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MUNDO

LGBTfobia, escravidão, misoginia e a Copa do Mundo no Catar: cartão vermelho para o maior evento do futebol mundial em um dos países que mais viola direitos humanos

Carlos Wellington Soares Martins*
Países europeus aderiram à campanha "One Love", pela causa LGBTQIAP+
Federação Alemã de Futebol

Qualquer análise que seja feita sobre a sociedade capitalista deve-se considerar que a mesma teve sua formação, e solidificação, em uma base estrutural que é generificada, racializada e sexualizada e que estes aspectos se expressam em diferentes contornos nas formações sociais, ou seja, a superação da sociedade de classes e a eliminação da exploração por meio da luta anticapitalista não pode abrir mão do combate às opressões.

Racismo, misoginia e LGBTfobia são expressões desta sociedade e permeiam todas as esferas de sociabilidade, inclusive os campos de futebol onde são cada vez mais recorrentes os casos de xingamentos a jogadores negros, assédio a jogadores LGBT para que não assumam suas orientações sexuais e identidade de gênero, agressões a árbitras e mulheres bandeirinhas e o pouco investimento no futebol feminino revelam essa face preconceituosa no esporte futebolístico.

Antes de mais nada é preciso enfatizar que a realização do evento em si não prima nenhum tipo de congregação em escala planetária e que sendo realizada pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) que é uma entidade com fins lucrativos, portanto uma empresa, com objetivos e metas muito bem estabelecidos, fica evidente que a preocupação da FIFA não é com os direitos humanos, mas sim gerar lucro. Ou seja, comprando a camisa da Comissão Brasileira de Futebol (CBF), associada a FIFA, você não estará sendo patriota, mas sim um mero consumidor de um produto.

Apesar de inúmeras críticas a escolha do país sede da Copa do Mundo 2022, o Catar, a FIFA não abriu mão que o maior evento de futebol mundial ocorresse em um país que é conhecido pelas inúmeras violações aos direitos humanos.  O Catar é um dos 70 países que criminaliza a homossexualidade, onde, segundo a Anistia Internacional o país aplica penas de até sete anos de prisão referentes aos crimes nos artigos 285 e 296 de seu código penal. As mulheres sofrem discriminação e ainda são regidas por um sistema de tutela, semelhante a um tipo de pertencimento a familiares (pais, irmãos, tios) e qualquer decisão de suas vidas devem passar pelos tutores antes.

Enquanto alguns países a exploração da classe trabalhadora é ocultada por uma ideologia de meritocracia e por um Estado de Bem-Estar Social consolidado, a maioria dos países do Golfo Pérsico e Emirados Árabes não tem o mínimo pudor em escancarar suas diferenças e deixar elas muito bem estabelecidas e visíveis entre quem faz parte da burguesia e o restante do mundo, e tudo isso, é claro, com a exploração de uma mão-de-obra pauperizada e escravizada, sendo ela em sua maioria de migrantes de países periféricos e sul-asiáticos, com denúncias de mortes de trabalhadores e trabalhadoras em especial para entrega dos portentosos estádios que foram construídos para a copa.

Algumas seleções como as da Inglaterra e da Dinamarca divulgaram que usariam camisas e braçadeiras com mensagem pró-direitos humanos, o que prontamente foi censurado pela FIFA com ameaças de sanções as seleções que ousassem se manifestar de alguma forma, e com informações de desistência do ato por algumas delas. Resta saber quem serão os corajosos, que se alardeiam pró-direitos humanos na mídia e redes sociais que furarão a censura. Da seleção brasileira pouca esperança há nesse sentido, grande parte dela declarou voto em Bolsonaro, e sua figura maior Neymar, inclusive, fez campanha para o candidato que foi considerado um dos maiores chefe de estado que violaram direitos humanos em sua gestão.

Por outro lado, e como a história tem mostrado, as mulheres saem na frente nas lutas sociais, sem medo de ser feliz a ex zagueira da Seleção Britânica de Futebol Americano, Alex Scott, que integra o grupo de comentaristas da BBC ousou e usou a braçadeira pró-LGBT sem se importar com algum tipo de retaliação. Por outro lado a escalação das artistas Deborah Secco e Jojo Todynho, que já declararam não entender muito de futebol, para serem comentaristas da Copa pelo conglomerado midiático da Globo, insistem em utilizar mulheres como alívio cômico em detrimento da escalação de profissionais mulheres que dominam a pauta futebolística muito bem e que poderiam contribuir, inclusive, para a quebra de estereótipos em relação a futebol e mulheres.

Cantoras como Shakira e Dua Lipa (ambas com um grande público LGBT que consomem suas produções) recusaram convites para cantar e se apresentar na abertura dos jogos em decorrência do histórico LGBTfóbico do Catar. Fica cada vez mais difícil cair no canto da sereia de discursos de representatividade e apropriação de pautas identitárias como fez a FIFA na abertura da Copa com o ator Morgan Freeman, que já deu declarações polêmicas acerca das pautas do movimento negro se retratando posteriormente, e o influenciador digital e empresário Ghanim Al Muftah, que é uma pessoa com deficiência, tudo isso em uma tentativa (fracassada) da copa soar diversa e inclusiva em uma país que não respeita a diversidade. 

O Catar declarou que seria “tolerante” com LGBTs, mas a máscara não demorou a cair, temos convicção que as lutas sociais se fazem nas ruas, mas se elas podem ser potencializadas em outros espaços isso é muito salutar e os campos de futebol agregam multidões que poderiam ser sensibilizadas no que tange o combate as opressões.

Carlos Wellington Soares Martins é bibliotecário, professor, pesquisador, ativista LGBTI+ e da Resistência PSOL/MA