Há muita gente nas redes sociais dizendo que a ação bolsonarista de ontem (08) foi um “tiro no pé”, que agora virá a repressão dos seus líderes e tudo se acalmará. É cedo ainda para pensar assim. O fato de que a situação em Brasília foi normalizada e que os terroristas bolsonaristas foram expulsos dos prédios públicos ocupados e depredados não deve nos tranquilizar. Em primeiro lugar, porque o estrago foi enorme: obras de arte, móveis, vidraças, documentos, equipamentos. Em segundo lugar, porque não há nenhuma garantia de punição dos responsáveis. Em terceiro, porque, até certa medida, a ação bolsonarista foi bem sucedida e prepara novas iniciativas por parte desse movimento. O bolsonarismo fez um primeiro exercício, acumulou musculatura e voltará mais forte, não mais fraco.
Pode ser que o gado que serviu de bucha de canhão para a ação de ontem pensasse mesmo em tomar o poder, impedir o funcionamento dos três poderes ou algo assim. Mas os chefes do movimento não tinham tal pretensão. Eles ainda não querem aplicar um golpe de verdade. Ainda. Sabem que não há, hoje, correlação de forças para tal. Seu objetivo se insere numa perspectiva de longo prazo: criar uma situação de tensionamento permanente, caos permanente, crise permanente, de maneira a intensificar e prolongar o desgaste do governo, que, sabem, pode se lento. Trabalham em perspectiva estratégica. Querem criar um muro inexpurgável e sólido no interior das forças armadas e outras estruturas de Estado. Além disso, desejam consolidar na sociedade uma fração golpista que está em permanente luta contra o regime democrático, independentemente da conjuntura política. Querem uma guarda pretoriana. Estão construindo capital político, acumulando forças, normalizando as ações terroristas como uma jogada aceitável no cenário político nacional, para aplicá-las em larga escala depois.
A prova de que a ação de ontem pode ser considerada uma vitória tática do bolsonarismo dentro de uma luta estratégica é a própria situação dos Estados Unidos e o assalto ao Capitólio em 06 de janeiro de 2021. Trump certamente não conseguiu impedir a posse de Biden, mas não se enfraqueceu com a tentativa de invasão. Ao contrário, tem se fortalecido cada vez mais. Não houve a “onda vermelha” (republicana) esperada nas últimas eleições parlamentares, mas ainda assim a maioria na Câmara dos Deputados foi conquistada. Além disso, a ala trumpista do Partido Republicano conseguiu adiar por 13 rodadas a eleição do presidente da Câmara, ligado ao setor mais moderado do partido. Trump está com a corda toda, extremamente ativo, dando abrigo a Bolsonaro em seu resort na Flórida, e é candidatíssimo a presidente nas próximas eleições. Com o evidente desgaste de Biden, é o favorito a ocupar a Casa Branca a partir de 2024.
Pois o bolsonarismo começou ontem sua jornada para retornar ao poder. E foi uma ação bem-sucedida.
Em primeiro lugar, foi bem organizada. Centenas de ônibus saíram de distintas regiões do país rumo a Brasília e não foram parados ao longo da estrada, apesar de se saber a que vinham. Isso demonstra o grau de articulação entre o movimento bolsonarista e as PM’s dos Estados, bem como com a PRF e outras forças policiais.
Em segundo lugar, como dito acima, foi uma ação pensada estrategicamente. Bolsonaro não está disputando um segundo turno. Não precisa contemplar os setores mais moderados da população. Ao contrário, precisa manter suas redes sociais ativas, excitadas pelo ódio e pelo delírio fascista. Precisa dos mais radicais agora para conquistar os moderados muito depois. Sabe contar o tempo. O que ele quer neste momento é exatamente o que ele obteve: uma grande ação exemplar, algo para ficar na memória política de seus seguidores.
Em terceiro lugar, Bolsonaro se precaveu muito bem das consequências. Diferente de Trump, que se expôs tremendamente no episódio do Capitólio com tweets enfurecidos e ligações telefônicas totalmente descuidadas, Bolsonaro teve a inteligência de sair do país e não incentivar diretamente a invasão. Por isso, será muito difícil para a Justiça individualizar suas ações, de maneira produzir alguma prova contra ele.
Impedir o jogo estratégico de Bolsonaro passa, claro, pela punição dos culpados. É preciso decretar a prisão do governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha, do agora ex-secretário de Justiça do DF Anderson Torres (aliás, filiado ao União Brasil, partido de direita com três ministérios no governo) e do comandante da PM do Distrito Federal Coronel Fábio Augusto, que permitiu que suas tropas escoltassem os criminosos em segurança até o local do crime. E claro, prisão e perseguição às centenas de bolsonaristas que foram e serão identificados nos próximos dias como participantes dos atos de destruição. Por fim, é preciso decretar a prisão do próprio Bolsonaro.
Mas não só. A Justiça pode condenar os bolsonaristas mais descuidados, mas não nos dará a derrota do bolsonarismo em si. Para tanto, é preciso mobilização de massas, ocupar as ruas, enfrentar fisicamente o bolsonarismo onde for possível. Dentro de poucas horas ocorrerão atos em defesa da democracia em várias capitais. É um primeiro passo. É hora do movimento de massas e da esquerda irem para a rua e também pensarem estrategicamente.
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