O ministro da Justiça Flávio Dino apresentou ontem (26) ao presidente Lula uma primeira lista de propostas para inibir iniciativas golpistas e que atentem contra o Estado Democrático de Direito. A iniciativa foi apelidada de “Pacote da Democracia” e deve incluir pelo menos uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), dois Projetos de Lei (PL) e uma Medida Provisória (MP).
No que diz respeito à PEC, a ideia é criar uma Guarda Nacional permanente, em substituição à Força Nacional, que hoje é acionada apenas em casos especiais de ameaça à segurança da ordem pública. A proposta é que a nova Guarda Nacional proteja prédios públicos federais em Brasília e atue em operações especiais em terras indígenas, áreas de fronteira, unidades de conservação e apoio à segurança dos estados.
No caso da MP, segundo Dino, a ideia é criminalizar condutas na internet que configurem prática de atentado contra o Estado Democrático de Direito, com a responsabilização de plataformas na internet que não derrubem publicações terroristas e antidemocráticas.
Já o PL propõe agilizar a perda de bens para quem participa de crimes contra o Estado Democrático de Direito. Essa perda de bens englobaria pessoas físicas e empresas.
Certamente, algo deve ser feito contra as constantes ameaças de golpe, e a proposta de Dino é um primeiro passo que deve ser discutido amplamente na sociedade. Mas isso precisa ser feito de maneira democrática, com a participação dos movimentos sociais e representantes da sociedade civil organizada. O simples aumento ou incremento do aparato repressivo não parece ser a solução mais eficiente. É duvidoso, por exemplo, que o problema resida na inexistência de uma Guarda Nacional, que não se diferenciaria qualitativamente da Força Nacional, já existente no arcabouço jurídico brasileiro. Aliás, o Estado brasileiro não costuma pecar pela falta de aparatos de repressão e segurança. O problema é quem comanda esses aparatos e qual a ideologia difundida em seu interior e utilizada para formar seus quadros.
Além disso, é preciso apontar uma importante debilidade na proposta do ministro da Justiça e que salta aos olhos já de imediato: ela não toca em nenhum momento no problema dos militares.
Ora, as ameaças à democracia na história brasileira sempre tiveram os mesmos agentes: os militares. Um “Pacote da Democracia” que mantenha intacto o poderio militar em questões internas não vai resolver o problema da proteção da democracia. O aumento dos mecanismos de repressão, se for o caso, tem que levar em conta a ameaça militar. Desde que o Brasil é Brasil, a casta militar, corporativa e privilegiada, com pouco trabalho a fazer e muito tempo livre, sempre se sentiu uma espécie de “poder moderador”, à margem e acima dos outros três poderes. Isso levou a aberrações políticas e jurídicas, como o famigerado artigo 142 da Constituição, que atribui às Forças Armadas a função de garantia da lei e da ordem no território nacional.
Um verdadeiro pacote antigolpista precisa eliminar essas distorções, consolidar de uma vez por todas o comando civil das Forças Armadas e limitar suas funções à defesa da soberania nacional frente a ameaças externas. É preciso acabar de vez com a figura do “inimigo interno”, tão comum nos discursos e cartilhas militares e que só serve para que as Forças Armadas, de maneira disfarçada ou não, combatam contra o próprio povo.
É preciso acabar de vez com a figura do “inimigo interno”, tão comum nos discursos e cartilhas militares e que só serve para que as Forças Armadas, de maneira disfarçada ou não, combatam contra o próprio povo.
É preciso uma revisão rigorosa do programa de ensino nas academias militares. Os distintos golpes impetrados pelas Forças Armadas ao longo da história precisam ser estudados pelos cadetes como o que foram: golpes antinacionais que só trouxeram morte, tortura e sofrimento.
Há quem pense que uma tal reforma das Forças Armadas enfraqueceria o país, mas isso não é verdade. O exército alemão também foi desnazificado depois da Segunda Guerra Mundial e isso não enfraqueceu a Alemanha. Um exército forte é aquele que sabe que seu lugar é ao lado do povo, não contra ele.
Nosso exército é fraco e lamentável não apenas porque faltam equipamentos, embora isso também seja verdade, mas principalmente porque está apartado da vida real da sociedade. Um verdadeiro “Pacote da Democracia” só merece esse nome se modificar profundamente essa realidade, reaproximando o Exército do povo que ele deve defender.
Esperamos que as medidas propostas por Flávio Dino sejam apenas o início de um amplo e inadiável debate a esse respeito.
Com informações da Agência Brasil
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