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BRASIL

SP: Tarcisio segue enrolado no caso do assassinato em Paraisópolis

Henrique Canary, de São Paulo, SP
Fabio Pozzebom/Agência Brasil

O candidato do bolsonarismo ao governo de São Paulo, Tarcisio de Freitas, segue enrolado no caso do assassinato em Paraisópolis. Depois de afirmar com todas as letras que o tiroteio ocorrido na comunidade da zona sul de São Paulo no dia 17 de outubro era um “atentado” à sua vida, Tarcisio voltou atrás e qualificou o episódio como “ataque do crime”, sem qualquer motivação política. Tarcisio parece ter desistido de explorar o caso eleitoralmente, talvez porque tenha mais a esconder do que se pensava até então.

Nesta quarta-feira, 26, o portal The Intercept publicou interessante reportagem que complica ainda mais a situação de Tarcisio e de sua equipe de segurança, responsável pela morte de um homem desarmado no incidente.

Segundo o site, quatro testemunhas da comunidade deram uma versão totalmente diferente daquela apresentada pela equipe de segurança de Tarcisio. Em primeiro lugar, o candidato bolsonarista não foi convidado à inauguração do polo universitário em Paraisópolis. Ao contrário, desde o início, a presença do ex-ministro da Infraestrutura e de sua equipe causou enorme desconforto nos organizadores do evento e convidados. Isso aconteceu porque, segundo os relatos, a equipe de segurança de Tarcisio teria agido com truculência e arrogância, inspecionando exaustivamente o local antes da chegada de Tarcisio e posicionando homens à paisana armados em lugares estratégicos de acesso ao evento.

A movimentação da equipe de Tarcísio chamou a atenção dos moradores da favela. Foi nesse momento que Felipe da Silva Lima, de 28 anos, acompanhado de outro jovem de nome Rafael, teriam se aproximado de moto dos agentes de segurança de Tarcisio e dito que eles não eram bem-vindos ali. Depois disso, homens ligados ao tráfico teriam aparecido com armas nas imediações do evento. Logo em seguida, os agentes que faziam a segurança de Tarcisio atiraram contra Felipe, atingindo-o com um tiro no peito.

O problema todo reside no fato de que nenhuma arma supostamente pertencente a Felipe foi encontrada na cena do crime. Assim, a relação de Felipe com o tráfico não ficou de forma alguma comprovada. Como acontece muitas vezes nesses casos, o corpo do jovem foi jogado de qualquer jeito dentro de uma viatura, que por sua vez se dirigiu a um posto de gasolina, ficando estacionada lá por certo tempo. Somente depois de vários minutos, a viatura foi para um hospital, onde se constatou a morte de Felipe.

Os policiais à paisana que faziam a segurança de Tarcicio e realizaram os disparos contra Felipe registraram ocorrência na 89ª DP, afirmando que haviam sido atacados por homens armados e que apenas responderam ao ataque. No entanto, no mesmo Boletim de Ocorrência, admitem que retiraram objetos da cena do crime “para que não fossem subtraídos do local por populares”, ou seja, cometeram fraude processual.

Depois que o caso explodiu, a Folha de S. Paulo publicou entrevista com o cinegrafista da Jovem Pan Marcos Andrade, que gravou imagens do conflito. Segundo gravação de áudio apresentada por Andrade, o agente licenciado da Abin Fabrício Cardoso de Paiva, que também fazia a segurança de Tarcisio, o teria abordado ordenando que apagasse as imagens do tiroteio. “Você filmou os policiais atirando?”. “Não, trocando tiro efetivamente, não. Tenho tiro da PM para cima dos caras”, respondeu o técnico. “Você tem que apagar”, diz Paiva na gravação.

Vale lembrar que a Agência Brasileira de Inteligência não é responsável pela segurança de nenhum candidato a governo estadual e não se sabe com certeza porque um de seus quadros estava na segurança de Tarcisio. O que sim se sabe é que a agência é submetida ao Gabinete de Segurança Institucional, dirigido pelo General Heleno, um dos mais radicalizados defensores de Bolsonaro. O outro fato interessante dessa história é que Fabrício Cardoso de Paiva foi colega de Tarcisio de Freitas na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) e se licenciou da Abin em 2019, exatamente para trabalhar para Tarcisio no Ministério da Infraestrutura.

Para piorar, Andrade afirma que, depois do ocorrido, foi chamado por sua chefia na Jovem Pan e informado que a equipe de Tarcisio estava pressionando pela sua demissão e que a única maneira de evitar tal desfecho era gravar um vídeo de apoio a Tarcisio, coisa que Andrade se recusou. Logo em seguida, o próprio Andrade pediu demissão da emissora. Em depoimento a outra emissora, ele disse temer pela vida de familiares, em especial de sua esposa, que está grávida.

O caso todo demonstra, além de muitas outras coisas, como seriam tratadas as questões de segurança pública em um possível governo Tarcisio. O candidato do Republicanos já afirmou em diversas entrevistas e debates que quer mudar radicalmente a política de segurança pública do Estado, trazendo para cá iniciativas “de sucesso” aplicadas, por exemplo… no Rio de Janeiro, estado sabidamente controlado pela milícia. Tarcisio já afirmou também que vai retirar a câmera pessoal dos policiais militares, inovação responsável pela queda brutal de mortes violentas de policiais em conflitos e instrumento para evitar chacinas e agressões contra a população negra e periférica.

Para essa gente, segurança pública se faz dessa forma: com fraude processual, falta de transparência, truculência, ameaças e uso político da violência. Tarcisio quer transformar São Paulo num novo Rio de Janeiro, com uma Secretaria de Segurança Pública ineficaz e violenta, que só sabe entrar na favela para matar. Ao que tudo indica, foi isso exatamente o que sua equipe teria feito no dia 17: atirar primeiro para depois perguntar. 

Existia realmente alguma relação entre Felipe e o tráfico? Ou ele era apenas um jovem irritado com a presença do aparato de Tarcisio em sua comunidade? Jamais saberemos. O fato é que ele estava desarmado e aparentemente não representava qualquer ameaça à comitiva do candidato. Se não fosse assim, não haveria necessidade de alterar a cena do crime, como fizeram os policiais que protegiam o candidato. 

Tarcisio não quer uma polícia eficiente. Quer avançar ainda mais em uma polícia sem qualquer controle público ou social, que pratica fundamentalmente a violência e também sujeita à violência. Sua eleição seria um retrocesso que, assim como Bolsonaro em nível nacional, levaria anos para recuperar.