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MOVIMENTO

Sobre as campanhas salariais em 2023 no Brasil

Comissão Nacional Sindical – Resistência-PSOL
Wilson Dias/Agência Brasil

O objetivo desse texto é contribuir para as análises sobre o cenário político e econômico que se desenha em 2023 no Brasil, assessorando na elaboração das campanhas salariais, pautas e táticas de negociação. Com a preocupação sobre os resultados da luta de classes, e da organização dos trabalhadores do setor público e privado no próximo período. Em especial pelo fato de ainda enfrentarmos condições muito desfavoráveis, mesmo com a derrota da extrema direita na eleição presidencial de 2022.

O valor do trabalho é a chave principal da gestão administrativa das empresas, define os custos e determina as taxas de lucro no setor privado. Como também é tema central das contas dos gestores públicos, que em geral, estudam, e aplicam meios institucionais para pagar cada vez menos pela força de trabalho no serviço público.

No último período com a Reforma Trabalhista e as várias MPs, houve um grande impacto na jornada de trabalho, retirada de direitos históricos da classe trabalhadora. O processo de acumulação do capital se realizou mediante a violação do valor da força de trabalho com a manutenção da intensificação da superexploração a médio e longo prazo que surgiram as reformas como a lei da terceirização (Lei n°13.429/2017), a Contrarreforma Trabalhista (Lei n° 13.467/2017) e a Reforma da Previdência, além do ajuste fiscal que teve na PEC 55 (EC 95) sua principal expressão, congelando os salários do funcionalismo.

As pressões pelo rebaixamento do valor do trabalho em todo mundo compõem o roteiro habitual da concorrência capitalista que exige diferencial de produção para se sobressair na disputa por mercados variando em intensidade de acordo com a correlação de forças da luta de classes. Nesse momento da história, diminuir os custos com a força de trabalho, é parte também do plano de recuperação da economia capitalista no pós-pandemia tanto para as ambições dos CEOs das empresas como para os gestores públicos. E se olhar bem, o aprofundamento da desigualdade social, com a concentração da maioria da riqueza global nas mãos de 1% da população mundial, sugere que os resultados da luta de classes para o conjunto dos trabalhadores, na média, tem sido desfavoráveis pelo menos desde 2016.

Outro aspecto que precisamos dar atenção cuidadosa, é verificar o grau da temperatura da organização e mobilização dos trabalhadores, como também do resultado das últimas campanhas salariais e o número de greves. Anotar o sentido dessas lutas, foram de “conquistas ou defesa?”. Aferindo o ânimo e a disposição de lutar coletivamente, são dados a serem sistematizados, pois determinará a elaboração das táticas, campanhas específicas e mais gerais do movimento sindical.

E por último, há uma conclusão importante que o conjunto do movimento sindical e dos movimentos sociais e juventude em geral, assim como toda esquerda que está dentro e fora do governo precisa absorver: Sem mexer em privilégios do “andar de cima” para garantir o aumento da renda média, da melhoria dos empregos e da ampliação dos direitos sociais, não haverá vitória contra a extrema direita, pelo contrário, poderão voltar com mais força em caso de mal estar social e suas ambições golpistas poderão ter o sucesso que não tiveram no dia 08 de janeiro de 2023.

A guerra tenciona a inflação no mundo

Se tem uma pergunta que todo sindicalista precisa sempre se fazer é: “Para onde vai a inflação?”. As pressões externas que a economia brasileira pode sofrer por conta dos desdobramentos da conjuntura internacional influenciam muito o curso da luta de classes. Estamos sensíveis a qualquer acontecimento geopolítico pelo grau de dependência do Brasil em relação as grandes economias do mundo, como EUA, China, Europa e Rússia. Nesse momento o centro de todas as nossas atenções precisa estar na possibilidade de escalada ainda mais violenta da guerra entre Ucrânia (Otan) X Rússia. Além da triste tragédia humanitária na região, o agravamento do conflito pode inflacionar os preços do gás, petróleo e energia em geral no mundo. Podendo também interromper ou tornar precárias várias cadeias de suprimentos, tornando-se um obstáculo para o crescimento econômico. Qualquer sindicalista no mundo, ao pensar em negociação salarial precisa levar em consideração o fato de que a guerra é sinônimo de inflação.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, antes de sua visita ao Brasil dias atrás, anunciou o fornecimento de tanques Leopard 2 às tropas de Kiev para combater tropas Russas. Os EUA também se comprometeram com envio de tanques Abrams e o Reino Unido com tanques Challenger 2. O embaixador Russo na Alemanha, respondeu em comunicado, que a decisão de Berlim foi “extremamente perigosa” e leva o conflito “a um novo nível de confronto”. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse em entrevista a CNN que as doações de tanques para o esforço de guerra da Ucrânia trará mais sofrimento e mais tensão ao continente, como também vai aumentar os custos aos contribuintes da Europa. A unidade dos países da Otan em redobrar o apoio a Ucrânia vai exigir uma resposta das tropas russas que necessariamente vai impactar a economia mundial com desdobramentos difíceis de prever, não descartando o uso de armamento nuclear.

O Banco Mundial publicou recentemente um relatório que alerta sobre a possibilidade de recessão econômica mundial, destacando em primeiro lugar a guerra, e depois a desaceleração da economia chinesa, as tensões inflacionarias e a lenta recuperação pós pandemia como elementos principais que podem impedir um crescimento econômico. Demonstrando números tímidos sobre o crescimento econômico de países como EUA, China e Europa. Em relação ao Brasil, as previsões apontam uma tendência para a estagnação econômica.

Atenção para os BRICS e a sua nova dinâmica de expansão com a adesão de novos membros, prometendo lançar um sistema bancário por fora do sistema que opera o dólar, com potencial para ameaçar o protagonismo da moeda americana. O que potencializa a disputa pela hegemonia econômica, com possibilidade de novas sanções entre as grandes economias do mundo, criando uma situação que dificulta a orientação dos investimentos e amplifica a insegurança nos mercados diante dos próximos acontecimentos geopolíticos.

Caso o pior cenário se confirme, recessão, inflação e juros altos serão tendências mundiais em 2023, significa desemprego em níveis altos e/ou aumento de postos precarizados de emprego (renda média baixa), facilitando o cenário para a patronal diminuir o valor dos salários e/ou rebaixar direitos tanto nas categorias com registro trabalhista, como no serviço público em todo mundo. Segundo a OIT, a taxa de desemprego global deve ter um pequeno aumento, chegando a um total de 208 milhões de pessoas sem emprego, o que equivale a uma taxa global de 5,8% da população economicamente ativa do planeta.

Embora haja alguns economistas e agências financeiras mais otimistas com o desenvolvimento da economia nesse ano, há quase um consenso entre as maiores instituições mundiais ligadas a ONU, FMI e Banco Mundial que apontam para o risco de recessão. Em artigo recente, o conceituado economista Michael Roberts é categórico em afirmar que estamos muito próximos de uma recessão ou, pelo menos, uma forte desaceleração da economia mundial, no trecho abaixo ele cita uma previsão da OMC:

“A Organização Mundial do Comércio (OMC) junta-se às outras agências internacionais na previsão de uma queda global. ‘Prevê-se que o comércio mundial de bens diminuirá fortemente no próximo ano devido ao peso dos preços elevados da energia, do aumento das taxas de juros e das perturbações relacionadas com a guerra, aumentando o risco de uma recessão global’, de acordo com a OMC. Sua previsão para o crescimento econômico global em 2023 é de 2,3% e a OMC alerta para uma desaceleração ainda mais acentuada caso os bancos centrais aumentem as taxas de juros de forma muito acentuada em seus esforços para conter a alta inflação.”

(2023: Virá outra grande recessão, Michael Roberts. Tradução de A Terra é Redonda, 17/01/2023)

Mas devemos levar em consideração um cenário um pouco diferente, em vez de uma forte recessão, tenhamos apenas uma certa desaceleração econômica que atinja mais a Europa por conta da guerra, mas que não leve todo o mundo para uma crise. Seria algo mais mediado, visto os bons números da economia americana em relação a emprego, a possibilidade de retomada robusta do crescimento chinês pós-COVID e possíveis medidas do governo Lula que proteja o país dos impactos externos. Mas seja como for, o cenário menos provável é de forte crescimento econômico em 2023. Ou teremos uma forte recessão ou uma desaceleração econômica mais mediada, ambas com potencial de atingir a economia mundial, influenciando o desenvolvimento das lutas sindicais. Isso significa que o movimento sindical precisa preparar as categorias para campanhas salariais, que salve exceções, serão muito duras para combater a corrosão salarial, alertando para ataques contra direitos, privatizações e descumprimento de acordos e leis, como por exemplo o piso da educação, enfermagem, etc.

Cenário politico e econômico no Brasil

O ano começou com a posse do novo governo Lula sob a sombra de um forte e inédito movimento golpista organizado em acampamentos na porta dos quartéis, bloqueio de estradas, atentado terrorista no aeroporto de Brasília, derrubadas de torres de transmissão de energia e a invasão e depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes no dia 08 de janeiro em Brasília. A derrota eleitoral de Bolsonaro não significou a dispersão e recuo da extrema direita, pelo contrário, estão bem posicionados nos parlamentos, com capacidade de mobilização, com alcance de massas e com poder de desestabilizar politicamente o país. As ações golpistas estão conjunturalmente numa situação defensiva com várias prisões, investigações e inquéritos abertos. Mas o bolsonarismo segue forte, e numa próxima curva da história, num momento de desgaste do governo, ações golpistas podem voltar com força total. Principalmente se a responsabilização criminal for branda aos dirigentes e organizações do golpismo. Bolsonaro em breve retornará ao Brasil para liderar um movimento de extrema direita com influência de massas, dessa vez na oposição.

A apertada vitória eleitoral das forças progressistas e de esquerda na eleição presidencial de 2022, foi um feito extraordinário que interrompeu um ciclo de derrotas da classe trabalhadora, contínuas desde 2016, encerrando o caminho para a extrema direita permanecer no poder central do país. Mas não inverteu a correlação de forças que continua desfavorável para o conjunto da classe trabalhadora em relação aos interesses do mercado financeiro e da burguesia em geral. Não podemos cultivar a ilusão que o atual governo federal formado por representantes da esquerda, em aliança com setores da burguesia tradicional e com um parlamento sob controle de representantes de concepção neoliberal, aprovará facilmente leis que atendam às pautas que valorizam o trabalho, garantindo direitos sociais e democráticos. A batalha para onde vai o orçamento da união vai se decidir nas ruas e nas redes, no convencimento da opinião pública, com exigências ao governo e ao congresso nacional.

As forças neoliberais que comandam as principais cadeias de produção e mercados, querem uma recuperação econômica pós pandemia as custas do suor e sangue da classe trabalhadora, conservando seus privilégios e fazendo escândalos pelos veículos da grande mídia todas as vezes que algum naco do orçamento público estiver prestes a ser direcionado para atender demandas populares, ou se algum projeto de lei que promete valorização salarial comece a ganhar força no congresso nacional. Isso significa que a briga será dura, e só terá algum ganho mínimo, se o movimento sindical reafirmar sua independência política, conseguir dialogar com o governo e com a categoria, mobilizando suas bases, pressionando deputados e senadores. É preciso demonstrar unidade, força e capacidade de convencer a opinião pública sobre a necessidade de valorização dos servidores públicos!

A economia brasileira não tem boas notícias sobre salário mínimo, empregos, renda média e valorização salarial dos servidores públicos. Nos últimos quatro anos o salário-mínimo não teve aumento real, a renda média teve queda de 7,2% do primeiro trimestre de 2019 até o primeiro trimestre de 2022, dados do IBGE. Segundo o Caged, a criação de empregos no Brasil teve um desempenho 26,6% menor em 2022 em comparação com 2021. O funcionalismo federal acumula 7 anos de congelamento salarial, e categorias do funcionalismo estadual e municipal vêm sofrendo com projetos de reforma administrativa/previdenciária e o não cumprimento de legislação como a recusa de muitos governos e prefeituras em pagar a Lei do Piso na educação e da enfermagem.

O Relatório oficial do Instituto Credit Suisse de 2021, já destacava o agravamento da concentração de riqueza no Brasil, o grupo de brasileiros mais ricos que compõe 1% da população detinha 44,2% de toda renda nacional em 2000, indo para 49,6% em 2021. Um salto de 5,4% nas últimas duas décadas, com um acelerado agravamento durante a pandemia. Em 2022, o inquérito nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que existem 33,1 milhões de pessoas sem ter condições básicas de alimentação com a fome fazendo parte do seu cotidiano.

Segundo dados do IBGE, de 2014 ao primeiro trimestre de 2022, o número de trabalhadores celetistas diminuiu em quase 3 milhões, enquanto o número de trabalhadores por conta própria ou sem registro em carteira aumentou mais de 6 milhões em oito anos. Em números absolutos são mais de 37 milhões de pessoas no mercado de trabalho sem nenhum direito ou proteção social, fazendo jornadas desumanas, sem garantias de férias, décimo terceiro, licença maternidade, etc. Os informais ultrapassaram o número de trabalhadores formais e nos autoriza dizer que a maioria da classe trabalhadora brasileira voltou a viver em condições análogas ao final do século XIX e início do século XX, antes da instituição da CLT.

Ao entrar com pedido de recuperação judicial nesse mês de janeiro, as Americanas usou como argumento a preservação de cerca de 100 mil empregos diretos e indiretos, mas o que chama a atenção é que as notícias de fechamento e demissões começam a aparecer com mais força. Só esse ano anunciaram suspensão de atividades e demissões substantivas no seu quadro de funcionários marcas como CVC (Turismo), Grupo Guararapes (controladora das lojas Riachuelo), General Mills (dona das marcas Yoki, Kitano, e Haagen Dazs), PayPal e a Toyota de São Bernardo do Campo que já tinha anunciado o fechamento da fábrica em 2022. Tais medidas pode indicar uma onda de demissões por conta da desaceleração da economia ou uma resposta antecipada do mercado para se prevenir de um ano que promete ser de baixo crescimento econômico.

Foi durante o governo Bolsonaro que o parlamento votou o projeto de autonomia do banco central, indicando Roberto Campos Neto para a sua presidência. Que por sua vez, para tentar combater a inflação, subiu a taxa Selic para 13,75%. O que significa que o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo, mas o curioso, é que essa inflação não é devido ao aumento da demanda, mas pela falta de oferta, por conta da quebra de algumas cadeias de suprimento devido a guerra, pandemia e crises climáticas. Assim, é muito preocupante o cenário para 2023, e a equipe econômica de Lula terá o desafio de evitar o pior dos cenários que seria a ESTAGFLAÇÃO! Ou seja, estagnação econômica com inflação alta. Caso isso ocorra, também teremos a continuidade do desemprego alto e a renda baixa no setor privado. No setor público, a tendência de queda na arrecadação de impostos e a dívida pública pode disparar. Assim sendo, o orçamento tanto do governo federal como estaduais e municípios ficarão com pouca margem de manobra para a concessão de reajustes salariais, cumprimento da lei do piso e novos concursos públicos. Em especial por conta das rígidas leis aprovadas nos últimos anos, visando o controle fiscal para o interesse de banqueiros, como a Lei de responsabilidade fiscal e a Lei de teto de gastos.

Um Banco Central autônomo e dirigido por gente ligada a extrema direita golpista, tem potencial para fazer um estrago na economia do país. A última reunião do Copom terminou no dia 01/02, reafirmou a taxa de juros de 13,75%, sinalizando um viés de alta para alcançar a qualquer custo as metas de inflação. Qualquer pessoa minimamente informada, sabe que os juros altos da taxa SELIC é um peso grande para o crescimento econômico, geração de empregos e arrecadação de impostos. Depois de tudo que já aconteceu nesse país, não é exagero imaginar que a taxa SELIC possa tornar-se instrumento de luta política com o bolsonarismo irresponsável.

O tema dos preços dos combustíveis relacionado à política sobre o ICMS é outro grande nó a ser resolvido, sendo uma das maiores preocupações inflacionarias para 2023. A diminuição do valor do ICMS sobre os combustíveis, ajudou a segurar os preços, mas tirou mais de 70 bilhões em arrecadação dos estados. O governo Bolsonaro em conjunto com o congresso nacional, em vez de mexer na política de preços da Petrobrás, atacando o PPI (Preço por Paridade Internacional), resolveu tirar receita dos estados via ICMS, e agora a bomba fiscal está armada. Ou se mexe em interesses dos grandes acionistas da Petrobras, ou vai sobrar mais uma vez para os trabalhadores pagarem essa conta, seja através da inflação dos combustíveis e/ou de ataques aos salários e direitos do funcionalismo estadual e municipal.

Todo movimento sindical precisa estar atento com as taxas de Juros altas, baixo crescimento econômico, tensões inflacionárias e fraca retomada do emprego, pois são elementos que exercem forças de pressão negativa sobre os salários, emprego e a renda média. Dificultando ainda mais a correlação de forças para as campanhas salariais conseguirem arrancar acordos com ganho real no próximo período. Nesse cenário, as empresas encontram no Brasil condições favoráveis para chantagear seus contratados que precisam de qualquer renda, para oferecer postos de trabalho precarizados rebaixando o valor dos salários. Como também governos de esferas públicas diferentes vão argumentar a crise fiscal para não conceder reajustes e/ou aprimorar carreiras, podendo até enviar projetos para as câmaras legislativas de reforma administrativa e previdenciária na tentativa de cortar mais gastos. Por último, não tenhamos dúvida do papel que cumprirá o poder judiciário, quando chamado a se posicionar, na maioria das vezes, estará ao lado do ajuste fiscal e não da valorização salarial.

A organização das categorias para as campanhas salariais desse ano precisa colocar na ponta da lança as reivindicações mais sentidas de combate a inflação para melhorar o poder aquisitivo da classe trabalhadora revertendo a queda da renda média do último período. Ao mesmo tempo as campanhas precisam vir acompanhadas da permanente exigência que os ricos paguem pela crise, como a taxação das grandes fortunas, o fim do teto de gastos, a regulamentação do trabalho em App e a luta contra a pauta neoliberal em geral…

A temperatura da luta de classes no Brasil

Os últimos 5 anos, mesmo com a inflação em alta e ataques a direitos, o movimento sindical não esteve num bom momento para organizar paralisações, em especial por conta da pandemia no ano de 2020. Mas outros fatores merecem destaque como o desemprego de dois dígitos e os retrocessos na consciência de classe que dificultam o desenvolvimento de ideias que envolve a luta coletiva. Ao mesmo tempo facilitam ideias simpáticas a saídas individualistas que dão muita atenção ao programa neoliberal, diminuindo a autoridade das direções sindicais e da compreensão da greve como um instrumento útil de luta social.

Logo abaixo um quadro demonstra a queda no número de greves registradas no sistema SAG – DIEESE de 2017 a 2022.

Ano/Nº de greves

Total de greves e paralisações

Greves no setor público

Greves no setor privado

2017

1566

814

746

2018

1.453

791

655

2019

1.118

566

548

2020

649

417

231

2021

721

250

468

2022*

663

438

223

* Nº de greves somente do 1º/2022.

Os números mostram que antes mesmo da pandemia, a queda do número de greves e paralisações já se mostrava uma tendência geral, coincidindo com o momento pós golpe de 2016, a subida de Temer ao poder e a eleição de Bolsonaro em 2018. Agora com a eleição de um ex-sindicalista vai formar um clima para lutas coletivas com alcance de massas? A tendência é que algumas categorias de trabalhadoras e trabalhadores da esfera pública e privada comecem a se colocar em movimento, podendo aderir com mais força às campanhas salariais vislumbrando possibilidades de melhorias do seu poder aquisitivo diante de um governo que gera grandes expectativas para o movimento sindical.

Em reunião com sindicalistas no palácio do planalto em janeiro, Lula disse que quer “brigar pela política de aumento real do salário-mínimo e por uma reforma tributária que coloque o pobre no orçamento e faça as grandes fortunas pagarem mais impostos”, mas que para essas lutas conta com a mobilização social e o trabalho de base dos sindicatos. É uma boa sinalização, principalmente após os sindicatos serem tratados com desprezo pelo governo Bolsonaro nos últimos quatro anos.

Haverá mobilização do movimento sindical por essas agendas que influenciam diretamente na elaboração das campanhas salariais? O governo vai enfrentar os interesses do mercado e destinar algumas dezenas de bilhões para reajustes e aprimoramento das carreiras do funcionalismo federal nos próximos quatro anos?

A abertura da mesa de negociação com o funcionalismo federal marcada no dia 07 de fevereiro com a presença de vários ministros de estado, também mostra uma boa sinalização e que propostas econômicas e administrativas poderão ser apresentadas e discutidas pela equipe do ministério do planejamento. Essa abertura do governo para negociação com as entidades sindicais organizadas no FONASEFE e FONACATE pode levar a uma corrida dos servidores as assembleias sindicais, com a expectativa de boas notícias, disputando propostas em relação a salários, carreira, etc. É preciso apostar nesse processo de negociação que se abriu. Trata-se de um excelente momento para potencializar o trabalho de base nas categorias, demonstrando unidade e organização para tentar arrancar um bom acordo, ao mesmo tempo levantando bandeiras de luta mais gerais e aproveitando para fazer a disputa ideológica de concepção de sociedade. Na medida que vai se desenvolvendo as negociações, vamos perceber até onde o governo vai chegar com alguma concessão e assim podemos analisar melhor os próximos passos do movimento.

O funcionalismo estadual e municipal provavelmente vai enfrentar uma realidade diferente em cada região, mas como já escrevemos acima, o tema que envolve o ICMS e o valor dos combustíveis tirou bilhões do orçamento de estados e municípios. Caso persistir esse rombo nos cofres públicos, total ou parcial, muitos governadores e prefeitos endurecerão as negociações, não vão pagar a lei do piso, e poderão ainda atacar direitos dos servidores públicos. A luta por melhores salários no funcionalismo estadual e municipal foi motivo de greves e paralisações importantes em todo país no ano passado e poderá voltar com mais força ainda nesse ano de 2023. Destaque para o estado de São Paulo, em entrevista recente na Jovem Pan, o atual governador Tarcísio de Freitas, ex ministro de Bolsonaro, disse que não terá grandes dificuldades para fazer o ajuste fiscal e privatizações, pois as resistências para essa agenda “estão quebradas”.

Os trabalhadores e trabalhadoras de estatais importantes e bancos públicos também podem se colocar em movimento no próximo período, já que empresas controladas pelo governo como Petrobras, Correios, Banco do Brasil e Caixa, estão demonstrando boa saúde financeira e publicando balanços lucrativos. Pode ser que sob nova direção seja possível uma negociação que permita acordos melhores, essa perspectiva pode ser um estímulo para que o conjunto dos trabalhadores de empresas estatais se mobilizem e os sindicatos precisam estar preparados para essa possibilidade. Mas atenção em relação as estatais controladas por governos estaduais, que podem entrar nos planos de privatização e que vai exigir uma luta árdua e difícil, já que há um problema fiscal pendente no qual a venda de patrimônio público é sempre uma saída para muitos governadores de concepção neoliberal.

Através do ministério do trabalho o governo federal está estendendo a mão para trabalhadores que atuam em plataformas de App. Novamente é mais um acerto que está gerando grande expectativa em milhões de entregadores, motoristas de Uber e etc… O contexto é complexo e difícil, vai exigir bastante dialogo para se chegar em alguma proposta que seja aceita pelo movimento, como também pode ser um tema que estimule a mobilização dessa categoria que mais vem sofrendo com a precarização do trabalho. Embora possam ter dificuldades de construir uma representação que dirija o processo, a solidariedade do movimento sindical mais tradicional é muito importante, pois o sucesso dessa luta vai impactar em todas as outras campanhas. Estamos falando de trabalhadores que do ponto de vista mais geral, são hoje uma espécie de “piso salarial” da classe trabalhadora brasileira. Aumentar o valor desse “piso” com garantias e direitos mínimos é fundamental para impedir o aprofundamento da precarização do trabalho no Brasil.

As demais categorias de trabalhadores que estão registrados via CLT em atividades econômicas de peso, como construção civil, metalurgia, transporte e comércio devem seguir na retaguarda do processo de lutas. O desemprego, a restruturação produtiva permanente e as altas taxas de juros que impede o crescimento econômico, colocam essas categorias numa situação de fragilidade para preservar seus empregos ainda que precários. Mesmo assim, pode surgir aí lutas defensivas importantes, as quais precisam ser acompanhadas, organizadas e estimuladas pelas direções sindicais.

Por último, é importante destacar que nesse início de ano na Europa, vem acontecendo greve geral tanto na França como no Reino Unido, mobilizando milhões nas ruas contra a inflação e propostas de reforma da previdência. São mobilizações defensivas que apontam tendências… O governo Lula não pode cumprir o mesmo papel que Macron na França, pelo contrário, é preciso colocar em prática o que foi anunciado na reunião com sindicalistas no palácio do planalto. Todas as portas e janelas que forem abertas para atender os interesses da classe trabalhadora, poderá estimular uma mobilização contra as forças do capital que não querem dar nenhum milímetro dos seus privilégios para o povo que mais vem sofrendo com a lenta recuperação econômica pós pandemia. Nossa tarefa é fazer os capitalistas pagarem pela recessão que eles mesmos criaram…

Sugestões para elaboração de campanhas salariais em 2023

A construção das campanhas salariais deve ter como método a organização pela base, com reuniões setoriais, com visitas aos locais de trabalho e/ou reuniões online para ouvir e conversar com a classe. Com a preocupação central em construir uma pauta que tenha reivindicações que unifique, que faça a categoria se mover de conjunto para defendê-la, evitando qualquer proposta que gere dispersão e divisão. Lembrando que a elaboração da pauta econômica obedece elementos como o tempo, o calculo das perdas, a lógica dos planos de carreira, a correlação de forças, a capacidade de mobilização, pesquisas de opinião da categoria, a diversidade étnica e de gênero, o posicionamento da categoria diante da opinião pública, a luta ideológica, a situação política e econômica do país…

Combate à inflação: Em geral, salve situações específicas, o combate a inflação e a recomposição do poder aquisitivo das categorias deve ser o carro-chefe da pauta econômica das campanhas salariais em 2023, sendo uma decisão tática a elaboração do índice. A diminuição do poder de compra devido à alta dos preços nos últimos anos, e a possibilidade das tensões inflacionárias seguirem sendo chave para o empobrecimento da classe trabalhadora no próximo período, obriga a hierarquização da recomposição salarial entre as reivindicações, e nas situações que a correlação de forças permitir, a exigência de aumento real dos salários.

Aprimoramento dos planos de carreira: As categorias que conseguiram ao longo dos anos avançar na construção de planos de cargos e salários que possuem artifícios que podem aumentar a remuneração. Devem colocar o aprimoramento e atualização dos planos de carreira como prioridade, defendendo os elementos de avanço, redimensionando e racionalizando cargos, melhorando as possibilidades de capacitação e qualificação. Visando o aumento do piso e do teto, para atender tanto as novas gerações como a fração mais experiente de funcionários que estão no final da carreira.

Teletrabalho/home office: As novas tecnologias incorporadas pelo mundo do trabalho, em especial no período mais agudo da pandemia, acabou acelerando a utilização de recursos que agora estão cada vez mais no cotidiano das jornadas de trabalho em ambientes administrativos entre outros. Os sindicatos precisam discutir sobre a adesão a esse método de trabalho, alertando a categoria sobre as vantagens e desvantagens do teletrabalho/home office. Analisando se os custos de infraestrutura da sede das empresas ou do órgão público serão repassados para o ambiente doméstico dos trabalhadores sem ressarcimento. Outro aspecto que deve ser contabilizado é a utilização de aplicativos ou softwares de inteligência artificial que controlam a jornada de trabalho online. Tais instrumentos são capazes de introduzir regime de metas de produtividade, comparar a produção entre membros das equipes sem critérios justos, submetendo as pessoas a rítmos extenuantes, prejudicando a saúde mental (podendo gerar mais custos com medicamentos, terapia, etc.) e podendo inclusive se impor como critério para ascensão em carreiras, estágio probatório e até a permanência no cargo. A adesão não pode ser obrigatória e os sindicatos não devem apoiar o Home Office, sem antes analisar todos esses elementos e outros que possam estar relacionados ao cotidiano de determinada equipe de trabalho específica, preservando a decisão da categoria.

Jornada de trabalho: A luta pelo tempo sempre foi prioridade na luta de classes desde a primeira revolução industrial. Ter tempo para si mesmo, para família, para atividades lúdicas, pra exercer nossas potencialidades intelectuais e tudo que não seja viver somente para trabalhar, sempre foi uma reivindicação que se traduziu em diminuição da jornada de trabalho. Existem as jornadas semanais, mensais, anuais e de uma vida inteira. A lógica dos patrões é aumentar e/ou intensificar as horas de jornadas diárias, os dias da jornada semanal e mensal, como também a jornada de um ano inteiro intervindo em temas como férias, licença maternidade, saúde e etc… Assim como os ataques aos direitos de aposentadoria, que envolve idade e valor dos salários, um retrocesso a jornada de trabalho de uma vida inteira. Há categorias como trabalhadores em plataformas de App que precisam muitas vezes fazer jornadas superiores à 10 hs diárias e 50 horas semanais, sem direito a férias e folgas, para poder receber um valor que na media gira em torno de dois salários-mínimos. Como também há categorias no setor público e privado que vem conseguindo reduzir a jornada para 30 horas semanais sem redução de salários, conquistas que precisam ser defendidas, ampliadas e estar na pauta de reivindicações das campanhas salariais.

Benefícios: Embora o centro das campanhas salariais deve ser o combate a inflação, portanto a exigência de recomposição ou aumento real dos salários deve estar entre as prioridades como já escrevemos acima. Temas como vale-alimentação, auxilio saúde, vale-transporte, creche, periculosidade, insalubridade e etc… Precisam ser levados em consideração para composição da pauta de reivindicação, pois são elementos da remuneração dos trabalhadores que atendem diretamente a questões que envolve saúde e alimentação. Sendo tático os índices de reajuste e a hierarquia de qual beneficio é mais importante, observando o que move e unifica mais a categoria entre ativos e aposentados.

Gratificações e bônus: Geralmente estão relacionados a lógica produtivista e ao regime de metas, sendo um sistema muitas vezes preferido pelas direções das empresas e gestores públicos, possuindo assim uma volatilidade no seu valor de acordo com a possibilidade de cada trabalhador. Lembrando que pessoas não são máquinas, e podem ter uma produção que varia de acordo com suas condições de saúde física, mental, financeira e no seu posicionamento na equipe. A competitividade entre os trabalhadores com o objetivo de atingir metas para alcançar valores maiores em bônus e gratificações, gera desagregação, disputas e divisões que não contribuem para a unidade das lutas coletivas, dando aos patrões e as direções das empresas os maiores ganhos as custas da autodestruição da consciência de classe e da solidariedade entre as trabalhadoras e trabalhadores. Além da divisão concreta entre ativos, aposentados, colaborando para inflamar a luta interna na categoria, uma campanha salarial só terá sucesso com unidade. Aonde já existe gratificações fruto de derrotas de campanhas salariais anteriores, a orientação que pode gerar mais benefícios para as categorias é a incorporação dessas gratificações ao salário.

Direitos civis e democráticos: A eleição de gestor@s, diretor@s, president@s, reitor@s, como o direito dos trabalhadores em se candidatar, em órgãos públicos ou empresas que possuem algum grau de gestão participativa deve ser uma conquista democrática a ser defendida e aprimorada, exigindo paridade e outros métodos que garanta a participação equivalente sobre as decisões administrativas e políticas das instituições.

Os sindicatos precisam ter a sensibilidade de incluir na pauta reivindicações, políticas contra o assédio moral, sexual, crimes racistas, a violência contra a comunidade LGBTQIA+ e imigrantes no ambiente de trabalho como meio de proteção de setores sociais que sofrem historicamente ataques numa sociedade que ainda carece superar atrasos e garantir reparações históricas.

O combate as posturas anti-sindicais que proíba ou dificulte o trabalho dos sindicatos a ter contato ao local de trabalho, a liberação para o exercício de atividade sindical e a estabilidade no emprego após o final do mandato devem ser preocupações que precisam ser destacadas na construção da pauta de reivindicações, tanto no setor público como privado.

Campanhas políticas e de solidariedade

Toda movimentação sindical não pode ter um viés apenas economicista. É preciso aproveitar as campanhas salariais para paralelamente fortalecer campanhas políticas que possam responder temas da conjuntura que afetam diretamente a classe trabalhadora. Destacamos dois elementos de peso que tem potencial de fazer grandes estragos na vida da população, gerando mais miséria e ameaças a direitos democráticos. Em primeiro lugar as consequências da guerra em curso entre Ucrânia (Otan) x Rússia, alertar sobre os prejuízos da guerra para os interesses da classe trabalhadora mundial e fortalecer campanhas que exija o fim do conflito com a retirada da Otan e das tropas Russas do território Ucraniano é fundamental nesse momento.

Outro tema muito importante que precisa fazer parte da vida cotidiana dos sindicatos é o combate ao movimento golpista liderado pela extrema direita bolsonarista que já demonstrou força e capacidade de mobilização. Trata-se de construir uma campanha permanente contra as ações golpistas, como também tomar todas as medidas para que as campanhas salariais e mobilizações independentes da classe não se confundam com a estratégia do movimento bolsonarista. Qualquer situação de mal estar social e econômico que possa abater o país em médio ou longo prazo, poderá ser motivo de reorganização e reagrupamento dos setores golpistas com o objetivo de desestabilizar completamente a vida política do país. Exigir punição exemplar, expropriação dos bens, suspensão das redes sociais e a inelegibilidade dos golpistas é tarefa central do movimento sindical nesse momento da luta de classes no Brasil.

Os sindicatos precisam abrir mão do corporativismo, apoiando politicamente e financeiramente movimentos sociais que estão em atividade. Organizando campanhas e parcerias com ações culturais da juventude das periferias, com o movimento de mulheres, ações de solidariedade aos povos indígenas, apoio as paradas e manifestações da comunidade LGBTQIA+, arrecadação de alimentos em comunidades em vulnerabilidade e etc… As ações sociais e de solidariedade dos sindicatos são fundamentais para dialogar com a opinião pública, fortalece a autoridade do movimento sindical e constrói redes de apoio para lutas unitárias em torno das pautas da classe trabalhadora.

O papel das centrais e principais direções do movimento de massas

As centrais sindicais e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo precisam garantir campanhas em torno de um programa geral unitário que contenha pautas que se enfrente com os interesses do mercado. Sem uma ampla luta nas ruas, nas redes, com disputa ideológica e agitação permanente não vamos conseguir avançar em temas que são cruciais para inverter a correlação de forças ainda desfavorável para a classe trabalhadora brasileira, como também para as campanhas salariais. Abaixo citamos temas programáticos transicionais que devem estar na ordem do dia para as centrais e frentes nacionais de luta:

  • Taxação das grandes fortunas;
  • Fim do teto de gastos;
  • Fim da autonomia do Banco Central, redução da taxa de juros!
  • Política permanente de aumento real do salário-mínimo;
  • Regulamentação dos App’s, garantindo direitos para os trabalhadores de plataforma;
  • Programa de isenção e condições facilitadas para o pagamento de dívidas de trabalhadores do setor público e privado. Como também para pequenas empresas!
  • Política de combate a desigualdade salarial e desemprego para atender a demanda de mulheres, jovens, negros, comunidade LGBTQIA+ e imigrantes;
  • Nenhum direito a menos, rumo a revogação da reforma trabalhista, providenciaria e do ensino médio;
  • Não a qualquer reforma administrativa federal, estadual e municipal que retire direitos;
  • Pelo cumprimento da Lei do Piso para educação e enfermagem;
  • Reversão dos processos de privatização da Eletrobrás, Petrobrás, bancos públicos e saneamento;
  • Redução da jornada de trabalho, sem redução de salários;
  • Auditoria e suspensão da dívida pública;