Uma greve geral ocorreu na Bélgica neste 9 de novembro de 2022, pela segunda vez no ano1. As lojas e o conjunto do comércio, o setor produtivo e os setores de serviço como os hospitais, escolas, o transporte público, fecharam. Ao chamado dos sindicatos, a classe trabalhadora parou contra o aumento do preço da energia e do custo de vida. O país funcionou parcialmente. Um delegado sindical entrevistado resumiu assim a situação: “As contas não param de subir para todos, mas precisamos de energia para aquecer, iluminar e transportar. O custo da energia deve permanecer acessível, o que já não é o caso hoje em dia.”
As duas principais centrais sindicais (CSC e FGTB)2, em uma frente única sindical, chamaram protestos pelo poder de compra em queda, contra a alta dos preços da energia e o bloqueio dos salários. No setor da educação, a maioria das escolas e universidades ficaram fechadas. No setor do transporte público, a rede ferroviária nacional, a SNCB, ficou paralisada em um 75%, e só prestou um serviço mínimo. No aeroporto internacional de Bruxelas, 70% dos trabalhadores pararam e mais da metade dos voos foram cancelados. O aeroporto de Charleroi, principal centro continental da empresa de voos low-cost Ryanair, ficou fechado todo o dia. Várias redes de ônibus estiveram paralisadas. Na região sul do país, grandes empresas do setor industrial, como a companhia petroquímica Total, pararam e os trabalhadores bloquearam a entrada das fábricas. Em Bruxelas, os sindicatos preferiram realizar mais “piquetes” em vez de organizar uma grande marcha. Os sindicatos ocuparam o espaço público, uma das maiores greves em 30 anos, com mais mobilização que quando da reforma previdenciária, segundo Daniel Richard, dirigente sindical da FGTB.
O setor das pequenas empresas denunciou que estão com grandes dificuldades, com a alta dos preços do transporte. Padarias, açougues, o setor de pequenos restaurantes e varejistas independentes ou franqueados estão enfrentando um aumento vertiginoso em suas contas de energia, multiplicadas por 4, 5 ou 6! Para não falar do aumento horroroso do preço dos bens de consumo (+12% em outubro de 2022). Os belgas reduziram seu consumo de eletricidade em 10% em outubro em comparação com o consumo do mesmo mês nos últimos cinco anos. Entretanto, as grandes empresas de energia como a Total, a GSK, a Engie Electrabel, obtiveram lucros bilionários. Inúmeros testemunhos de cidadãos nas redes sociais denunciam que a situação “não é mais suportável”. O descontentamento é nacional.
A secretária-geral do sindicato CSC, Maria Helena Ska, comenta “A verdadeira medida, a que protege, é o congelamento dos preços da energia e dos preços dos bens de primeira necessidade.” Nas palavras do secretário federal da FGTB, Thierry Bodson: “A tarifa social (de eletricidade) deve também ser automatizada e expandida aos rendimentos acima do limite máximo. Os superlucros das empresas de energia e de todas as outras empresas que estão enriquecendo com a crise devem ser dirigidos para a comunidade e não para os acionistas. A riqueza deve ser compartilhada porque os bônus pontuais não são a solução. A lei sobre a norma salarial deve ser revista. A compensação por deslocamentos diários do domicílio ao trabalho e viagens deve ser melhorada”.3 Outras questões que os sindicatos cobram ao governo, incluem um aumento dos benefícios sociais que devem estar acima da linha de pobreza, a liberdade de negociar aumentos salariais além da indexação salarial automática pelo índice de inflação.
Na Bélgica, a lei de norma salarial (lei de 1996) que fixa os salários das categorias é muito restritiva e torna quase impossível, nas negociações nacionais com os patrões, conseguir aumento salarial, porque estabelece critérios comparativos com os salários europeus. Em 2019, o padrão salarial fixado pelo governo para 2021 e 2022 foi de um aumento de apenas 0,4%, deixando os salários congelados. No entanto, existe uma lei de reajuste automático dos salários a cada 2 anos, quando a inflação for superior a 2%, considerada insuficiente.
O governo atual representa uma coalizão federal, resultante da emergência da crise sanitária, que se encontra dilacerada por suas diferenças e demonstrou nos últimos meses que pode produzir pouco mais do que acordos minimalistas. O mais correto é congelar os preços, mas este governo está longe disso. Duas medidas foram anunciadas para o início de janeiro de 2023: uma reposição salarial com o mecanismo do reajuste automático pela inflação e uma tarifa social (eletricidade) para os mais pobres. Essas medidas são consideradas totalmente insuficientes. Na melhor das hipóteses, a indexação automática oferecerá um aumento salarial de cerca de 10 %. Muito pouco para muitos, quando se sabe que a inflação passou de dois dígitos. O discurso patronal se limita em reafirmar que a competitividade das empresas já está ameaçada pelos custos de energia. O primeiro-ministro belga Alexander De Croo convidou os sindicatos a “mostrar alguma empatia com os patrões que pagam” estas contas.
Desta vez, as mobilizações foram relativamente calmas e simbólicas mas os sindicatos advertem que na ausência de medidas fortes voltadas para os cidadãos mais vulneráveis, o descontentamento popular vai aumentar e as mobilizações podem crescer.
A precariedade ronda a Europa
Os preços da energia aumentaram muito na Europa como no resto do mundo, devido à crise energética e à guerra na Ucrânia que perturbam a venda do gás da Rússia para a Europa. O continente europeu está à beira do inverno e as pessoas precisam de mais energia para resistir à queda das temperaturas. Para muitos europeus, as condições de vida se deterioraram em 2022. Na zona do euro, a inflação se acelerou ainda mais em outubro, estabelecendo um novo recorde (+10,7% anual), impulsionada pelo contínuo aumento dos preços da energia (+41,9%). Os preços dos alimentos, do tabaco e do álcool subiram 13,1%.4
De acordo com o estudo do instituto de pesquisas Ipsos5 realizado entre 6.000 indivíduos com 18 anos ou mais de seis países (Alemanha, França, Grécia, Itália, Polônia e Reino Unido), um europeu em cada quatro se considera em situação precária. Devido a uma “situação financeira difícil”, 62% dos europeus já restringiram suas viagens e 47% já desistiram de aquecer suas casas apesar do frio. 29% dessas pessoas também deixaram de fazer uma refeição quando estavam com fome. No total, 27% dos entrevistados disseram estar em uma situação precária. Detalhando: 51% dos gregos se sentem inseguros, em comparação com 24% dos franceses e 18% dos alemães. As famílias são particularmente afetadas: quase a metade dos pais entrevistados já desistiu de inscrever seus filhos em uma atividade extracurricular e 33% dizem que nem sempre são capazes de dar a seus filhos uma dieta variada. Na Grécia, segundo a mesma pesquisa, 76% dos pais reconhecem se privar de atividades de lazer e 48% de comida, para “proporcionar boas condições de vida” para seus filhos.
Na semana passada, além da Bélgica, houve protestos em Paris e Londres, onde o transporte foi severamente interrompido. Na Grécia, no mesmo dia 9 de novembro, houve uma greve nacional, afetando os serviços públicos e as empresas. Vinte mil manifestantes protestaram em Atenas, duas vezes mais manifestantes do que durante uma mobilização em abril, de acordo com números da polícia. Houve confrontos entre a polícia e manifestantes. Não houve transporte marítimo entre o continente e as ilhas, devido à participação do sindicato dos marítimos (PNO) na greve, a segunda desde o início do ano contra a queda do poder aquisitivo. A inflação ultrapassou a marca de 10% nos últimos seis meses e os preços do gás mais que quadruplicaram (+332%). Segundo informe da Agência France Presse6, o governo do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis anunciou um pacote de ajuda de 5,5 bilhões de euros que inclui um subsídio de 250 euros para 2,3 milhões de pessoas vulneráveis em dezembro e um aumento no subsídio de moradia para estudantes. Mas os sindicatos acreditam que essas ajudas fazem parte da campanha “pré-eleitoral” do partido conservador governista, oito meses antes das eleições gerais e insistem em aumentos salariais, não em subsídios.
Na França, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) convocou greves e manifestações, somando-se a uma longa jornada de mobilização no transporte público parisiense – metrô e a rede expressa regional (RER).
No Reino Unido, o foco foi um grande sindicato de enfermeiras, o Royal College of Nursing, que convocou a primeira greve nacional em mais de um século de existência. Os condutores do metrô de Londres também estiveram mobilizados.
As ruas da velha Europa repercutiram a revolta dos trabalhadores pela queda do poder aquisitivo em meio à inflação crescente. “O alto custo de vida é intolerável”, “São os assalariados que pagam o alto custo de vida”, “Exigimos mais salários e proteção social para todos”, podia-se ler nas faixas dos trabalhadores gregos. O descontentamento popular vai aumentar. Novas mobilizações se aproximam.
NOTAS
1 Uma primeira greve interprofissional se realizou no dia 29 de março de 2022.
2 CSC: Confederação de Sindicatos Cristãos; FGTB : Federação Geral do Trabalho da Bélgica.
3 https://www.fgtb.be/greve-generale-du-9-novembre-argumentaire
4 https://www.bilan.ch/story/les-rues-europeennes-semplissent-de-colere-569239043931
5 https://www.secourspopulaire.fr/16e-barometre-de-la-pauvrete-ipsos-secours-populaire-0
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