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Como derrotaremos o fascismo?

Carro com soldados
Scarlett Rocha

Gabriel Casoni

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP), é professor de sociologia, mestre em História Econômica pela USP e faz parte da coordenação nacional da Resistência, corrente interna do PSOL.

Quem, na esquerda, não lutou contra o golpe parlamentar em 2016 e contra a prisão de Lula em 2018; quem não compreendeu o perigo do fascismo com o estabelecimento do governo Bolsonaro em 2019 e do bolsonarismo enquanto movimento e organização de massas; e, em função disso, não entendeu a importância da campanha pela eleição de Lula desde o primeiro turno, fez tudo errado nos últimos seis anos.

A vitória de Lula abre perspectivas melhores, pois derrubou nas urnas o governo de extrema direita. Mas os perigos são imensos. Bolsonaro perdeu no voto por pouco, mas o neofascismo segue vivo como uma poderosa força política e social enraizada e ativa. Bolsonaro sofreu uma importante derrota política, ao perder a presidência, mas ela foi parcial. Se não for esmagado no próximo período, poderá voltar com mais força. O perigo maior, o do fascismo, ainda nos espreita.

Decorre dessa leitura da realidade, o compromisso primeiro de seguir e avançar na luta frontal contra o fascismo nas ruas, no parlamento, em todos os espaços. Diante dos ataques e ameaças golpistas da extrema direita, o direito de Lula governar precisa ser defendido de forma contundente, sem vacilação — nesse sentido, a manifestação popular na posse de Lula em 1o janeiro precisa ter com destaque o eixo antifascista. Assim como precisa ser defendida, com prioridade, a implementação de tudo aquilo de progressivo que foi prometido por Lula na campanha, a começar pelos compromissos sociais emergenciais (aumento do Bolsa Família e do salário mínimo, mais verbas para saúde e educação públicas, investimentos para geração de empregos, entre outros pontos).

É preciso unidade de ação com Lula em todo enfrentamento concreto que houver contra o bolsonarismo. Mas essa necessária unidade na luta contra o fascismo é muito diferente de aderir politicamente ao governo de frente ampla que tomará posse, ocupando ou não cargos no executivo.

Há várias formas de adesão política a um governo. Existe a mais comprometida, que é quando se assume cargos no executivo. Mas também há aquela baseada no apoio político de fora, sem a ocupação de posições governamentais.

Considero um equívoco estratégico eventual adesão política por parte da esquerda socialista ao governo, mesmo sem cargos. O governo que assumirá em janeiro terá em sua composição forças burguesas e da direita, tanto nos ministérios, como em sua base de sustentação no parlamento. Esses setores certamente serão obstáculos à implementação de uma agenda de mudanças progressistas. Um exemplo concreto: José Múcio, que será o ministro da Defesa, declarou dias atrás que Bolsonaro é um democrata. Múcio, bem relacionado com os generais de extrema direita, não trabalhará para desbolsonarizar as Forças Armadas. Se for desse modo, o ninho de conspiração golpista entre os militares seguirá ativo e blindado.

A conciliação de classes, ao longo da história, nunca entregou vitórias estratégicas, ao contrário. O perigo principal reside no fato de que, em função de compromissos e alianças com esses setores de direita e da grande burguesia e também pela pressão à direta exercida mercado financeiro, o governo eleito venha a frustrar as expectativas de mudanças e de melhora das condições de vida do povo trabalhador, o que abriria caminho para o avanço do golpismo bolsonarista, que será oposição de extrema direita. É preciso atuar firmemente para que isso não aconteça. Entregar o que foi prometido ao povo nas eleições é a medida mais eficaz para enfraquecer o bolsonarismo politicamente no curto prazo.

Em termos estratégicos, o principal antídoto aos perigos à direita existentes na realidade brasileira — do golpismo bolsonarista às chantagens do grande capital — é a construção da mobilização direta e da organização dos debaixo pelas suas reivindicações mais sentidas. É do avanço das lutas e da organização dos explorados e oprimidos, e não da concertação com o andar de cima, que virá a possibilidade de esmagar o fascismo brasileiro e de abrir condições na relação de forças às mudanças estruturais à esquerda. Contribuir para isso, concentrar seus esforços nessa perspectiva, é o que, me parece, deve ser o centro da estratégia da esquerda socialista no próximo período. A vitória sobre o fascismo virá da luta de classe, e não da conciliação de classes.

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Bolsonaro / fascismo