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EDITORIAL

Primeiras medidas do governo Lula devem cumprir propostas de campanha

Editorial
Lula no fundo eleições
Ricardo Stuckert

Apesar da imensa vitória que significou a eleição de Lula, não devemos perder de vista que o bolsonarismo conseguiu ganhar para sua candidatura quase metade da população brasileira, além de ter conquistado maior peso de parlamentares no Congresso e um peso importante entre governadores e deputados estaduais (além do peso que já tinha entre prefeitos). Representantes importantes do fascismo, como Nikolas Ferreira e Hamilton Mourão já adiantaram qual será sua postura durante os próximos quatro anos de governo Lula: oposição intransigente, “não deixar passar nada”, segundo suas próprias palavras. Isso quer dizer que o governo Lula, para ter qualquer viabilidade política, precisa ampliar sua base social, retirando do fascismo o apoio que este tem hoje entre as classes médias e uma parte importante dos trabalhadores. É preciso mudar a relação de forças na sociedade para que não seja possível a oposição fascista inviabilizar o governo, e muito menos derrubá-lo (o que será seu objetivo estratégico desde o primeiro dia). Dentro disso, entra a discussão sobre a PEC da Transição e as primeiras medidas do futuro governo.

A “mão invisível do mercado” já começou a reagir à PEC, criticando o furo no teto de gastos e a introdução de novos investimentos sociais no orçamento de 2023 via Constituição. Para o mercado, sobretudo o financeiro, a PEC é ruim porque uma das soluções pensadas para o financiamento das novas despesas seria a taxação de lucros e dividendos, o que apavora até a alma a Faria Lima.

Para o novo governo Lula, no entanto, a adoção de medidas progressivas, de cunho social, a começar pelo primeiro dia de governo, é uma questão de vida ou morte. É preciso desde o início cumprir as promessas mais importantes feitas ao longo do segundo turno e que ajudaram Lula a obter a vitória.

A manutenção do Auxílio Brasil (ou Bolsa Família) de R$ 600 com acréscimo de R$ 150 por criança de até 6 anos vacinada e na escola ajudaria em muito a ampliação da base de apoio do governo, demonstrando aos mais pobres que Lula é sério em sua intenção de liquidar a barbárie social que vive o país. Além disso, é uma medida efetivamente essencial para a vida de mais de 33 milhões de pessoas que passam fome hoje no Brasil.

A isenção do imposto de renda para salários de até R$ 5.000 permitiria ao novo governo avançar sobre uma parcela importante da classe média, que majoritariamente apoiou o fascismo nas últimas eleições. Fazem parte desse contingente também os trabalhadores mais qualificados dos ramos mais pesados e importantes da indústria e dos serviços, considerados muitas vezes “formadores de opinião”. Ganhar esse setor para uma nova proposta de país seria um importante passo na estabilização do novo governo. Além disso, é um fato que a classe média foi penalizada nas últimas décadas e teve que bancar em grande medida a redistribuição de renda, mesmo nos antigos governos petistas, enquanto as parcelas mais privilegiadas da população não tiveram seus ganhos afetados em nada.

Uma nova política ambiental, que tenha como estratégia o desmatamento zero e a recuperação das áreas degradadas projetaria o Brasil no cenário internacional sob uma nova luz, radicalmente distinta da imagem de pária internacional que assumimos nos últimos quatro anos. Mas não só. A defesa do meio ambiente é, também, a defesa das pessoas, sobretudo das populações tradicionais que tiveram seu modo de vida afetado pela devastação ambiental promovida pelo fascismo. A urgência climática exige que essa seja uma das primeiras medidas do novo governo.

Retomar a política de aumento real do salário mínimo. Isso colocaria o debate sobre a defesa do governo entre os setores mais explorados da classe trabalhadora, base fundamental responsável pela vitória de Lula. A volta da política de aumento real seria, além disso, um importante motor do desenvolvimento econômico, que permitirá ao governo investir e atuar em outras áreas decisivas, como saúde, educação, moradia, transporte e segurança.

Além do cumprimento das promessas sociais, medidas políticas também precisam ser tomadas. Elas teriam por objetivo começar a desbolsonarização do Estado brasileiro. A anulação do sigilo de 100 anos para os documentos do governo Bolsonaro já no primeiro dia de mandato, conforme prometido em campanha, seria apenas o primeiro passo de uma série de medidas necessárias voltadas à democratização do Estado. É preciso mostrar ao povo brasileiro e ao mundo as atrocidades cometidas pelo atual governo. E se a publicação do sigilo revelar qualquer crime dos bolsonaristas, esses crimes precisam ser investigados e os responsáveis punidos.

Por todo e em qualquer ângulo que se olhe, fica evidente que a aliança fundamental de Lula deve ser com o povo pobre e periférico que o elegeu. Ele é também a única força social capaz de vencer definitivamente o fascismo, desde que saiba conquistar a hegemonia sobre o conjunto da sociedade. Mas para isso, o governo Lula deverá demonstrar a que veio, quem representa e aonde quer chegar. Tudo isso começa com as primeiras medidas do governo.

A aliança da esquerda e dos movimentos sociais que foi decisiva para alcançar a vitória de Lula deve convocar a classe trabalhadora e os setores populares a manter o estado de alerta permanente contra ações golpistas, garantir a posse dia 1 de janeiro e as condições para que se cumpra as primeiras medidas anunciadas e todas as propostas com as quais se comprometeu. Nossa tarefa central é a mobilização nas ruas, nas fábricas, nas universidades e nos territórios defendendo o futuro governo dos ataques fascistas lutando pelo atendimento das pautas das maiorias populares.

In english: The first actions of the Lula government must begin to fulfill the campaign promises