Mercado quer impor estelionato eleitoral

Editorial Esquerda Online
Ricardo Stuckert

Democraticamente, a população brasileira definiu nas urnas o novo presidente. Lula foi eleito apresentando propostas para combater a fome, a pobreza e o desemprego. O povo trabalhador espera que os compromissos feitos na campanha sejam cumpridos pelo novo governo. Mas o mercado financeiro, com o auxílio da grande mídia, quer o oposto.

Por meio do terrorismo econômico, atua para impor o programa que foi rejeitado pela maioria nas urnas. Grandes especuladores jogam a Bolsa para baixo e o dólar para cima para criar um ambiente de pânico econômico. O objetivo é emparedar Lula, obrigando-o a recuar. Querem que o presidente eleito cometa estelionato eleitoral, isto é, o descumprimento das promessas de campanha. Lula corretamente está enfrentando, até aqui, a chantagem dos parasitas financeiros. Ceder seria um erro.

Quem é o tal mercado e o que ele quer? 

O chamado “mercado” é constituído pelo conjunto de compradores e vendedores de ações na Bolsa e de títulos de dívidas públicas e privadas, entre outros papéis financeiros. Há mais de quatro milhões de investidores na Bolsa de Valores brasileira. A esmagadora maioria deles é composta por pequenos acionistas. Porém, são os grandes detentores de capital financeiro que de fato determinam os movimentos principais da Bolsa, da dívida pública e da moeda. São os bancos, fundos de investimentos e os bilionários que realmente decidem o jogo no mercado financeiro.

Esse punhado de mega especuladores são os responsáveis pela queda da Bolsa e alta do dólar nas últimas semanas. O objetivo desse movimento é duplo. Primeiro, e o mais importante, visa manter os fundamentos da política econômica neoliberal e os privilégios absurdos que irrigam o patrimônio dos grandes capitalistas financeiros, que mal pagam imposto no país.

Em segundo lugar, há a intenção mais puramente especulativa: os grandes investidores (chamados no mercado de tubarões) derrubam os preços dos papéis, prejudicando os pequenos (conhecidos como sardinhas), que vendem em manada seus títulos na baixa. Os grandes, depois da operação especulativa, compram os papéis desvalorizados esperando uma nova alta para realizar lucros extraordinários. Como ocorre na natureza, as sardinhas viram comida de tubarão. Assim funciona o “mercado”, que em sua maioria apoiou Bolsonaro nas eleições. Nem mesmo os pequenos investidores são poupados da voracidade da Faria Lima.

Para ficarem cada vez mais ricos nesse jogo obsceno, os grandes capitalistas não se importam com a fome de 33 milhões de brasileiros, os baixos salários e a falta de empregos. Não querem que o governo gaste mais com os pobres e a educação e a saúde públicas. Não querem que a Petrobrás e os bancos estatais diminuam o pagamento de dividendos para realizar investimentos produtivos que geram empregos e desenvolvimento. Não querem pagar imposto nem mesmo sobre a retirada de dividendos e lucros. Em suma, atuam para que a farra que os beneficia continue; se possível, com cada vez mais facilidades.

A defesa cínica do Teto de Gastos, que Bolsonaro e Guedes já furaram em mais de R$ 700 bilhões em quatro anos, serve apenas para esconder os interesses de quem se enriquece com a especulação, parasitando a riqueza produzida pela classe trabalhadora. Os economistas de mercado, tão prestigiados pela grande mídia, são os porta-vozes oficiais dos tubarões do mercado financeiro.

Os “aliados” de direita são traiçoeiros

A força fundamental que garantiu a eleição de Lula veio do povo trabalhador e pobre e da esquerda e movimentos sociais organizados. Vale especial destaque ao papel de vanguarda exercido pelas pessoas negras, mulheres, LGBTIs e indígenas. Sem o voto das camadas mais oprimidas e empobrecidas da classe trabalhadora e sem a mobilização nas ruas das pessoas de esquerda, sobretudo no segundo turno, não teria sido possível a apertada vitória sobre Jair Bolsonaro. Mas é preciso admitir que setores de direita apoiaram Lula e que, provavelmente, alguns de seus representantes assumirão cargos no novo governo.

Essas forças de direita estão nesse momento, junto com os tubarões do mercado, pressionado Lula para ceder na política econômica. Simone Tebet, por exemplo, deu razão aos economistas Armínio Fraga, Pedro Malan e Edmar Bacha. Eles cobraram, por meio de uma carta pública,  “responsabilidade fiscal” de Lula, reforçando as críticas às declarações do presidente eleito em que ele ressalta a prioridade dos compromissos sociais em detrimento dos interesses do capital financeiro.

Vale lembrar que esses economistas do mercado declararam apoio a Lula no segundo turno. Mas agora, nem bem terminou a eleição, já estão ameaçando com o caos econômico caso o governo eleito não siga a cartilha do “deus” mercado.

Cumprir as promessas com o povo é a principal arma para enfraquecer o fascismo 

Lula foi eleito prometendo melhorar a vida do trabalhador, com especial atenção aos mais pobres. Compromissos concretos foram feitos. Bolsa Família de R$ 600 com mais R$ 150 por criança. Aumento real do salário mínimo. Criação de empregos por meio de investimentos produtivos. Mais verbas para educação, saúde e moradia. Isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Revogação de todas maldades da Reforma Trabalhista. Fim das privatizações; entre outras propostas.

Entregar ao povo essas promessas emergenciais é a forma mais eficaz para enfraquecer a oposição bolsonarista, que não perderá oportunidade de desestabilizar o governo. Importa ressaltar que o fascismo no Brasil adquiriu influência de massas e enorme capacidade de mobilização. Além disso, conta com robusto financiamento empresarial, como podemos ver  nas ações golpistas de bloqueios de estrada e acampamentos em frente a quartéis militares. Subestimá-lo seria um erro imperdoável.

Um eventual cenário de frustração social com o governo, pelo descumprimento de promessas eleitorais, seria prato cheio para o bolsonarismo partir para uma ofensiva política contra Lula. Isso não pode ser permitido de forma alguma.

Portanto, é fundamental que o governo não abra mão do enfrentamento ao neoliberalismo. O Teto de Gasto precisa ser enterrado de vez para que haja recursos para as áreas sociais e para o desenvolvimento econômico com geração de empregos de qualidade. A PEC da Transição, embora não represente a morte definitiva do Teto e do ordenamento neoliberal vigente, é progressiva na medida em que libera recursos para o atendimento de parte das promessas eleitorais de Lula. É vital garantir em 2023 o Bolsa Família ampliado, o Farmácia Popular, a merenda escolar de qualidade, a construção de moradias populares, o reajuste real do salário mínimo, entre outros investimentos essenciais.

A esquerda, os movimentos sociais e os sindicatos devem dar prioridade à mobilização nas ruas e ao trabalho de base, de modo a fortalecer as pautas progressivas que o mercado financeiro e o bolsonarismo visam derrotar. Organizar um grande ato popular na posse de Lula em Brasília, em primeiro de janeiro, é um primeiro e importante passo nesse sentido.