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BRASIL

Primeira reunião ministerial de Lula dá início de fato à gestão

Henrique Canary, de São Paulo (SP)
Lula na reunião ministerial
Ricardo Stuckert

Ocorreu ontem (06) a primeira reunião ministerial do governo Lula. Tradicionalmente, o encontro serve para “dar partida na gestão”, passar diretrizes gerais e orientar os novos ministros sobre aspectos legais e de coordenação de suas atividades. 

Em primeiro lugar, o que mais salta aos olhos é: que diferença com o show de horrores promovido por Bolsonaro e seu séquito em abril de 2020, quando a reunião ministerial realizada no meio da pandemia foi marcada por socos na mesa, palavrões, confissões de crimes e ameaças! Dessa vez, pessoas civilizadas se reuniram e discutiram seus assuntos normalmente, o que já pode ser considerado um ganho para o país. A reunião começou pela manhã e se estendeu até o início da tarde. Todos os ministros participaram.

Em um discurso de abertura de cerca de 15 minutos, Lula falou dos desafios gerais do governo e como ele vê a relação entre o Planalto e o Congresso. Disse que a tarefa é árdua, mas nobre, e conclamou a todos os titulares das pastas a estabelecerem uma relação amistosa e objetiva com deputados e senadores: “É preciso que a gente saiba que é o Congresso que nos ajuda. Nós não mandamos no Congresso, nós dependemos do Congresso e por isso cada ministro tem que ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado, cada deputada, cada senador, cada senadora que o buscar”, afirmou. E em seguida: “Não tem veto ideológico para conversar e não tem assunto proibido em se tratando de coisas boas para o povo brasileiro. Então, eu quero que vocês saibam que vocês contem comigo, porque eu tenho consciência que não é o Lira que precisa de mim, é o governo que precisa da boa vontade da presidência da Câmara. Não é o Pacheco que precisa de mim, é o governo que precisa de um bom relacionamento com o Senado. E assim nós vamos governar esses quatro anos”.

Um dos poucos temas específicos tocados por Lula foi a questão ambiental, em particular sua relação com a agricultura. Segundo Lula, o novo governo vai respeitar os “empresários de verdade” do agronegócio, que sabem da “necessidade da produção sem precisar ofender ou adentrar a Floresta Amazônica ou qualquer bioma”. Ainda nesse tema, Lula foi além e afirmou: “Aqueles que quiserem teimar e continuar desrespeitando a lei, invadindo o que não pode ser invadido, usando agrotóxico que não pode ser usado, esse a força da lei imperará sobre eles e nós vamos exigir que a lei seja cumprida. Porque neste país tudo vale. A única coisa que não vale é o cidadão bandido achar que pode desrespeitar a boa vontade da sociedade brasileira, a nossa Constituição e a nossa legislação”.

Os distintos ruídos surgidos ao longo da semana com ministros (por exemplo, as declarações do ministro da Previdência Carlos Lupi sobre a necessidade de rever os efeitos da contrarreforma da Previdência) ou entre ministros (por exemplo, a polêmica velada entre a ministra da igualdade racial Anielle Franco e Simone Tebet, que afirmou não encontrar mulheres negras para cargos em seu ministério) não foram tratados de maneira específica. O único assunto sensível que acabou entrando na pauta de maneira bastante indireta foi o problema da corrupção. Lula afirmou que nenhum ministro será deixado no meio da estrada, mas alertou: “Quem fizer errado, sabe que tem só um jeito, a pessoa será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo e, se cometeu algo grave, a pessoa terá que se colocar diante das investigações e da própria Justiça”. 

A declaração de Lula, claro, não foi direcionada a nenhum ministro em específico e deve ser considerada um recado geral. No entanto, é interessante observar que ela se dá depois de uma semana em que houve um relativo desgaste envolvendo a ministra do Turismo Daniela Carneiro (União Brasil), também conhecida como Daniela do Waguinho, por ser esposa de Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, atual prefeito de Belfort Roxo (RJ) e apoiador de Lula nas últimas eleições. Várias reportagens publicadas nessa semana apontam para uma suposta relação da ministra com um ex-militar acusado de ser integrante de uma milícia com atuação na cidade de Belford Roxo. Em 2018, Juracy Alves Prudêncio, hoje condenado por homicídio, fez campanha ao lado de Daniela Carneiro. O caso se complica ainda mais porque a relação de Juracy com a milícia foi revelada pela famosa CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, presidida na época por Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur, ou seja, subordinado de Daniela Carneiro. Ao longo da semana, o ministro da Casa Civil Rui Costa  e a própria assessoria de Daniela Carneiro deram diversas declarações à imprensa, afirmando que o assunto não preocupa o governo, já que é comum receber todo tipo de apoio durante uma campanha eleitoral.  

É verdade que não há provas de envolvimento e ninguém deve ser condenado de antemão. Ainda assim, o caso todo demonstra o nível de problemas que se cria quando se dá para um partido tradicional da direita como o União Brasil nada menos do que três ministérios, tudo em nome da governabilidade.

De qualquer forma, a primeira reunião ministerial do governo Lula cumpriu o seu papel de dar início ao trabalho concreto de cada uma das 37 pastas. Há muito trabalho pela frente. E também haverá luta porque haverá resistência do lado de lá. Agora é preciso avançar no cumprimento dos compromissos de campanha, principalmente a maior de todas as promessas: mudar de verdade o Brasil.