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BRASIL

Entenda a ligação entre Roberto Jefferson e Bolsonaro

Henrique Canary, de São Paulo, SP
Reprodução/Redes sociais

Finalmente, uma das figuras mais abjetas da política brasileira foi presa. Precisou que o ex-deputado federal Roberto Jefferson publicasse um vídeo com ataques misóginos contra a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia, atirasse contra policiais com um fuzil e lançasse granadas em direção à viatura da PF para que sua prisão domiciliar fosse revogada. Somente então, uma equipe da Polícia Federal entrou na sua casa e negociou calmamente sua rendição, sempre com muitos sorrisos e descontração, como mostra este vídeo. É o que se chama “privilégio branco”. Mas ok, o assunto aqui é outro.

Bolsonaro, sentindo o desgaste que vinha pela frente, tratou logo de tentar se desvencilhar de seu aliado, dizendo que “não tem uma foto dele comigo”. A afirmação de Bolsonaro é patética e a internet logo foi inundada de fotografias dos dois juntos. Mas fotografias podem ser enganosas. Quais são, de verdade, as relações entre Bolsonaro e Roberto Jefferson? A isso tentaremos responder.

Roberto Jefferson apareceu com maior destaque no cenário político nacional no início da década de 1990, durante o processo de impeachment do então presidente (hoje também aliado de Bolsonaro) Fernando Collor de Mello. Na ocasião, Roberto Jeferson compôs a chamada “tropa de choque” do governo, que tentou a todo custo evitar o impedimento de Collor. Não conseguiu, mas se projetou nacionalmente.

Logo em seguida, em 1993, Roberto Jeferson já apareceu como citado na famosa CPI do Orçamento. O relatório final da CPI, no entanto, foi inconclusivo sobre o crescimento de seu patrimônio, apesar de terem sido encontrados bens em seu nome que não haviam sido declarados à Receita Federal.

Roberto Jefferson retornou à cena política nacional em 2005, quando seu nome apareceu envolvido em uma suspeita de crimes relacionados a licitações nos Correios. Para desviar o foco do escândalo, o então deputado federal denunciou a prática da compra de votos de deputados da base aliada ao governo, escândalo que ficou então conhecido como “mensalão”. Mas Roberto Jefferson não era uma mera testemunha. Em 2012, no marco do mesmo inquérito do mensalão, ele foi condenado a 7 anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Após delação premiada, Jefferson passou a cumprir a pena em regime semiaberto e depois em aberto. Finalmente, em 2016, foi indultado pelo ministro Luís Roberto Barroso e teve sua dívida com a justiça anulada.

Depois de alguns anos de afastamento de fato da vida pública devido a um câncer no pâncreas, Roberto Jefferson teve seu “retorno triunfal” em abril de 2020, quando aderiu definitivamente ao Bolsonarismo e fez uma live denunciando o suposto “golpe parlamentarista” que estaria sendo orquestrado por Rodrigo Maia contra o presidente Bolsonaro. Desde então, Roberto Jefferson não saiu mais dos holofotes e se tornou um dos rostos da ala mais radical do bolsonarismo.

Já em maio de 2020, Roberto Jefferson publicou em suas redes sociais uma foto portanto um fuzil e com a legenda: “Estou me preparando para combater o bom combate. Contra o comunismo, contra a ditadura, contra a tirania, contra os vendilhões da Pátria, Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. O ex-escudeiro de Collor também foi vanguarda na defesa do golpe fascista contra a democracia: “Bolsonaro, para atender o povo e tomar as rédeas do governo, precisa de duas atitudes inadiáveis: demitir e substituir os 11 ministros do STF, herança maldita. Precisa cassar, agora, todas as concessões de rádio e TV das empresas concessionárias GLOBO. Se não fizer, cai.”, publicou em seu twitter na época.

Em dezembro do mesmo ano, em entrevista a Rodrigo Constantino, Roberto Jefferson voltou ao tema do STF: “Nós temos que entrar lá e colocar para fora na bala, no pescoção, no chute na bunda, aqueles 11 malandros que se fantasiaram de ministros do Supremo Tribunal Federal. (…) Se o Supremo der a ideologia de gênero, nós temos que entrar lá e julgar aqueles caras todos no meio da praça, na bala”.

Em agosto no ano passado, Roberto Jefferson teve finalmente sua prisão preventiva decretada no âmbito do inquérito que investiga a organização de milícias digitais bolsonaristas, mas em janeiro deste ano a preventiva foi transformada em domiciliar, devido às condições de saúde do réu.

As relações entre Bolsonaro e Roberto Jefferson vão muito além de uma mera afinidade ideológica e uma colaboração à distância. Em abril de 2021, Bolsonaro usou trechos de uma declaração de Roberto Jefferson em um vídeo publicado em seu twitter como prova de que seu governo “não rouba e não dRoberto Jefferson e Bolsonaroeixa roubar”.

Mas a cereja do bolo na relação dos dois veio com a campanha eleitoral. Roberto Jefferson tentou emplacar sua candidatura a presidente como uma espécie de candidatura chapa-branca de Bolsonaro. Segundo o fascista Daniel Silveira, o objetivo da canditadura Jefferson seria “expor aquilo que o Bolsonaro não pode sem que seja perseguido”. Mas o plano não deu certo e a candidatura de Roberto Jefferson foi cassada. A saída encontrada foi lançar seu vice, o suposto padre Kelmon, para fazer o serviço sujo que Roberto Jefferson estava impedido de fazer. E até certo ponto funcionou. O candidato padre fez dobradinha com Bolsonaro no debate da SBT e da Globo no primeiro turno, provocou e irritou Lula com acusações morais e mentiras e agora está mais do que engajado na campanha de Bolsonaro neste segundo turno. Tanto é assim, que foi negociar a rendição de Roberto Jefferson para a Polícia Federal em Comendador Levy Gasparian no interior do Rio de Janeiro.

A pergunta que não quer calar é: por que? Por que Roberto Jeferson, que poderia ter uma vida relativamente tranquila em prisão domiciliar, resolveu arriscar tudo publicando o vídeo contra Cármen Lúcia e agora com o ataque contra a PF? As hipóteses são muitas, mas nenhuma delas é insanidade ou burrice. Ao que tudo indica, Jefferson resolveu “ir para os sacrifício” para manter a base fascista mobilizada em caso de derrota eleitoral de Bolsonaro. O fascismo é uma ideia, mas é também um movimento social e por isso precisa disso: gente raivosa e mobilizada. Até agora, a coisa parece não ter saído muito de acordo com os planos, mas não podemos descartar novos desenvolvimentos inesperados. Todo cuidado é pouco. Trata-se do “plano B” de Bolsonaro sendo aplicado por uma outra figura, que, apesar de que tinha muito a perder, preferiu prestar esse serviço, confiando talvez em um futuro indulto ou perdão por parte de Bolsonaro reeleito.

Enfim, todo esse episódio nos mostra até aonde está disposto a ir o fascismo em sua campanha de ódio e morte. E esse lugar é muito longe.