Lula chamou ontem (25) o ex-presidente Michel Temer de golpista. A declaração, com ampla repercussão na imprensa e redes sociais, foi feita durante uma entrevista coletiva em Montevidéu, no Uruguai, por ocasião da visita do presidente ao país vizinho. Ao lado do presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, Lula declarou:
“O Brasil não tinha mais fome quando eu deixei a Presidência da República e hoje tem 33 milhões de pessoas passando fome. Significa que quase tudo que nós fizemos de benefício social no meu país, em 13 anos de governo, foi destruído em seis anos, ou melhor, em sete anos; três do golpista Michel Temer e quatro do governo Bolsonaro”, afirmou o petista.
Essa não é a primeira vez que Lula se refere ao impeachmet de Dilma Rousseff como golpe. A tese já foi publicizada várias vezes em comícios e entrevistas e até mesmo em documentos oficiais do governo, como comunicados de posse de secretários. Na segunda-feira (23), durante sua passagem por Buenos Aires, na Argentina, ao lado do presidente do país, Alberto Fernández, e do ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, Lula havia dito: “Vocês sabem que depois de um momento auspicioso, quando governamos de 2003 a 2016, houve um golpe de Estado e derrubou a companheira Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidente da República no Brasil”.
O golpista, claro, reagiu. Em nota oficial publicada em sua conta no twitter, Michel Temer tentou dar lição de moral e fazer ironia com o caso: “Mesmo tendo vencido as eleições para cuidar do futuro do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor, agora tentando reescrever a história por meio de narrativas ideológicas”.
Ou seja, para Temer, um processo de impeachment totalmente político e viciado, sem direito à ampla defesa, com linchamento virtual na imprensa e redes sociais, com áudios vazados e provas forjadas, é “narrativa ideológica”. Talvez Temer não se lembre que a verdadeira narrativa ideológica foi feita nas centenas de declarações durante a votação do impeachment, com homenagens às famílias dos deputados, a Deus e até ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, no tristemente memorável voto de Bolsonaro.
A maior prova de que o processo contra Dilma foi forjado é que a própria Justiça a inocentou recentemente. Em 25 de março de 2022 o Tribunal Regional Federal da 2ª Região extinguiu por unanimidade uma ação popular movida contra Dilma em 2016 pedindo que ela reembolsasse os cofres públicos pelos supostos prejuízos causados pelas assim chamadas “pedaladas fiscais”.
“A 7ª Turma Especializada decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação de Dilma Vana Rousseff, reformando integralmente a sentença atacada para extinguir o feito sem resolução do mérito”, afirma o despacho do colegiado.
A decisão foi tomada em uma ação de recurso movida por Dilma contra a sentença da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que em 2020 condenou a ex-presidente a indenizar a União. O mérito não foi analisado, uma vez que se constatou que as manobras fiscais realizadas pelo governo Dilma não causaram qualquer prejuízo à União e que não havia, portanto, nada nem ninguém para indenizar. Em uma palavra, Dilma sempre foi inocente e isso agora está estabelecido juridicamente.
Chamar as coisas pelo seu nome – golpe de golpe, fascismo de fascismo, genocídio de genocídio – não é viver no passado, nem construir narrativas ideológicas. Ao contrário, é lutar pela justiça histórica, pela reparação e pela verdade. É assim que sempre deveríamos agir como nação. Mas isso, infelizmente, aconteceu muito poucas vezes em nossa história. Na maioria dos casos, prevaleceram o silêncio e o esquecimento, que em nada contribuem para a construção de um país mais justo. Argentina e Uruguai, países nos quais Lula fez suas declarações, condenaram seus militares golpistas e hoje estão em uma situação muito melhor do que o Brasil em termos de defesa da democracia.
Chamar as coisas pelo seu nome – golpe de golpe, fascismo de fascismo, genocídio de genocídio – não é viver no passado, nem construir narrativas ideológicas. Ao contrário, é lutar pela justiça histórica, pela reparação e pela verdade.
Assim, ao chamar o golpista Michel Temer de golpista, Lula não poderia estar mais coberto de razão. O que se espera agora é que o novo governo leve às últimas consequências essa declaração e acabe de uma vez por todas e para sempre com o legado do golpe. É preciso revogar as contrarreformas de Temer e Bolsonaro, principalmente a Reforma Trabalhista, que acabou com direitos históricos dos trabalhadores, e a Reforma da Previdência, que destruiu o futuro das atuais gerações. A derrota da ditadura militar em 1985 resultou em uma série de conquistas sociais e políticas muito importantes. Isso foi decisivo para angariar apoio popular ao novo regime. A derrota do fascismo em 2022 precisa resultar em ainda mais avanços.
Esqueçamos o mercado e suas crises nervosas. É preciso cumprir as promessas de campanha, consolidar o apoio da maioria esmagadora da população ao governo para enterrar o fascismo de vez e reconstruir o Brasil. E tudo começa por reconhecer que sim, foi golpe!
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