Nesta quarta, 21 de dezembro, a vereadora de Belo Horizonte, Iza Lourença (PSOL), ajuizou Ação Popular no Ministério Público pedindo a suspensão do processo de privatização da subsidiária mineira da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU-MG), em leilão marcado para esta quinta-feira, 22 de dezembro, com lance inicial estipulado em pouco mais de R$19 milhões. Cada trem da CBTU vale, em média, R$20 milhões.
Ao lado do Sindimetro, sindicato da categoria, Iza Lourença, que também é metroviária, está em diálogo com a equipe de transição do governo federal desde sua constituição, e vem articulando a suspensão do leilão do metrô para permitir que o projeto seja mais amplamente debatido com a sociedade, a categoria e que fique de acordo com as diretrizes do governo federal eleito, que é contra privatizações. O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que havia sinalizado concordância com o adiamento do leilão, voltou atrás após pressão do governador de Minas Gerais, Romeu Zema.
Privatização
O leilão do metrô de BH vai alienar integralmente as ações do Veículo de Desestatização MG Investimentos S.A. (VDMG), empresa criada especificamente para este fim, associada à concessão do serviço público de transporte metroferroviário de passageiros na Região Metropolitana de Belo Horizonte, pelo estado de Minas Gerais, incluindo a Linha 1 (Novo Eldorado-Vilarinho) e a Linha 2 (Nova Suíça-Barreiro).
A previsão de conclusão do processo, sua homologação e assinatura do contrato com a empresa ou consórcio eventualmente vencedor do certame está marcada para 2023, já durante o mandato do novo governo federal eleito.
Correria e inconsistências
Iza Lourença explica a fragilidade de realizar um processo complexo de desestatização de empresas públicas de maneira acelerada. Para Iza, o projeto do leilão e da organização da prestação do serviço como um todo foi elaborado com um calendário acelerado e repentino, em um cenário tumultuado – o processo foi iniciado no meio do período eleitoral para ser finalizado em poucos meses – e com diversas irregularidades. A vereadora destaca que as inconsistências do projeto ameaçam o resultado final esperado, os valores arrecadados no leilão, além de criar risco jurídico e comprometer a prestação do serviço essencial de transporte na região metropolitana de Belo Horizonte.
“São vários os motivos que justificam a suspensão deste leilão que está sendo realizado às pressas. Além do corre-corre para vender tudo antes que o próximo presidente, que é declaradamente contra privatizações, assuma, querem vender nosso metrô a ‘preço de banana’. Segundo a proposta de privatização, a empresa vencedora do leilão vai receber R$3,72 bilhões de verba pública, ao longo dos 30 anos de contrato, ou seja, um valor mais de mil vezes superior ao estipulado como lance mínimo no leilão de amanhã. Isso não é somente ilegal, como também imoral”, reforça a parlamentar.
Iza ainda questiona a origem do dinheiro a ser entregue para a empresa vencedora. Dos R$3,72 bilhões que serão pagos pelo poder público para a iniciativa privada, R$2,8 bilhões virão do governo federal e R$427 milhões do governo de Minas. Este recurso do estado é proveniente do termo de reparação assinado com a Vale em decorrência do rompimento da barragem de Brumadinho, que será recebido pela empresa vencedora do leilão já no primeiro momento, para ser usado no primeiro ano de concessão.
Ilegalidades
Mais um dos destaques de Iza Lourença nas irregularidades do projeto de privatização da CBTU-MG está no calendário, que delega as responsabilidades fiscais e assinatura do contrato para a próxima gestão federal. A homologação do leilão e a transferência do seu objeto estão marcados para 26 de janeiro de 2023. Essa agenda viola a previsão ordinária da Lei de Responsabilidade Fiscal que veda, ao gestor, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dos dois últimos quadrimestres de gestão, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte, sem que haja previsão orçamentária e disponibilidade suficiente de caixa.
“É possível que a próxima gestão do Governo Federal não consiga cumprir esta obrigação sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal”, pondera Iza. A vereadora ainda sublinha o desvio de finalidade do uso da indenização da Vale pelos crimes socioambientais de Brumadinho. Ainda tramita no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais uma representação que pede que se constate o desvio de finalidade.
Além disso, ainda existe a possibilidade de o leilão ser suspenso por uma das causas mais comuns, a arrematação por preço vil, que é quando a avaliação de um bem não está atualizada, ou está muito abaixo do valor médio de mercado, o que pode acarretar na anulação do arremate, já que a alienação de um bem público deveria resultar em aumento de liquidez nos cofres públicos.
Trabalhadores desprotegidos
Além de todas as irregularidades citadas, a vereadora Iza Lourença questiona qual será o futuro dos trabalhadores da CBTU caso o processo de finalização avance. “Os trabalhadores da CBTU não foram consultados ou tiveram seus direitos protegidos neste processo de privatização. Não há medidas previstas para evitar dispensas em massa ou garantir aposentadoria. Esses trabalhadores são concursados, têm direito à estabilidade e outros benefícios trabalhistas que estão ameaçados”, reforça.
A proposta de desestatização apenas define um período de estabilidade de 12 meses, e não indica quem será responsável pelos custos de rescisões contratuais, nem qual órgão complementará o fundo de pensão dos trabalhadores, em que atualmente contribuem empresa e empregados, cada parte com uma parcela mensal de 50%.
Além da suspensão do leilão, a ação ainda pede que a CBTU se manifeste sobre a situação dos trabalhadores, que seguem em greve pela garantia do direito ao transporte em Belo Horizonte e Contagem.
Tribunal de Contas recomenda suspensão
Diante do cenário tumultuado, calendário apressado e indícios de inconsistências, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais analisou a proposta de desestatização, desde a fase interna do procedimento licitatório até a sua homologação e assinatura do contrato de concessão, e concluiu, na última semana, a Ação de Fiscalização recomendando a suspensão do leilão.
O TCE-MG considerou a “existência de riscos significativos à sustentabilidade da concessão associados, sobretudo, à provável necessidade de reestabelecimento, pelo Poder Concedente, do equilíbrio econômico financeiro do contrato decorrente desses arranjos, bem como considerados eventuais impactos destes eventos para a regularidade e sustentabilidade da concessão”.
O Tribunal de Contas ainda apontou a inobservância das normas de finanças públicas e possível incapacidade financeira do poder público de arcar com os custos futuros do projeto. Para o TCE, há risco de dano ao erário e de interrupção do serviço de transporte, o que também geraria responsabilização dos gestores no futuro.
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