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BRASIL

PRF é apenas a ponta do iceberg: é preciso desbolsonarizar o Estado brasileiro

Henrique Canary, de São Paulo, SP
Jair Bolsonaro e Silvinei Vasques
Reprodução

A Polícia Rodoviária Federal voltou com força aos noticiários nos últimos dias. Primeiro, foi a escandalosa atuação da instituição no dia da eleição, quando mais de 500 operações de fiscalização foram realizadas no país, principalmente na região nordeste, visando prejudicar o acesso de eleitores aos locais de votação. Apesar da determinação de Alexandre de Moraes de proibir esse tipo de operação e dos avisos feitos pelo presidente do TSE ao diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, as operações de intimidação e atraso de eleitores foram realizadas pelo menos até o início da tarde do dia 30, quando então um encontro presencial entre Moraes e Vasques pôs fim ao impasse. Apesar do grande prejuízo causado a milhares de eleitores, Alexandre de Moraes preferiu colocar panos quentes no assunto, e logo fez uma declaração afirmando que as operações não haviam prejudicado ninguém, que não havia qualquer motivo para punição e que o pleito seguiria normalmente. Silvinei Vasques entendeu o recado: podia cometer crimes contra a democracia que nada lhe aconteceria.

E foi o que se deu. Com a derrota de Bolsonaro nas urnas, caminhoneiros de todo o país, alucinados pelas fake news dos grupos de whats app, começaram bloqueios de estradas em diversas regiões, exigindo intervenção militar e o não reconhecimento do resultado eleitoral. Novamente, a Polícia Rodoviária Federal assumiu uma posição golpista e antidemocrática. Começaram a circular pela internet dezenas de vídeos com a colaboração entre policiais rodoviários e caminhoneiros golpistas: “Estamos com vocês”, “Quais são as suas orientações?”, “Precisamos aguentar por mais 72 horas”. Essas são algumas das falas de policiais rodoviários aos supostos manifestantes registradas nos vídeos que circulam pela rede. Um verdadeiro conluio entre uma força armada que deveria ser uma instituição de Estado e fanáticos bolsonaristas que querem o caos e a destruição do país.

Para quem não se lembra, a Polícia Rodoviária Federal já havia sido motivo de debate nacional quando Genivaldo de Jesus, de 38 anos, foi morto em uma câmara de gás improvisada no porta-malas de uma viatura da PRF em Umbaúba (SE) no dia 25 de maio por dirigir uma moto sem capacete e supostamente resistir à abordagem.

Infelizmente, a Polícia Rodoviária Federal é apenas a ponta do iceberg. O estrago feito pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos no aparelho de Estado foi grande e demandará tempo, vontade e esforço político para ser revertido. As instituições de Estado estão infestadas de bolsonaristas, que, ao invés de aplicar uma política de Estado, defendem as ideias estapafúrdias do führer brasileiro em ministérios, agências, forças armadas, estatais e fundações.

Nesse sentido, o desafio de Lula será enorme. Não basta fazer “nomeações técnicas” para os órgãos de Estado. Isso é correto, mas insuficiente. É preciso uma radical democratização desses mesmos órgãos de Estado, com mecanismos transparentes de eleição, controle público e social e estrito cumprimento das obrigações legais por parte dessas instituições. O pior erro que Lula pode cometer é tentar contemporizar, “não mexer em vespeiro”. Ao contrário, é preciso desbolsonarizar o Estado brasileiro até a raiz, demitindo ou aposentando toda a horda de fascistas que penetrou no Estado nos últimos quatro anos e que agora vai tentar passar desapercebida para sobreviver em seus postos. É preciso renovar os quadros de todas as instituições de Estado com concursos públicos democráticos, cotas raciais e sociais e prestação de contas à sociedade. Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Agência Brasileira de Inteligência, Itamaraty, Ministério Público, enfim, todo o Estado brasileiro necessita de uma profunda reforma democratizadora. Não se trata de forma alguma de aparelhamento, mas ao contrário: de mecanismos que evitem o aparelhamento.

Quando se fala em reforma do Estado, a única coisa que a burguesia brasileira consegue pensar é privatização e desregulamentação. Nós, socialistas, também precisamos defender uma reforma de Estado, mas que se oponha pelo vértice à privataria desenfreada que embala os sonhos da Faria Lima. 

Nesse sentido, é positiva a declaração de Lula feita em seu discurso de vitória de que quer trazer de volta as conferências nacionais. Trata-se de um importante mecanismo participativo para a elaboração de políticas e metas em várias áreas de atuação do Estado. Mas ainda é pouco. Precisamos de conselhos de desenvolvimento de políticas, formados pela sociedade civil, com forte representação dos explorados e oprimidos, além do orçamento participativo, como foi prometido por Lula durante a campanha. É preciso estar abertos e atentos. Não temos respostas prontas. Em tempos de reconstrução, pensemos juntos as formas. Queremos comida na mesa. Essa é a demanda mais urgente, mas não é a única porque não queremos que as conquistas de hoje sejam destruídas por um novo governo fascista amanhã. Precisamos de garantias de controle. De conteúdo, queremos que o Estado seja do povo, coisa que nunca foi.