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BRASIL

Reoneração dos combustíveis: sem mudar a política de preços da Petrobrás, povo seguirá pagando a conta

Henrique Canary, de São Paulo
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Chegou ao fim ontem (27) a novela em torno da reoneração dos combustíveis. Segundo comunicado oficial da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, a gasolina e o álcool voltarão a ser onerados a partir de 1º de março, como previa originalmente a MP assinada por Lula em janeiro. A decisão foi tomada em reunião entre o presidente Lula, Fernando Haddad, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.

O formato específico da oneração, ou seja, o percentual preciso de cada alíquota, será ainda definido em comum acordo entre o Ministério da Fazenda e a Petrobras. De qualquer forma, Haddad já garantiu que a arrecadação será restabelecida em 100%, o que corresponde a cerca de R$ 28,88 bilhões somente neste ano. Após a reunião com Lula pela manhã, o secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, voou para o Rio de Janeiro para discutir os detalhes do plano com a diretoria da Petrobras.

Ainda segundo o comunicado do Ministério da Fazenda, a gasolina será mais onerada do que o álcool, obedecendo a lógica defendida pelo governo de privilegiar os biocombustíveis em detrimento dos combustíveis fósseis. Com a reoneração, é previsto que o litro da gasolina aumente em cerca de R$ 0,69 na porta da refinaria e o do etanol em R$ 0,24. O efeito final desse aumento na bomba para o consumidor depende exatamente das discussões sobre o formato da cobrança. De qualquer maneira, espera-se que haja alguma consequência inflacionária a partir da medida, dado que todo aumento de combustíveis resulta em aumento geral da inflação.

Para o diesel, a desoneração foi mantida até dezembro de 2023, como também previsto na MP editada pelo governo em janeiro.

Perguntado ainda sobre os efeitos da medida para o consumidor, Haddad afirmou que a Petrobras tem condições de absorver parte do impacto da reoneração, já que a empresa pratica hoje dentro do país um preço cerca de 8% mais caro do que o preço internacional.

Uma nova Medida Provisória com todos os detalhes deve ser publicada entre hoje (28) e quarta-feira (1º).

Como tudo começou

O caso todo vem gerando, desde o ano passado, um grande debate dentro do governo, na imprensa e na sociedade em geral. Como todos lembram, a desoneração dos combustíveis foi uma medida tomada por Bolsonaro para frear o aumento do preço dos combustíveis, que vinha provocando grande desgaste para o seu governo. Na época, foram zeradas as alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para a gasolina, o etanol, o diesel, o biodiesel, o gás natural e o gás de cozinha. A medida surtiu efeito, e os preços pararam de subir, aliviando a pressão inflacionária, mas gerando um furo fiscal considerável para o governo. Ainda antes de Lula assumir, abriu-se um debate sobre a manutenção ou não da isenção. Haddad e a equipe econômica, preocupados com os efeitos fiscais da isenção (perda de arrecadação), defendiam a reoneração desde o início, mas perderam o debate interno no governo. Prevaleceu a ala que estava preocupada com os efeitos políticos de um aumento dos combustíveis logo no início do governo. Lula então bateu o martelo e assinou a Medida Provisória 1.157, que estendia a isenção e previa a reoneração da gasolina e do etanol a partir de 1º de março e a dos demais combustíveis em 1º de janeiro de 2024.

Ainda assim, o debate seguiu. A ala política do governo, capitaneada por figuras como Gleisi Hoffmann, passaram a defender que a desoneração fosse mantida, como uma forma de evitar o desgaste político causado por um possível aumento da inflação. Mas dessa vez Haddad levou a melhor e Lula decidiu pela reoneração.

O problema é a política de preços da Petrobrás

O debate sobre a reoneração dos combustíveis é indissociável do debate sobre a política de preços da Petrobrás. O que vem acontecendo no país não é um abuso do governo no que diz respeito à cobrança de impostos. Impostos são importantes e devem ser cobrados, de preferência de maneira progressiva (quem ganha mais paga mais, quem ganha menos paga menos). Qualquer política de desoneração ou renúncia fiscal deve ser mínima, excepcional e temporária. Ora, o que vem acontecendo no país é um abuso por parte da Petrobrás e seus acionistas. A Petrobrás extrai petróleo em reais, refina uma parte importante em reais (os últimos governos acabaram com a autosuficiência em refino) e vende ao consumir com preços na prática dolarizados, atrelados ao mercado mundial. Depois pega o gigantesco lucro dessa operação e, em vez de reinvestir para crescer a empresa e voltar a refinar 100% da produção, torra tudo pagando dividendos bilionários para os acionistas. Sem saída, o governo é obrigado a recorrer à única arma que lhe resta, que é a desoneração.

O que precisa mudar, portanto, é a política de preços da empresa. A cara-de-pau da Petrobrás chegou a tal ponto que agora os preços nacionais já superam os preços internacionais, demonstrando que não há limites para a ganância dos acionistas.

Assim, o debate que se abriu desde o fim do ano passado não é de fácil resolução, mas há um parâmetro geral: seja qual for a medida (emergencial ou de longo prazo), ela não pode recair sobre as costas do povo trabalhador, que precisa pagar uma cesta básica cujo preço é totalmente influenciado pelo preço dos combustíveis.

Bolsonaro tomou uma medida populista, é verdade. Mas a solução não pode ser despejar a conta agora em cima dos trabalhadores. Antes de definir pela reoneração, o governo deveria usar seu peso na Petrobras para mudar a política da empresa, nacionalizando os preços às custas da redução dos dividendos pagos aos acionistas e especuladores internacionais. Haddad está ansioso por reduzir o deficit fiscal para um valor inferior a R$100 bilhões, o que é compreensível. Mas não pode ser que o povo pobre pague essa diferença. Deixemos que a B3 e a Bolsa de Nova Iorque se preocupem com o assunto.

Já não é a primeira vez que Haddad coloca o equilíbrio fiscal acima da responsabilidade social. Foi assim na discussão do salário-mínimo e foi assim agora. É uma sinalização ruim porque fortalece as posições do mercado dentro do governo, em prejuízo do cumprimento das promessas de campanha.

Em seu twitter, Gleisi Hoffman caracterizou corretamente a reoneração dos combustíveis: “é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”, disse.

Mais do que nunca, é preciso rever a política de preços da Petrobrás e iniciar de verdade a uma transição energética justa, ou seja, paga pelo grande capital e não pelos pequenos consumidores. Quanto mais o mundo discute transição energética para combater a emergência climática, mais a Petrobrás se demonstra uma empresa estratégica. Ela tem a tecnologia e o pessoal qualificado para começar esse gigantesco processo. Mas nas mãos do mercado ela é uma simples fonte de lucros exorbitantes. É hora de mudar isso.