Cores imagens
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Cores
Originais
As flores demais
As cores e mais amores
(Perdão você – Marisa Monte)
Bandeiras do Brasil de um lado e vermelhas de outro percorrem os quatro cantos numa das disputas mais acirradas da história do país.
Cor é um fenômeno físico possibilitado pela luz, que por diferentes comprimentos de onda atinge a retina do olho humano. Decidi escrever sobre as cores, sim! Talvez pela rapidez do texto muita coisa não saia como eu queria. As cores cumprem um papel importante não apenas no aspecto simbólico, mas ideológico e político. A psicologia social se ampara naquilo que os sentidos podem alcançar, desse modo às cores só podem ser captadas pela visão humana.
Aos que nascem destituídos da visão (cegos) as cores não existem, pois ela depende da normalidade da visão humana. Michel Pastoreau conta a história das cores no livro Preto: história de uma cor onde afirma que durante muito tempo, o preto foi considerado uma cor pura ou verdadeira. Mas com as mudanças sociais provocadas pela ruptura religiosa (protestante) do século XVII, invenção da imprensa, a difusão da imagem gravada e a descoberta do espectro de luz por Newton reduziram a importância do preto.
As subjetividades produzidas pelo mundo do real não se limitam apenas a uma produção ótica, são carregadas de significados, constituídas de sentidos psicossociais que criam identidades, visões de mundo, as quais envolvem diversos grupos sociais, classes e religiões. As diversas cores existentes não são meras casualidades, foram produzidas socialmente, num tempo e espaço onde os símbolos se vinculam às tradições e as relações de poder.
A mercantilização das cores e o valor
Desde que o capitalismo se tornou um modo de produção social, a burguesia foi se apropriando de símbolos e cores como importante instrumento mercadológico, estético, de venda e de lucro. A mercadoria carregada de fetiche precisa da propaganda e a semiótica da imagem constrói as tendências que elevam ao consumo e a compra, por isso a diferenciação e diversificação se dão também pelas cores, pois elas criam identidades.
Na produção de sentido capitalista, o uso do vermelho para o réveillon representa energias e sentimentos positivos no ano que está por vir, assim como o branco simboliza a “paz” e o luto se veste de preto. Daí vive uma indústria colorida que sustenta uma série de empresas, estilistas e tendências da moda na qual convivemos cotidianamente no nosso invisível olhar sobre o mundo.
Cair na ingenuidade não ajuda. O colorido e o Mercado Pink também são utilizados como salvaguarda de um público consumidor de objetos e coisas próprias de um estilo de vida, ou seja, sem essas cores o mundo ficaria insosso e daltônico para o gênero humano. Cores possuem valor!
Luta de classes, cores e símbolos: o vermelho tem história
A classe trabalhadora ao longo da história de lutas também construiu seus símbolos. A Revolução Francesa, ainda que liberal sob a direção da burguesia, foi um importante laboratório simbólico estético que recriou o vermelho. No século XIX, a bandeira vermelha assumirá um caráter socialista e comunista nas revoluções e lutas travadas contra o capital vinculadas ao sangue dos combatentes e aqueles que pagaram com a vida por assumir um lado da história. As bandeiras da social democracia, do socialismo e do trabalhismo estiveram no estandarte utilizado pelo Partido Trabalhista do Reino Unido, pelo Partido Socialista Francês, pelas internacionais comunistas e grupos similares em todo o mundo na sua tonalidade vermelha.
No imaginário popular brasileiro é comum associar o vermelho ao PT, ou em última instância a esquerda. Porém, não há nenhuma organização ou grupo que seja proprietário de uma cor e de seu valor. China, Turquia, Canadá, Rússia, Indonésia, Peru, Dinamarca, Albânia, Polônia e diversos países possuem o vermelho nas suas bandeiras com distintos significados. Os signos são parte de uma construção real e subjetiva do mundo, o lilás e seus tons geniais possuem vários significados, tal como azul do mar.
A utilização das bandeiras vermelhas por parte da esquerda vinha diminuindo nos últimos anos na medida em que muitos grupos de esquerda, acadêmicos, “nova esquerda”, pós-modernos, etc. buscaram “novas identidades” que refletissem “novos tempos”, assim apagando do legado o papel da bandeira vermelha das tradições históricas da esquerda. Tudo em nome de uma nova estética e de novas cores para “disputar o voto”, a consciência das massas diante de uma nova forma de pensar o presente. As redes sociais e as mudanças tecnológicas tiveram importante papel na forma de pensar a semiótica do mundo.
É bom que saibamos que o sentido radical da bandeira vermelha é muito mais antigo do que o próprio socialismo e neste cenário de “luta cultural”, “pauta dos costumes” resgatar nossos símbolos e explicá-los à luz da consciência de classe nos ajuda a nos recontar com a história, melhor dizendo, de uma história contada a partir dos interesses dos explorados e oprimidos.
Durante o período em que ocorreu a Comuna de Paris, as bandeiras francesas da cidade foram retiradas por naquele momento representarem o Estado francês desigual, excludente e autoritário, que naquele momento queria morte e derrota dos insurgentes. Os communards hastearam em seus lugares bandeiras vermelhas.
A consciência popular coletiva em luta direta, não pode ficar refém dos valores burgueses de plantão, das “imagens que vendem” das manifestações opressivas e autoritárias. Ruas, avenidas, escolas, prédios, monumentos possuem nomes de pessoas que na ampla maioria das vezes representam uma história oficial de poder e dominação de uma classe por outra.
Nesse cenário de luta contra o fascismo e de conciliação de classes que envolvem a defesa da democracia liberal vale afirmar nossos símbolos e a história recente de luta por uma sociedade emancipada. Resgatar o vermelho, portanto é tirá-lo do armário da campanha do Lula como esperavam os aliados do MDB não dá.
O vermelho da bandeira é uma cor associada ao desafio, e também símbolo de sangue vertido numa luta histórica. A bandeira vermelha, assim como a cor vermelha também significa a cor da luta em diversas áreas da sociedade: sindicatos, organizações sociais, movimento de trabalhadores sem terra, movimento de trabalhadores sem teto, assim como também outros movimentos que se identificam à esquerda do espectro político. (1)
A bandeira vermelha é conhecida como a “bandeira de desafio”, é associada à luta revolucionária. Durante a Revolução Francesa, foi adotada pelos Jacobinos em 1797, pelos marinheiros da Marinha Real Britânica quando se amotinaram no Rio Tâmisa, pelos socialistas e radicais republicanos na Revolução Francesa de 1848 (como símbolo o “sangue dos trabalhadores irritados”), na guerra civil russa pelo exército vermelho como aviso para confundir os soldados do exército branco, após a revolução de outubro (adotada como bandeira oficial da Rússia) foi usada pelo movimento comunista ao redor do mundo.
A disputa das cores
Verde amarelo x vermelho no Brasil de 2022 são mais do que cores, discutem verdades e projetos de sociedade distintos que podem mudar o rumo do país. Nesse caso, a neutralidade das pessoas e das cores não diz muita coisa.
No período da chamada “guerra fria”, durante o conhecido como “primeiro terror vermelho” nos Estados Unidos, vários estados norte-americanos, aprovaram leis proibindo que as bandeiras vermelhas fossem hasteadas, incluindo Minnesota, Dakota do Sul, e Oklahoma. Até hoje a legislação de Oklahoma ainda define que hastear “qualquer bandeira vermelha ou outro emblema ou faixa, indicando deslealdade ao Governo dos Estados Unidos ou a crença na anarquia ou outras doutrinas e crenças políticas, cujo objetivo seja a interrupção” (2).
Um setor da direita liberal propôs uma nova estética para apoiar o Lula no segundo turno, diminuir o peso do vermelho. Os eleitores de Bolsonaro se apropriaram da bandeira do Brasil, eles não querem ver o vermelho nas eleições (são comunistas). Toda corrente fascista e nacionalista se apega a símbolos nacionais para dar unidade no seu discurso em torno de alguma ideologia. A corrente bolsonarista é muito similar à corrente encabeçada por Donald Trump nos EUA: “América para os americanos”.
O Nacionalismo é uma das características mais marcantes do pensamento fascista, não que não defendamos nossos símbolos nacionais, mas para eles funciona como uma ordem divina que se ordena por “Deus, pátria e família”. O que eles não sabem é que tivemos três bandeiras antes do modelo atual e que todas foram baseadas na bandeira do Brasil Império para agradar a interesses externos que na época foi dirigido por Pedro I que escolheu um renomado artista francês para criá-la (Jean Baptiste-Debret).
A presença da esfera no meio, o losango amarelo e o retângulo verde foram pensada a partir do novo regime que precisava conquistar o apoio da população. A bandeira brasileira ainda hoje possui o formato da bandeira imperial, foi preservada a maior quantidade de elementos possíveis. Para garantir a memória da monarquia, os republicanos mudaram apenas o significado das cores. O retângulo verde deixou de simbolizar os Braganças para representar as matas brasileiras, o losango amarelo deixou de simbolizar os Habsburgos para representar o ouro do Brasil, o círculo azul passou a representar o céu brasileiro no dia do golpe republicano e a frase escrita, “Ordem e Progresso” refere-se ao lema positivista “O Amor por princípio, a Ordem por base, e o Progresso por fim”.
O ser humano é um animal político segundo Aristóteles, mas é também um animal simbólico na visão de Pierre Bourdieu. Ele representa as ideias através de coisas físicas que se tronam ação. Símbolos, cores uniformes, músicas, totens são formas de materializar o sentimento de pertencimento num determinado grupo. A sociabilidade não é algo natural, é produto dos conflitos de classe. Ela cria uma comunidade que recebe seres humanos com histórias e memórias distintas. O sentimento de pertencimento indica para a pessoa que ela faz parte de algo e os símbolos reforçam isso, criando um laço comum.
Nos últimos anos, a violência simbólica tem crescido na rasteira da violência política. A corrente fascista do século XXI aposta no ódio e no controle dos símbolos nacionais, neste sentido é necessário derrotar Bolsonaro e sua corrente nas ruas, e esta é uma tarefa histórica de toda a classe trabalhadora. Porém, o projeto de sociedade que a classe deve perseguir está muito além da derrota da frente fascista no pleito eleitoral. É necessário um programa que vá à raiz do problema de nossa vermelha história e uma estratégia de classe para derrotar nossos inimigos.
Notas
1 Ver Wikipédia: Simbologia Comunista
2 Ibd – Wikipedia
Referências
* Abel Ribeiro é Professor, sociólogo e militante da Resistência PSOL
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