Nota da redação: Segundo informações da imprensa israelense de sexta-feira, 25/11/22, foi confirmado pelo acordo da nova coalizão que governará Israel que Itamar Ben Gvir será nomeado como Ministro da Segurança Nacional. Este cargo, além de suas funções anteriores, incorporará o comando da Polícia de Fronteiras da Cisjordânia, uma força de 2 mil homens fortemente armados, regularmente responsáveis pela repressão brutal aos palestinos neste território ocupado.
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A coalizão de extrema-direita continuará a oprimir os palestinos, desprezando como nunca a censura mundial
Foi realmente uma grande surpresa acordar na manhã de 2 de novembro e descobrir que o governo israelense e a Knesset (Parlamento) seriam dirigidos daqui em frente por uma maioria dominante de judeus religiosos nacionalistas, de sionistas e de figuras políticas radicais que preconizaram previamente políticas oficiais de limpeza étnica de atirar para matar contra os palestinos?
Um deles deverá se tornar ministro da Segurança pública, ao passo que outros ocuparão ministérios-chave no interior do governo. Isso não deveria ser uma surpresa: Israel está indo para a direita há duas décadas e essa coalizão quase ganhou as eleições anteriores. Portanto, não é tão chocante vê-la no poder daqui para diante. No entanto, uma questão merece ser colocada: em que medida o resultado dessas eleições mudará Israel?
Com uma clara maioria na Knesset e um firme controle sobre o poder executivo, essa nova-velha elite política continuará a fazer tudo o que os governos precedentes fizeram durante os últimos 74 anos, mas com ainda mais entusiasmo, determinação e desprezo em relação às condenações internacionais.
Ela provavelmente começará por estender a judaização da Cisjordânia ocupada e da Grande Jerusalém, aumentar a atividade militar em 2022, que está a ponto de ser tornar um ano excepcionalmente mortal para os palestinos. Desde o começo de 2022, as forças israelenses e os colonos mataram mais de 130 palestinos, entre eles mais de 30 crianças, na Cisjordânia ocupada.
O novo governo israelense certamente intensificará as visitas provocativas de personalidades políticas judaicas ao complexo da Mesquita al-Aqsa. Podemos também esperar uma escalada nas demolições de casas, nas prisões sem processo legal e também que os colonos justiceiros tenham carta branca para semear a destruição à vontade.
Repressão da identidade palestina
Sabe-se menos em que direção irá a política dessa nova elite com relação à Faixa de Gaza. Desde 2008, a política de Israel para Gaza é tão criminosa e desumana que é difícil imaginar o que poderia ser pior que um cerco, um bloqueio e episódios de bombardeios aéreos brutais sobre uma população civil.
Da mesma forma, é difícil prever as políticas do novo governo em relação aos palestinos em Israel. De acordo com a lei sobre o Estado Nacional de 2018, Israel oficializou seu estatuto de Estado de apartheid. Imaginamos que, assim como na Cisjordânia ocupada, a situação poderia continuar quase a mesma ou inclusive pior. Observaremos, provavelmente um desprezo contínuo pelo aumento da criminalidade [nas áreas de maioria palestina nas fronteiras de Israel de 1948], assim como políticas mais restritivas quanto às reformas de casas nas zonas rurais palestinas
Podemos esperar igualmente o prosseguimento da repressão de qualquer tentativa coletiva palestina de expressar a identidade da minoria nacional dentro de Israel- seja tremulando as bandeiras palestinas nas universidades, recordando a Nakba ou de qualquer outra forma expressando a rica herança cultural dessa comunidade.
Em resumo, tudo leva a crer que a aparência de democracia que subsiste [em Israel] desaparecerá sob o novo regime.
No entanto, apesar da mudança em grande escala das percepções mundiais sobre Israel no decorrer dos últimos anos – que se traduziu na descrição do país como um Estado de apartheid por parte dos grupos de defesa dos direitos humanos de grande destaque, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, bem como a disposição da Corte Internacional de Justiça de discutir a descolonização da Cisjordânia ocupada–, parece existir uma relutância geral em reconhecer a possibilidade de que exista um racismo judaico, da mesma forma em que existe racismo cristão, muçulmano ou budista.
Uma ideologia perigosa
Repentinamente, a resolução 3379 da Assembleia Geral das Nações Unidas (adotada em 1975 e depois revogada), que assimila o sionismo ao racismo, não parece mais ser uma declaração desligada das realidades e complexidades observadas em Israel e na Palestina. Os estados-membros africanos e árabes que impulsionaram a resolução deram provas de clarividência ao designar o racismo como o principal perigo que acompanha o sionismo como ideologia de Estado– não somente para os palestinos, mas também para a região de conjunto.
A desaparição da esquerda sionista nestas eleições pode também ser facilmente compreendida ao se observar a profundidade e amplitude do racismo no interior da sociedade israelense, em particular entre os jovens. Como filho de judeus alemães que escaparam do racismo alemão nos anos 1930, que atualmente o estuda como adulto, estou profundamente chocado por esta imagem de uma sociedade hipnotizada por um racismo e que o transmite para a geração seguinte.
As comunidades judaicas reconhecerão esta realidade ou continuarão a ignorá-la? Os governos ocidentais, e em particular a administração americana, reconhecerão ou ignorarão essa tendência? O mundo árabe, que começou um processo de normalização com Israel, julgará que essa evolução não lhe diz respeito, na medida em que os interesses fundamentais desses regimes não são afetados?
Não tenho respostas a essas questões. Do ponto de vista militante não é de fato necessário responder a elas. É mais conveniente fazer tudo que seja possível para que um dia respondamos de uma forma que possa salvar tanto os palestinos como os judeus de um destino desastroso, e que também possa impedir que Israel nos leve a um precipício, cuja borda nunca esteve tão visível.
– Ilan Pappé é professor de História, diretor do Centro Europeu de Estudos sobre a Palestina e codiretor do Centro de Estudos etno-políticos de Exeter, na Universidade de Exeter, na Inglaterra.
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