Em busca da Terra Sem Males é uma narrativa sagrada Guarani, um mito que se tornou um instrumento de resistência, utilizado pelos indígenas na tentativa de retornar ao status anterior à chegada e domínio violento dos colonizadores. A terra “sem males” refere-se a uma terra de felicidade, terra fértil, lazer eterno, imortalidade e sem fome, que fala do profundo anseio do ser humano por um mundo melhor, mais feliz e sem guerras.
O que é possível ser feito para vivermos numa verdadeira terra, “sem males”?
Clamei aos céus, a chama da maldade apagou E num dilúvio a terra ele banhou, lavando as mazelas com perdão. Fim da escuridão, já não existe a ira de Monã No ventre há vida, novo amanhã, Irim Magé já pode ser feliz. Transforma a dor, na alegria de poder mudar o mundo Mairamuana tem a chave do futuro, pra nossa tribo lutar e cantar Auê, auê, a voz da mata, okê, okê arô. Se Guanabara é resistência, o índio é arco, é flecha, é essência. (Samba-enredo 2020 – Guajupiá, Terra sem Males, G.R.E.S Portela RJ.)
Assim como Maíramuana, o “profeta transformador” das tribos tupinambás, aprendera a arte de transformar tudo o que quisesse de acordo com sua vontade e das mais diversas formas, apresento algumas reflexões na tentativa de transformar nossas dores, na alegria de poder mudar o mundo, mediante ao que estamos testemunhando em relação os povos indígenas, mais especificamente com os Yanomamis. A epígrafe vem demarcando uma reflexão sobre o desejo de mudança de uma realidade tomada por uma sociedade racista, colonizadora e, que mantém no poder pessoas que são majoritariamente brancas. Ao lermos o trecho do samba-enredo da Portela, percebemos o quão forte é o desafio cotidiano em relação à luta por (des)coisificar os povos originários, povos que até os dias atuais sofrem com o racismo estrutural, colocando-os num não lugar, além de uma relação focada em estereótipos.
O líder indígena Davi Kopenawa, numa entrevista para o Podcast Café da Manhã, fala sobre a situação do seu povo e desabafa:
“O garimpo está matando meu povo.”
“Em 2020 começou a aumentar o número de garimpeiros.”
“Por quatro anos, Bolsonaro foi contra nosso povo e nossa terra.”
“Eu estou de luto, porque minhas crianças morreram sem saber o que está acontecendo. Crianças não têm culpa.”
“A floresta vai morrer, o rio vai morrer. Todos seguem vivendo, porque nós indígenas estamos vivos ainda.”
“Os Yanomamis nunca haviam morrido de fome.”
No dia 20 de janeiro, o presidente Lula anuncia crise de saúde e estado de emergência, visto o cenário que encontrou na comunidade indígena Yanomami. Crianças e idosos com desnutrição grave, com malária, doença infecciosa febril aguda transmitida pela picada do mosquito e a água dos rios contaminada pelo garimpo, não possibilitando a pesca e a caça, matando os recursos de subsistência humana dos povos originários. Fora a situação das crianças que, de tão fracas, em decorrência da desnutrição, precisaram ser intubadas, pois não conseguem respirar sozinhas.
Um cenário de terror, que poderia ter sido evitado e foi negligenciado pelo governo Bolsonaro, com recusa das próprias Forças Armadas em não dar auxílio. Durante todo esse período houve determinações judiciais para retirada de garimpeiros, mas as decisões não foram cumpridas. Uma das últimas ações foi em maio 2022, quando MPF determinou a reabertura da unidade saúde, que foi tomada pelos garimpeiros, mas essa foi mais uma das determinações judiciais ignoradas pelo governo Bolsonaro.
Fica evidente o extermínio dos indígenas, visto o número elevado de mortos em todo esse período. Somente nesse ano morreram aproximadamente 100 crianças Yanomamis, além dos dados dos últimos anos, que já somam mais de 500 mil mortos. Um verdadeiro genocídio!
Que Bolsonaro e todos os responsáveis por esta crise humanitária, sejam punidos no rigor da lei. Não podemos permitir que a impunidade seja o fim, mas sim a justiça.
Para vivermos numa verdadeira terra, “sem males”, é preciso que tenhamos o espírito de Maíramuana, o “profeta transformador”, que nos convida a fazer essa mudança tão necessária na nossa sociedade. Do contrário, seguiremos reforçando a permanência do racismo, que desumaniza e coisifica os povos indígenas, mantendo esse apagamento histórico desenfreado e com total abandono do Estado brasileiro, e afirmo que isso é independe de quem esteja no poder.
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