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BRASIL

“Condomínio de lata”

Por Graziela Oliveira, de Esteio (RS)
Graziela Oliveira

O “condomínio de lata”, foi o nome dado por uma reportagem publicada num jornal de grande circulação na região metropolitana de Porto Alegre- RS, para noticiar a entrega de casas moldadas a partir de contêineres metálicos, que sempre foram utilizados para o transporte de cargas.

Aproximadamente cinco anos atrás, surge nas redes sociais o anúncio da entrega de casas containers no município de Esteio/RS, para famílias que estavam em área de risco ou de forma irregular, como loteamentos clandestinos e ocupações. Na hora me causou uma certa estranheza, visto ser uma proposta que confrontava as ideias das casas de madeira, que até então, eram as que utilizavam para essas urgências.

Moradia em containers? Ao longo da história do Brasil, foram necessárias políticas efetivas de habitação, faço um recorte no que ocorreu, por exemplo, a partir de 14 de maio de 1888 quando após a Lei Aurea, fica explicito a condição dada aos escravizados, um momento histórico que costumamos demarcar como o início das favelas e periferias do país. Lugares em que até os dias atuais sofrem com abandono do poder público, muitas vezes sem qualquer infraestrutura digna para sobrevivência. É um modelo de segregação urbana. Tenho acordo com as ideias de Maricato (2003), que diz que a segregação urbana é aquela que resulta da implantação de empreendimentos distantes dos centros urbanos, resultando na dificuldade de acesso aos serviços básicos e à infraestrutura urbana e trazendo consigo menos oportunidades de emprego, menor possibilidade de profissionalização, aumento do risco de exposição à violência, discriminação, difícil acesso ao lazer, dentre outras consequências.

A ausência de políticas públicas na época, nos colocou na posição de refletir o que é feito com as pessoas hoje, a ponto de acreditarmos que uma casa de lata dá garantias de um direito social básico. O direito à moradia é assegurado no art. 6º da Constituição Federal (BRASIL, 1988, p. 6), que afirma serem direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. É importante registrar que foi somente em meados dos anos 80 e 90 que as políticas para habitação começaram a viabilizar a regularização de loteamentos e moradias clandestinas, assim como garantir ações para as pessoas que se encontram em situação de risco.

Após 2019, infelizmente testemunhamos o afundamento das políticas públicas de habitação, exemplo disso, foi o fechamento do Ministério da cidade. Com o aumento da crise econômica, o elevado número de pessoas desempregadas e a própria diminuição de investimento público em habitação só torna maior o número de déficit que hoje está em torno de 7.78 milhões de domicílios segundo a Fundação Getúlio Vargas (2019).

Programas como Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o de Aceleração do Crescimento (PAC), foram ignorados pelo Governo Federal, o mesmo aconteceu com a regularização fundiária, que é um dos instrumentos de acesso a moradia digna que abarca um conjunto de procedimentos jurídicos e administrativos, na busca de garantir condições de moradia e a infraestrutura adequada. Moradia em containers seria uma estrutura adequada?

O caso do Centro de Treinamento (CT) do Flamengo, no ninho do urubu em 2019, deve servir como referência para nossas reflexões, pois 10 jovens com idade entre 14 e 16 anos morreram. Os atletas moravam num alojamento de container, e a causa foi um curto-circuito em um dos ares condicionados que, por fim, acabou dando curto circuito nos demais pontos, eram seis containers interligados que serviam como dormitórios.

Um outro exemplo é o próprio “condomínio de lata”, em que moradores ao longo desses anos vem denunciando a forma insalubre que vivem. Os relatos versam na dificuldade de lidar com altas temperaturas, além das descargas elétricas que ocorrem com frequência em função da moradia ser de lata, e a presença cotidiana de ratazanas nas paredes internas das casas moldadas, em contêineres metálicos. A casa container, oferecida pelo poder público de Esteio, não é um lugar digno de moradia, containers não são casas, são caixas de lata utilizados para transporte de cargas.

Faço um destaque as denúncias da comunidade, pois ao ler as manchetes dos jornais, as reportagens e entrevistas, tudo parece ser maravilhoso, mas quando temos o tempo, a convivência e as situações do cotidiano conseguimos mensurar os riscos e a forma insalubre que essas pessoas vivem. Reafirmo, não são coisas/objetos, mas sim pessoas.

O “condomínio de lata” é formado com “casas” contêineres modulares galvanizados, acoplados lateralmente, formando um ambiente de 27,6m² que somente o banheiro é uma área privada, pois não há divisórias internas, todos vivem juntos e misturados, inclusive com a cozinha.

Para a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional, são moradias sem condições de serem habitadas, pelo fato de serem precárias, são aquelas em que existe coabitação familiar forçada, habitação não digna, notadamente por também não atender aos sete elementos do direito à habitação digna elencados no Comentário Geral nº 4 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O elemento habitabilidade diz que a habitação adequada deve ser habitável, em termos de prover os habitantes com espaço adequado e protegê-los do frio, umidade, calor, chuva, vento ou outras ameaças à saúde, riscos estruturais e riscos de doença.

Estamos mais uma vez no verão, e diversas familiais seguirão passando por situações de não habitabilidade, visto que é nesse período de alta temperatura, que ocorrem os maiores riscos como as descargas elétricas, as ratazanas e o calor. O “condomínio de lata” está sendo bom para quem?

Enfim, o adensamento domiciliar, os serviços de saneamento e as condições habitacionais, de forma alguma podem ser desconsideradas pelo poder público que possuem o compromisso de executar as políticas públicas, investindo no que for necessário para o direito à habitação digna.