Antes de cada desastre, a Terra manda recados. No litoral norte de São Paulo, em São Sebastião, a Serra do Mar que abraça a região anuncia também os riscos de seu desmatamento. As casas luxuosas de veraneio ocupam as proximidades da praia e empurram os moradores e trabalhadores da região para os morros. Nota-se nas fotos aéreas como a Rodovia Rio-Santos delimita visivelmente essa oposição. Com o desmatamento ocasionado pela construção das casas nas encostas, a retirada das raízes desestabiliza o solo, deixando-o mais suscetível a deslizamentos de terra.
A informação sobre os riscos no qual estavam as vítimas dos deslizamentos de terra em São Sebastião não chegaram apenas aos mais atentos à geografia e geologia local. O Cemaden, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, órgão que monitora municípios vulneráveis a desastres naturais, emitiu alerta com antecedência ao governo do Estado. Uma listagem com todas as áreas em risco na região, incluindo a Vila do Sahy foi entregue, e na manhã de sexta-feira (17), o governo federal e a Casa Militar de São Paulo foram acionados para uma reunião alertando sobre o risco elevado de desastre no litoral norte. A própria Defesa Civil divulgou um alerta de chuva forte e pediu “atenção especial às áreas mais vulneráveis pois há o risco para deslizamentos, desabamentos”. Tarcísio de Freitas, o Governador do estado, porém, apenas declarou que a Defesa Civil estava preparada para “auxílio imediato” em caso de deslizamentos. Com os avisos, o poder público deveria ter informado a população nas áreas de risco, se antecipado providenciando abrigos emergenciais e preparando os hospitais próximos, mas nada disso havia sido feito.
Além disso, a estrutura de atenção a catástrofes foi sucateada durante o governo Bolsonaro. Um relatório do governo de transição apontou que durante o antigo governo houve corte de 99% da verba direcionada para a defesa civil no combate e prevenção de desastres naturais. O último projeto de orçamento enviado pelo governo Bolsonaro destinava apenas R$ 671,54 milhões para ações de prevenção e gestão de desastres, valor que foi alterado para R$ 1,17 bilhão pela PEC da Transição.
O “auxilio imediato” de Tarcísio não foi capaz de salvar a vida de Ângela, moradora de São Sebastião, nem de sua filha Bruna, de 28 anos, ou de sua neta Maria Clara, de oito anos. Essa família de mulheres faz parte das 50 pessoas foram vítimas fatais dos deslizamentos. Outras dezenas tiveram ferimentos graves e mais de 2 mil pessoas precisaram abandonar suas casas. O auxílio real que o estado deve prestar é colocar em prática uma política pública de habitação adequada para os moradores da Vila do Sahy e outras regiões afetadas ou em situação de risco, com saneamento básico e infraestrutura eficazes. No Brasil, existem mais de 13 mil áreas de risco, onde vivem 4 milhões de pessoas por não terem outra opção de sobrevivência. Assim que a lama for retirada das casas no litoral de São Paulo, sem outra alternativa, os moradores da região se sujeitarão novamente a viver na insegurança da encosta. As casas luxuosas de veraneio não podem impedir (como já fizeram em Maresias, por exemplo) os trabalhadores da região de terem uma moradia digna e segura. A vida deve ser priorizada acima do lucro.
*Fernanda Rodrigues é da @baixadafeminista_
Fotos de @geopanoramas e montagem das vítimas de G1
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