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BRASIL

Contribuições programáticas do Afronte à Bancada Feminista do PSOL

Juventude Afronte
Afronte negro
Reprodução

Contribuições programáticas do Afronte para a juventude do estado de São Paulo

O presente documento é fruto de uma elaboração coletiva do movimento de juventude Afronte na regional do estado de São Paulo. Buscamos apresentar uma síntese de debates e formulações que contribua na luta por melhores condições de vida da juventude, em especial a negra e periférica. Pois, partimos da compreensão do racismo como elemento estruturante da sociedade brasileira. O que torna não somente possível, mas necessário que em qualquer esfera de uma formulação programática – como por exemplo saúde, mobilidade urbana ou habitação – seja abordada de forma transversal os aspectos raciais e de gênero para elaboração de políticas públicas para a juventude. 

Partimos, ainda, da compreensão de que as saídas para os problemas estruturais de nossa sociedade devam se colocar a partir de uma perspectiva da classe trabalhadora, enfrentando os interesses dos poderosos em prol de uma vida digna à maioria da população nos centros urbanos, nas periferias, no campo. No entanto, neste importante momento em que se abre a discussão sobre políticas de governo estadual para os próximos quatro anos, queremos, a partir da presente elaboração, colocar em debate a necessidade de que o Estado tenha papel ativo na promoção e garantia de direitos, com uma gestão que parta da ampliação da participação popular em suas deliberações. 

Nos dois próximos textos desta série, buscamos identificar problemas latentes no estado de São Paulo a partir de dois eixos gerais: Juventude negra viva e livre – debatendo o combate ao genocídio de juventude negra e periférica; e Educação pública para todes – apresentando um debate sobre a necessidade de investimento público em educação, desde o ciclo básico até as Universidades Estaduais Paulistas e instituições de pesquisa. A partir disso, buscamos responder a alguns dos diversos problemas que enfrentamos cotidianamente e apontar concretamente um sentido para a mudança que queremos – como forma de apoio às formulações programáticas da Bancada Feminista do PSOL à ALESP em 2022. 

  1. Contribuição Juventude negra viva e livre
  2. Contribuição Direito ao futuro: Educação pública e gratuita para todes 

 

Juventude negra viva e livre

Todos os dias, nos principais noticiários, nos deparamos com casos de jovens negros assassinados pela polícia e vemos os índices de encarceramento aumentarem, mas, ao mesmo tempo, a sensação de insegurança das pessoas parece ser permanente. Não por acaso, a partir deste grande tema da atualidade, tanto o bolsonarismo quanto a direita liberal têm defendido projetos que polarizam a sociedade com essas discussões e apontam para saídas que intensificam o recrudescimento da violência policial contra a população negra e periférica, a militarização da vida, o encarceramento. 

Desta forma, ao questionarmos o modelo de segurança pública vigente queremos ir a fundo na compreensão sobre o impacto do racismo estrutural em nossa sociedade, sua relação com as forças de segurança, com a priorização das penas privativas de liberdade e com a escolha das pessoas negras como “criminosos natos” brasileiros.

Queremos apoiar a urgente tarefa dos movimentos sociais e partidos de esquerda na propositura de um novo modelo, antirracista e anticapitalista, para a segurança pública do estado de São Paulo. Partindo de uma breve análise sobre o panorama nacional e estadual e de acúmulos programáticos do PSOL, elencamos alguns dos temas e políticas públicas a serem defendidas nesse sentido na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. 

Necropolítica: a guerra às drogas e o genocídio do povo negro em São Paulo

No contexto da eclosão da pandemia de COVID-19 e aprofundamento de desigualdades sociais históricas, o primeiro trimestre de 2020 bateu recorde em número de mortes pela PM paulista e em 64% dos casos em que houve registro de raça, as vítimas eram negras. Os boletins apontam que 61 cidades paulistas registraram pelo menos uma ocorrência de “morte decorrente de intervenção policial”. A capital é a que concentra o maior número de mortos pela PM: 57. O segundo município com mais mortes é Campinas, no interior de São Paulo, com 11 vítimas. Os boletins de ocorrência do Portal da Transparência apontam a cor de pele de 202 pessoas mortas por PMs fardados no primeiro trimestre de 2020.

Além disso, durante um dos momentos mais agudos da crise sanitária, em que se debatia a necessidade de auxílio estatal para garantia da quarentena (entre março e maio de 2020), três em cada dez mortes no estado foram praticadas pela PM. Ou seja, estima-se que a polícia tenha matado uma pessoa a cada 6 horas no estado. No período, a PM paulista matou 262 pessoas, nos registros definidos como “morte em decorrência de intervenção policial”, enquanto os homicídios dolosos comuns fizeram 774 vítimas. A mesma violência foi relatada pela população em situação de rua.

Compreendemos que as políticas públicas de segurança devem estar sob o controle da população para além do controle social institucional burocratizado de conselhos de segurança. Defendemos a necessidade de transparência, hoje inoperante no poder público, reproduzida também nas corregedorias das polícias, que não são independentes, 

A maioria da criminalidade em SP se liga a crimes não violentos como tráfico de drogas ilícitas e danos ao patrimônio, em sua maioria, pouco relevantes. O volume de pessoas encarceradas por tráfico de drogas, especialmente mulheres, com porte de até 50 gramas está entre 80% e 90%. Desta maneira apontamos desde já que é necessária a revisão da legislação sobre consumo de drogas que determina a necessidade carcerária de SP.

Os governos do PSDB em SP criaram inúmeros presídios no interior do estado. Isso, além de reproduzir e reforçar uma sociedade punitivista que só aumenta índices de violência carcerária, tanto contra pessoas presas quanto agentes desse sistema penitenciário, onde se inclui a Fundação Casa, altera profundamente o modo de vida das cidades. Além do impacto ambiental, fortalece a indústria carcerária que cada vez mais privatiza presídios, mercantilizando o cárcere e a liberdade na sua forma mais cruel.

Buscamos nas experiências comunitárias e na produção científica de nossas Universidades e instituições de pesquisa propostas libertárias para nossos problemas decorrentes da retirada ou restrição dela. Pensar uma sociedade livre está muito além de pensar em segurança, apesar de este aspecto ser fundamental. Ao entendermos o panorama geral do sistema prisional e dos homicídios praticados contra a juventude negra, é válido destacar que pensar segurança pública a partir da esfera estadual pode ir além de medidas de desencarceramento ou desmilitarização da polícia. Deve compreender também políticas que garantam o futuro da juventude negra e periférica, como a defesa de espaços de lazer na periferia e a luta contra a repressão cultural.

Violência doméstica contra as mulheres e a população LGBTQIA+

A violência contra as mulheres, expressa especialmente pela violência doméstica, é sem dúvidas um grave problema social e que demonstra de forma profunda os impactos do machismo na nossa sociedade. Em São Paulo, essa realidade não é diferente e há registros de que a violência tenha aumentado 30% somente durante os primeiros meses da pandemia de COVID-19. 

O principal instrumento normativo que regulamenta a proteção às mulheres vítimas da violência doméstica é a Lei Maria da Penha. Um de seus grandes méritos é a previsão de medidas penais e extrapenais para a proteção das mulheres vítimas de violência, como as casas abrigo e os Centros de Defesa e Convivência da Mulher (CDCMs), mantidos pelo Município.

A importância das medidas extrapenais se dá também ao considerarmos que a polícia militar não representa um modelo de proteção para muitas mulheres, como as mulheres negras e moradoras das periferias da cidade. A mesma polícia que deveria protegê-las diante de uma situação de violência doméstica muitas vezes pode ter sido a responsável por violências cometidas contra seus filhos, irmãos, e contra elas mesmas.

Importante destacar que para romper com a rota crítica de violência, as mulheres precisam ter condições de subsistência para ela e, muitas vezes, para seus filhos. Uma política de combate à violência doméstica deve compreender a complexidade da condição das mulheres, assim sendo, deve enfrentar a falta de moradia, o desemprego, a falta de creches, o alto custo da mobilidade urbana, questões muito caras para a vida das mulheres.

Além disso, o Brasil é um dos países mais perigosos para as pessoas LGBTQIA + no mundo. Ocupamos as dramáticas estatísticas de países que mais matam transexuais e travestis, o que tem se agravado diante da agenda ultraconservadora aplicada à nível nacional. Nos últimos anos, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, conduzido por Damares Alves – e hoje por Cristiane Britto -, tem no centro de sua atuação uma verdadeira cruzada contra os direitos da  comunidade LGBTQIA +, das mulheres e dos direitos humanos. São exemplos disso o desmantelamento de políticas públicas de combate à violência e o discurso fundamentalista religioso, com pautas como “ideologia de gênero” que embasam projetos como o “Escola Sem Partido”.

Campanhas políticas estratégicas para um novo modelo de segurança pública

Abordar e propor soluções para o problema da segurança pública é um desafio complexo, uma vez que nem todas as soluções estão na alçada do estado ou da Assembleia Legislativa. Entretanto, acreditamos ser necessário o compromisso de vocalizar as principais reivindicações do povo negro e trabalhador de São Paulo. Em nosso entendimento é impossível avançar em um programa mínimo estadualmente sem defender propostas antirracistas e anticapitalistas históricas, como: 

  • Desmilitarização das polícias e fim da Polícia Militar;
  • Descriminalização e legalização das drogas;
  • Ampliação e fortalecimento de políticas públicas em saúde pautadas na redução de danos;
  • Organização da Segurança Pública a partir da auto-organização do povo em seus bairros e regiões;
  • Fim do encarceramento em massa, que atinge principalmente os jovens negros e pobres;
  • Implementação de alternativas às penas restritivas de liberdade e ao sistema prisional de maneira geral.

Propostas para o estado de São Paulo 

  • Oferecer cursos de capacitação e de formação continuada aos policiais civis e militares relacionados a atividades de gestão e administração da instituição e práticas comunitárias.
  • Implantar a Agenda Estadual de Desencarceramento em Massa com garantia de audiências de custódia e acompanhamento de andamento de processos de pessoas em Centros de Detenção Provisória, por meio da utilização dos recursos da Defensoria Pública e Tribunal de Justiça associada à política de apoio a egressos, no sentido de evitar a reincidência.
  • Fortalecer políticas públicas sobre drogas em todas as áreas governamentais de forma integrada com as prefeituras.
  • Instituir políticas de prevenção baseada em evidências científicas e em estratégias de redução de danos com a prática de serviços das Redes de Atenção Psicossocial territorializadas, de base comunitária, negando o cuidado asilar de privação de liberdade.
  • Investir em políticas sociais e urbanas nos territórios alvo do tráfico de drogas e de outros tipos de violência, pautada sempre pela determinação geral de necessidades das pessoas que constituam o território.
  • Investimento em programas de ressocialização e reinserção no mercado de trabalho de pessoas egressas do sistema prisional, singularizado respeitando necessidades específicas de cada grupo, como a população LGBTQIA+
  • Efetivação das normativas que disciplinam o acompanhamento psicossocial especializado às pessoas LGBTQIA+ vítimas de violências, promovendo a criação dos Centros de Promoção e Defesa dos Direitos LGBTIQIA+ e o fortalecimento dos CAPS, CRAS, CREAS, casas de apoio, Centro POP e demais instituições da rede já existentes nos municípios do estado.
  • Criação de corregedorias autônomas e independentes para investigação e responsabilização de forma imparcial de agentes públicos que cometam crimes, especialmente raciais e de LGBTfobia; 
  • Criação do Observatório Estadual e fomentos a observatórios municipais – com participação popular e protagonismo LGBTIQIA+ – que tenham como objetivo mapear a violência contra as pessoas LGBTIQIA+ para geração, registro e disseminação de dados.
  • Manutenção de câmeras em uniformes policiais.

Direito ao futuro: Educação pública e gratuita para todes 

Bolsonaro é o principal inimigo da educação pública. Desde o início de seu mandato está em curso uma verdadeira cruzada ideológica contra o ensino superior público, a Ciência e o pensamento crítico fomentado nestas instituições. Mas além disso, através de uma sequência de novos piores ministros da Educação, o governo atua sistematicamente pela destruição das universidades: tanto pelo contingenciamento de parte significativa dos repasses às universidades federais, que fez com que reitores de universidades como  UFRJ e UNIFESP viessem a público anunciar o fechamento caso não houvesse novos pagamentos, mas também pelo atropelamento do princípio da autonomia universitária com a nomeação de interventores não eleitos pela comunidade como reitores.  

Nas universidades estaduais como a USP, UNICAMP e UNESP, que cumprem o papel de interiorização do ensino superior público nos estados, ainda que o repasse de orçamentos venham dos governos locais através do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), as políticas de ataque à nível federal têm impactos diretos. São exemplos disso a falta de repasse de programas como o PNAEST, ou mesmo os cortes de bolsas e ataques diretos a programas da CAPES como PIBID e Residência Pedagógica. 

Somado a isso, cabe lembrar que no estado de São Paulo, apesar de atuar incessantemente para se desvencilhar de Bolsonaro e buscar deslocamentos para a oposição ao mesmo, o então governador João Doria (PSDB) – mesmo diante do papel exercido pelas universidades no combate à pandemia – tentou aplicar o confisco de recursos das estaduais paulistas e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) através do PL 529. 

Além de privatizações e extinções de empresas públicas, o Projeto de Lei previa a transferência do “superávit” (que na verdade são reservas financeiras) dessas autarquias para o tesouro do estado, o que na prática significaria um confisco de reservas  da USP, UNICAMP, UNESP e da própria Fapesp. Não fosse a luta dos servidores públicos e estudantes contra o conjunto do projeto, não seria possível o cenário atual de manutenção da reserva financeira e perspectiva de acréscimo orçamentário, o que torna possível a maior e mais urgente reivindicação estudantil atualmente: o aumento de investimento em permanência estudantil. 

Se o projeto deles é de destruição das nossas perspectivas, do lado de cá defendemos que é papel das universidades estaduais e federais a defesa da educação como parte da defesa do futuro da juventude – o que passa, necessariamente, por um papel ativo no combate ao genocídio da juventude negra e periférica e pela defesa do caráter público, gratuito e de qualidade das universidades públicas como as nossas USP, Unicamp e UNESP.

Universidades para a maioria! – Por estaduais paulistas cada vez mais negras, indígenas, LGBTQIA+ e anticapacitistas.

A instituição de cotas sociais e raciais estaduais paulistas vem mudando profundamente a estrutura demográfica destas universidades, democratizando-as. Essa é uma conquista histórica dos movimentos negro e estudantil – já que durante anos essas mesmas universidades se mantiveram na retaguarda do debate nacional de democratização do acesso ao ensino superior público, ficando entre as últimas a aderirem ao sistema de reserva de vagas. 

Neste ano, em que a Lei de Cotas completa 10 anos, e que se coloca em debate a sua revisão pelo Congresso Nacional, acreditamos ser tarefa do Movimento Estudantil a defesa intransigente desta política e também sua ampliação. Defendemos que a juventude pobre, negra e indígena além de ingressar, tenha condições dignas de concluir seus cursos. Queremos enegrecer os currículos e produções científicas e avançar na efetiva democratização das estruturas universitárias!

Para tanto, queremos aprofundar o caráter público e democratico de nossas Universidades estaduais paulistas a partir da implementação plena do vestibular indígena e de políticas de cotas para pessoas trans e travestis e PCDs. 

Não ocasionalmente, mas sim como uma consequência direta das cotas sociais e étnico-raciais, as principais demandas estudantis passam pela defesa das políticas de permanência estudantil, sejam elas bolsas de pesquisa, auxílio-aluguel, reformas estruturais nas moradias estudantis, condições dignas de mobilidade e acesso aos campi. Assim, acreditamos ser essencial a defesa de uma política de permanência que contemple as necessidades do conjunto dos estudantes, mas que também atenda às demandas específicas da juventude negra, indigena, PCD e LGBTQIA+.

Além disso, no caso da USP, com a inauguração de uma base fixa da PM ao lado do CRUSP, foram recorrentes os casos de abordagens truculentas contra estudantes. Diante de uma sensível mudança de composição social e racial da universidade, trata-se de uma tentativa de editar no interior do ambiente universitário o descaso e a truculência recorrentes na vida da  juventude negra nas periferias.

Não queremos que, após passar pela barreira do já excludente vestibular da FUVEST ou ENEM, os estudantes que tanto batalhamos para que ingressam na universidade, encontrem novas e mais dificultosas barreiras: queremos que os estudantes pobres, negros, indígenas, em especial os cotistas, tenham condições de permanecer dignamente e sair das Universidades diplomades!

Propostas para uma Educação de todes 

  • Valorização dos trabalhadores da educação com: aumento de salário, boas condições de trabalho, com liberdade de expressão e pensamento crítico, contratação dos trabalhadores via concurso, planos de carreira, profissionalização dos agentes educacionais, formação e alternativas de dedicação exclusiva;
  • Valorização dos professores da educação básica, de forma que a média salarial seja igual a dos demais profissionais do Estado de São Paulo com formação equivalente;
  • Construção de escolas de educação infantil, ensino fundamental e médio. Realização de reformas de manutenção e ampliação dos espaços escolares, propiciando que as escolas tenham quadra coberta, biblioteca, laboratórios, refeitório e internet banda larga, com fornecimento dos equipamentos necessários, de acordo com as demandas da comunidade escolar;
  • Lutar contra a implementação do PEI (Programa de Ensino Integral) nas escolas estaduais;
  • Aumento de vagas para a formação técnica e superior e integrar o ensino médio em suas diferentes modalidades;
  • Criar o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA) estadual, seguindo o modelo de Paulo Freire, em colaboração com movimentos sociais e outros parceiros de forma a zerar o analfabetismo no estado.
  • Ampliação dos investimentos para as três Universidades Paulistas e para o Centro Paula Souza para 11,5% do ICMS
  • Instituição de vestibular indígena, cotas étnico-raciais e para pessoas trans em todas as universidades estaduais paulistas, a partir de uma lei estadual de cotas.