Desde há pouco mais de um mês que a luta pela defesa e valorização da Escola Pública, tem “dominado” não apenas o quotidiano “mediático”, mas principalmente e ainda bem, uma parte do nosso próprio quotidiano, de todes quantes vivem e trabalham em Portugal. Não tem (e ainda bem também), sido a única luta por melhores condições de trabalho e de vida, inclusivamente durante este pouco mais de um mês, mas tem sido seguramente a mais crescentemente forte e massificada.
Não pretendo contudo, fazer neste pequeno singelo contributo uma súmula das reivindicações da classe dos trabalhadores e trabalhadoras da Educação em Portugal, docentes e não docentes, o mesmo é dizer professoras/es e auxiliares, e que já vem de há vários anos e com vários momentos de grande mobilização. Não é esse o meu intuito, pois não sendo eu professor nem auxiliar (embora conheça de “perto” a realidade em causa), julgo que outres poderão nesse sentido dar um contributo mais conhecedor porventura das suas próprias, e justas reivindicações. Não, o que pretendo é sim alertar em primeiro lugar, em segundo “desconstruir” e em terceiro lugar e tão importante quanto os dois anteriores pontos, contribuir para a saída ao “beco sem saída” que a classe patronal, que é nada mais nada menos que o Governo neste caso, pretende usar para tentar encurralar esta luta, atacando desde logo o direito à greve.
Ora diz o ministro da Educação João Costa, referindo-se especificamente à greve por tempo indeterminado convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP) que existem “fortes indícios” de que a mesma viola a lei no que diz respeito àquilo que o próprio refere como “recurso ao fundo de greve”, chegando mesmo a colocar como possibilidade o recurso a “serviços mínimos”, justificando assim o parecer que o ministério por si tutelado solicitou ao IGEC (Instituto-Geral de Educação e Ciência). Isto além de não descartar o uso de “nenhum instrumento legal”.
É de destacar a forma e o momento que João Costa escolheu para “explicar” ao público em geral o parecer solicitado, ou seja, numa conferência de imprensa que teve lugar na passada 6ª feira dia 13 (1), exactamente na véspera da manifestação do passado sábado em Lisboa, também convocada e organizada pelo STOP. Isto quando o próprio refere que a suposta “violação” se trata disso mesmo, uma suposição, visto que “indícios fortes” não são certezas, justificando ainda o facto de não ter avançado com o decretar de serviços “mínimos”, por lá está, não existir qualquer decisão quanto ao parecer solicitado ao IGEC. Além disso, refere ainda o ministro que o recurso à greve tem “regras definidas”, desde logo quanto à sua “previsibilidade”, tendo ainda utilizado em anteriores ocasiões, nomeadamente em declarações à Comunicação Social, expressões como greve “atípica, desproporcional e radical”.
Talvez alguém do Governo, ou mesmo do Ministério da Educação e já agora o IGEC (assim espero) devesse “esclarecer” o ministro do que diz a lei no Código do Trabalho (2) em relação ao direito à greve – “A greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores.” (ponto 1 do artigo 530º do Código do Trabalho), competindo “aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve.” (ponto 2 do mesmo artigo 530º), sendo o direito à mesma “irrenunciável” (ponto 3 e último do referido artigo 530º). É bastante claro ainda quando logo no artigo seguinte e logo no seu ponto 1 indica – “O recurso à greve é decidido por associações sindicais.” Daqui se pode concluir em primeiro lugar que não cabe em momento algum ao empregador, no caso, o Ministério da Educação fazer afirmações sem ter certeza da “decisão do parecer”, sobre “desproporcionalidade” ou “previsibilidade” desta ou qualquer outra greve. E já agora sublinhar quanto à “previsibilidade” que a “entidade que decida o recurso à greve deve “dirigir ao empregador, ou à associação de empregadores, e ao ministério responsável pela área laboral um aviso com a antecedência mínima de cinco dias úteis ou, em situação referida no n.º 1 do artigo 537.º (isto é, se for sector que esteja abrangido pela necessidade de serviços mínimos), 10 dias úteis” Sobre os “serviços mínimos” o Código do Trabalho é também bastante claro na sua definição de quais os sectores que estão sujeitos a tal necessidade/obrigatoriedade
(ponto 2 do artigo 537º);
“a) Correios e telecomunicações;
b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades
essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de
camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e
a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e
descargas;
i) Transporte e segurança de valores monetários.”
Penso que este “copy paste” da lei em vigor, sublinho lei em vigor, ilustra bem a realidade, já para não mencionar o (não há outra palavra para o caracterizar) ridículo que seria decretar serviços “mínimos” nas Escolas. Como seriam feitos? Num dia decretava-se que 30%, 40%, o que fosse de professores, teria de ir ao primeiro tempo? Quais as aulas/disciplinas? E nos tempos lectivos e dias seguintes? Num dia os serviços “mínimos” prejudicavam determinados alunos/as para no dia seguinte “compensá- los/as” com aulas abrangidas pelos tais serviços? E quanto aos e às trabalhadoras não docentes, pessoas que na sua larga maioria passam toda a sua vida de trabalho a receber o SMN? Então nesse caso a questão impõe-se – não são valorizados/as durante toda a sua vida de trabalho, mas o seu trabalho para não fechar Escolas, afinal já seria uma “necessidade social impreterível”? Então, paguem a essas pessoas como tal, que não é mais do que o que merecem!
Quanto ao recurso ao “fundo de greve”, é importante que alguém esclareça o sr. Ministro, não só são legais, como a associação sindical sendo representante dos trabalhadores/as, pode recorrer a esse “fundo” se existir, pois é exactamente esse o seu objectivo. Algo que aliás o ponto 1 do artigo 405º do Código do Trabalho explica quanto à independência que as estruturas sindicais estão obrigadas, seja do “Estado, de partidos políticos, de instituições religiosas ou associações de outra natureza, sendo proibidos qualquer ingerência destes na sua organização e gestão, bem como o seu recíproco financiamento.” O mesmo é dizer, não existindo financiamento externo, e sendo o sindicato, qualquer que seja, representante dos trabalhadores, “pode usar o fundo de greve para compensar os e as trabalhadoras em luta” (3).
Mas tudo isto é apenas “ilustrativo” para duma forma “legalista” se desconstruir os argumentos dados pelo Ministério da Educação através do seu ministro, bem como de vários outros representantes do Governo. Se quiserem, uma forma de “armar” quem está em luta com argumentos teóricos mas em vigor na lei, para “desarmar” o verdadeiro objectivo que está por detrás destas ameaças do ministro da Educação. E o objectivo é, só pode ser face às evidências aqui descritas, e que qualquer pessoa pode facilmente pesquisar e confirmar à velocidade de “teclar” num motor de busca na internet, o de tentar lançar a confusão na opinião pública usando os meios de comunicação ao seu dispor, para uma vez (se) conseguido esse objectivo, tornar impopular e portanto, mais dificil a justa luta dos e das trabalhadoras da Educação e Escola Pública.
A mobilização massiva conforme se comprovou mais uma vez na gigantesca manifestação deste passado Sábado (e apoio da população em geral, inclusive mães e pais, que também são pessoas que vivem do seu trabalho e portanto, sabem bem o que custa a vida), bem como no primeiro dia da greve por distritos convocada pela Fenprof junto com outros sete sindicatos, dá-nos alento para estarmos confiantes que a união de todas estas e estes trabalhadores está forte. Mas o ataque que se esboça do vindo do Governo usando de todos os meios ao seu dispor, desde logo os meios jurídico-legais, “moldando-os” à medida dos seus interesses e objectivos, em completa ruptura com a defesa dos interesses do povo trabalhador, ameaça abrir um precedente gravíssimo para toda a classe trabalhadora e logicamente para os seus e suas representantes.
Para fazer face a este ataque, além da união da “base”, é necessário que a unidade de acção seja uma realidade, pois aquilo que hoje poderá vir a afectar “uns”, irá afectar outros amanhã. E no dia depois de amanhã, afectará todes. Até porque a unidade de acção que é tão “clara” nas reivindicações, é ela mesmo um desejo que a base, aqueles e aquelas trabalhadoras que são pessoas de carne e osso, expressam e necessitam. Saibamos ouvi-las!
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