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Jefferson atirou no pé de Bolsonaro

Roberto Jefferson e Bolsonaro
Reprodução

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Os inimigos não dormem. 

                                                               Quem o seu inimigo poupa, às mãos lhe morre.

                                                                                             Sabedoria popular portuguesa

 

1. Jefferson atirou nos policiais que vieram prendê-lo, mas acertou no pé de Bolsonaro. Não foi um golpe fatal, mas deixou Bolsonaro, politicamente, ferido a poucos dias da eleição. O tiro saiu pela culatra. A informação disponível sobre o subterrâneo das redes sociais indica que a repercussão foi ruim, mas é bom ser prudente e não exagerar. Bolsonaro abraçou, com hesitação, uma tentativa desesperada e inverossímil de se distanciar de Jefferson. A aparente “insanidade” de Jefferson só foi possível porque a mídia comercial burguesa, nas últimas duas semanas, se posicionou a favor do que denomina de “liberdade de expressão” contra o que denuncia como excessos de “censura” do TSE. Foi o bastante para que o bolsonarismo fizesse a agitação de uma campanha de vitimização contra um suposto “abuso de poder” de Alexandre de Moraes. Jefferson percebeu que havia uma brecha. A fração burguesa liberal, que tentou e fracassou na construção de uma candidatura de terceira via, estava sinalizando para os Tribunais Superiores uma divergência sobre o tratamento da candidatura Bolsonaro. As três principais decisões do TSE foram, no entanto, importantes vitórias democráticas: (a) a autorização de gratuidade de transporte público no dia das eleições, infelizmente, sem obrigatoriedade; (b) a decisão de garantir direito de resposta à campanha de Lula na propaganda eleitoral gratuita; (c) a ampliação do poder de polícia contra fakenews nas redes sociais. Jefferson acreditou que a tensão abria uma oportunidade, e decidiu agir. Mas, errou. Permanece, mesmo preso, um monstro perigoso.

2. Os crimes de Roberto Jefferson são mais uma confirmação de que os fascistas não têm limites. São capazes de tudo e têm que ser presos. Aceitar que a extrema-direita fascista bolsonarista seria uma corrente política legítima e poderia usufruir de liberdade de expressão é pura ingenuidade e covardia política. A história ensina que não se deve oferecer liberdade alguma para os inimigos da liberdade. Durante os quatro anos de mandato de Bolsonaro assistimos a uma permanente campanha de agitação golpista. As marchas do sete de setembro em 2021 e 2022 foram apoteoses fascistas contra o regime democrático. O plano estratégico do bolsonarismo é uma mudança bonapartista do regime. O terreno das eleições foi uma opção tática porque acreditam na possibilidade de vitória.

3. O projeto do bolsonarismo é uma ameaça incompatível com as liberdades democráticas. O ajuste econômico-social ultraliberal que foi explicitado da forma mais clara possível, incontáveis vezes, durante a campanha eleitoral passa por uma radicalização do tripé macroeconômico do superávit fiscal, com a manutenção da lei do teto dos gastos, das metas de inflação com taxas de juros mais elevadas e câmbio flutuante, associado a uma terceira onda de privatizações, começando pela Petrobras e pelos bancos públicos. Esta contrarrevolução só é possível impondo uma derrota histórica à classe trabalhadora. A nivelação da superexploração pelo padrão médio hoje em vigor no sudeste asiático, no país mais urbanizado e industrial da periferia, só é possível com a subversão do regime democrático. Seria necessário neutralizar o movimento sindical, estudantil, popular, feminista e negro, agrário, indígena e ambiental. O terreno do embate é eleitoral. Mas trata-se de uma luta da máxima gravidade.

4. Os indivíduos cumprem um papel na história. Jefferson é execrável, repulsivo, abjeto, mas sua ousadia é previsível. Trata-se de um provocador fascista que ganhou “luzes da ribalta” como gladiador da tropa de choque de Collor em 1992. Voltou à cena em 2005 quando percebeu que seria preso pelo escândalo nos Correios, e fez a denúncia do “mensalão”. Existe um cálculo político nas ações de Roberto Jefferson. Seu trunfo é ter o controle do PTB, um dos “partidos” de aluguel do centrão que sustenta o governo. Tentou até ser candidato à presidência para cumprir o papel de “cachorro louco” nos debates eleitorais. Ao não o conseguir, apresentou um doido vestido de Padre para fazer o trabalho sujo de “escada” para Bolsonaro. Já tinha sido preso há dez anos, e acabou indultado. Não ignora que, provavelmente, receberá uma nova condenação no processo de investigação de fakenews. Perdido por cem, perdido por mil, diz a sabedoria popular. A aposta deste fim de semana foi uma tentativa de se projetar como liderança com visibilidade nacional do movimento fascista, agora representando o papel de vítima de “abuso de poder” dos Tribunais Superiores. Consciente, desde o início, que a postagem de uma série de insultos contra Carmem Lúcia, própria de um lumpen misógino degenerado, era uma provocação absurda que precipitaria uma ordem de prisão encenou uma pantomima de resistência “heroica” dando dezenas de tiros e lançando granadas. Seu plano é ganhar audiência na ala mais radical do bolsonarismo.

5. O uso de granadas e o tiroteio foram uma clara tentativa de homicídio. A incrível lentidão da Polícia Federal em invadir a casa e algemar Roberto Jefferson deixou o país em suspense durante cinco horas. Ilustra de forma irrefutável a cumplicidade de Bolsonaro com Jefferson que culminou com a negociação de proposta de “rendição privilegiada” na presença do ministro da Justiça. A sequência de episódios desde 21 de outubro foi estarrecedora. Jefferson provocou para ser preso, e fazer uma cena “dramática”. Mas não conseguiu incendiar o bolsonarismo. Os fascistas se dividiram. O destino de Bolsonaro deverá ser o mesmo de Jefferson. Mas para que seja possível é preciso vencer com Lula no domingo que vem.