belo Monte, COMPERJ e o Complexo de Suape. Também fizeram parte do PAC as obras do programa “Minha Casa, Minha Vida”, da Copa do Mundo da FIFA 2014 e as Olímpiadas e Paralimpíadas do Rio de Janeiro de 2016.

Desta forma, o PAC foi uma tentativa de promover a volta do Estado enquanto um indutor da economia: partindo da premissa de que a burguesia, principalmente a brasileira, não investirá em obras de infraestruturas para “quebrar gargalos” ao desenvolvimento do Brasil. Assim, através das PPPs, o Estado induziria a burguesia a investir na produção do país, facilitando as condições de produção. Contudo, não podemos afastar a percepção de que as PPPs são uma forma de privatização, afinal delega-se para entes privados a execução de obras e serviços públicos.

Podemos afirmar que a burguesia não investirá em obras de infraestrutura, visto que entendemos a fração dirigente da burguesia brasileira como uma burguesia interna, intermediaria entre a burguesia nacional – que busca ter um projeto forte e independente do imperialismo – e uma burguesia compradora – completamente atrelada e dependente da burguesia imperialista. Ou seja, ao passo que a burguesia brasileira tem interesses próprios e defende-os, busca localizar-se sem conflitos como uma “sócia prioritária” do capital estrangeiro.

Desta forma, o PAC é uma forma de resolver problemas concretos do desenvolvimento brasileiro, ainda que dentro dos limites do capitalismo em sua era neoliberal. Após seis anos de atraso ultraneoliberal provocados pelos governos Temer e Bolsonaro segue necessário “quebrar esses gargalos” ao desenvolvimento; portanto urge, de fato, um novo programa de aceleração de crescimento, contudo, passados 16 anos do lançamento do PAC 1 é preciso aprender com alguns erros cometidos nas primeiras versões.

Encontramos três erros centrais no escopo do PAC original: a) reforça o caráter primário-exportador da economia brasileira; b) provoca danos irreparáveis ao meio ambiente; c) não garantiu condições de trabalho adequadas aos operários dessas obras.

  1. Se analisamos as obras do PAC percebemos que a maioria delas – com exceção salutar do “Minha Casa, Minha Vida” – reafirmam a especialização da economia brasileira na exportação de produtos de baixo valor agregado (como soja, laranja, proteína animal, petróleo cru, minério de ferro, etc). Assim as estradas conectam as regiões fortes no agronegócio com os portos; as Usinas Hidrelétricas são voltadas para alimentar a extração de minerais, como o alumínio, e as regiões sul, sudeste e centro-oeste – pouco se preocupando com regiões menos abastecidas de luz, como norte1 e nordeste.

  2. Mesmo Lula assumiu o desastre ambiental provocado por diversas obras do PAC ao se comprometer com “Belo Monte nunca mais”, esta Usina foi símbolo da destruição ambiental e ataque a vida dos povos originários nos governos petistas (2003-2016). Mas há outros como o Complexo Portuário de Suape, que afetou sobremaneira o ecossistema marítimo da região de Pernambuco, e também o COMPERJ, que além do impactos na Mata Atlântica central fluminense, também colocaria o Brasil na produção e queima de quantidades inimagináveis de combustíveis fosseis, quando o mundo caminha para o outro lado do debate energético.

  3. Apesar de gerarem muitos empregos, obras do PAC foram marcadas pelos baixos salários percebidos pelos trabalhadores, pelas péssimas condições de moradia e trabalho, com excessivos acidentes do trabalho, com algumas mortes em obras, como do Maracanã e Belo Monte, ganhando repercussão nacional.

Apontando esses erros, não pretendemos negar a necessidade de um plano nacional de obras, pelo contrário, queremos mostrar que é possível crescermos e desenvolvermo-nos enquanto país de outra forma, humanamente e ecologicamente sustentável. Em sequência, trataremos de quatro propostas para um novo PAC verdadeiramente novo.

É preciso romper com o caráter primário-exportador da economia brasileira

A posição imposta pelo imperialismo ao Brasil é de exportação de produtos agrícolas, minerais e de baixo valor agregado em geral. Um novo PAC precisa ter como objetivo romper com isto, devemos implementar um crescimento voltado para produção de bens de capital, aqueles utilizados para produzir outros bens e serviços; produtos e serviços de tecnologia de 3ª e 4ª geração; automóveis, aeronaves, trens de cargas e passageiros; etc.

Com isso é possível diminuir a dependência de produtos agrícolas e minerais, com baixo valor agregado, ao passo que também combate o rentismo e a especulação financeira, que foram artífices centrais do golpe contra Dilma, por exemplo.

Este tipo de desenvolvimento não é possível sem investimento em educação em todos os níveis, mas também em ciência em tecnologia. Primeiro, para acabar com a “fuga de cérebros” do Brasil para os países centrais; mas também para produzir tecnologias nacionais, voltadas para a produção brasileira. Inclusive, deveria ser incluído no plano obras a construção de escolas, universidades, centro de pesquisas cientificas e de desenvolvimento tecnológico.

Transição verde

Aliado a isso é preciso promover uma transição verde, isto é, transformar a matriz energética e o modelo de produção para algo mais sustentável e menos danoso ao meio ambiente. Essa transição verde deve ser uma impulsionadora do PAC, ou seja, pode haver linhas de créditos exatamente para promover a transição, incentivando empresas e pessoas a substituir produtos mais danosos ao meio ambiente para aqueles mais sustentáveis.

Por exemplo, é preciso uma transição energética no país, abandonando os combustíveis fosseis e as usinas hidrelétricas, o Brasil tem grande potencial de energias mais “limpas”, como a energia eólica, solar e até mesmo das mares. Ao invés de construir uma dezena de usinas hidrelétricas como o PAC 1 e 2, o novo PAC pode construir diversas “usinas” eólicas e solares no país, principalmente na região nordeste, ainda carente de energia elétrica nos interiores dos estados.

O novo “Minha Casa, Minha Vida” pode produzir casas “verdes”, com placas de energia solar, que tenham áreas verdes comuns aos prédios e casas, utilizando materiais reutilizados, menos poluentes e com conforto térmico – evitando a necessidade de ar-condicionado ou aquecedores.

Além disso, após o processo de fechamento de diversas montadoras de automóveis no Brasil, a reindustrialização da economia brasileira pode ser feita através do incentivo à produção de carros elétricos em substituição aos carros a combustíveis fósseis; tendência mundial e que poderia colocar o país como um exportador desses automóveis para América Latina e África, por exemplo.

Condições de trabalho

As obras do PAC foram marcadas por baixos salários, jornadas extenuantes, muitos acidentes de trabalho, e muitas greves contra as péssimas condições de trabalho, moradia e salário. Não é possível que isso se repita. É preciso regulamentar condições dignas de trabalho para as empresas participarem das obras do novo PAC, com pisos salariais nacionais, controle estatal da demanda e execução de horas-extra nas obras, regulamentação e vistoria estatal constante das condições de moradia nos alojamentos; e acompanhamento dos acidentes de trabalho e punição das empresas com elevado número de acidentes.

As empresas que não obedeçam essas condições devem ter os contratos suspensos e serem impedidas de participarem de outras licitações de obras públicas, principalmente do PAC.

Empresa Pública de obras

O setor de grandes obras do Brasil é marcado pelo cartel de algumas megaempresas da construção civil, que todos conhecemos e que são as que conseguem realizar uma obra de usina, aeroporto, estradas e etc. Se essas empresas se recusarem a realizar essas obras nessas condições é necessário e possível que o Estado brasileiro faça uma empresa pública de obras; obedecendo as condições de trabalho e ambientais para executar um desenvolvimento humana e ecologicamente sustentável.

Inclusive, a execução dessas obras por um empresa pública pode barateá-las afinal não teria os lucros absurdos promovidos pelas megaconstrutoras. O novo PAC pode ser utilizado do começo ao fim para o desenvolvimento dessa empresa pública de obras, primeiro incentivando a produção do maquinário utilizado nas grandes obras (caminhões, retroescavadeiras, tratores, etc) e depois financiando as obras para execução por essa empresa pública sem precisar recorrer aos juros do mercado especulativo.

Uma empresa pública de obras deve utilizar de concursos públicos para contratação dos operários, promovendo melhores salários e estabilidade no emprego, rompendo com a elevada rotatividade no setor da construção civil. Além de facilitar, a fiscalização das condições de trabalho e moradia nos canteiros.

Por fim, não só é possível um “novo PAC”, como é necessário, para reverter o processo de desindustrialização e primarização da economia brasileira. Mas este PAC precisa ser de fato novo, pensando e construindo um país preparado para o futuro, com novas tecnologias, desenvolvimento educacional e científico, condições de trabalho dignas para todos trabalhadores, e calcado na transição verde, ambientalmente preocupado e conectado.

1 Ainda que boa parte das Usinas Hidrelétricas fiquem na região norte do país.

Marcado como:
governo lula / PAC / PPP