Pular para o conteúdo
Colunas

Bolsonaro não vai aceitar uma derrota eleitoral. O que fazer?

Agencia Brasil

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

   Se vires os dentes do leão, não penses que o leão está sorrindo.
                                         Deixa o teu coração seguir à tua frente e procura alcançá-lo.
                                                                                                      Sabedoria popular árabe

 

1. No atual momento da campanha eleitoral o favoritismo de Lula é tão grande, em função da consolidação de uma vantagem substantiva, que a hipótese mais provável é a vitória de Lula no primeiro turno. Ainda que com alguma margem de incerteza, é possível, realmente, até uma maioria de votos válidos. A taxa de rejeição de Bolsonaro permanece muitíssimo elevada, acima de 50%. Uma vitória no sudeste e no nordeste, apoiada nos mais pobres, nas mulheres, negros e na juventude, reforçada por um deslocamento silencioso de eleitores de outras candidaturas, em especial, de Ciro Gomes, pode garantir os 2% que faltam. Seria a melhor hipótese, porque, se um segundo turno for indispensável, outubro de 2022 será, certamente, o mais longo mês de nossas vidas. Bolsonaro não hesitará em “tocar o terror”, a partir da noite mesmo de 2 de outubro. “Tocar o Terror” é uma forma de descrever o que será uma campanha eleitoral assustadora, implacável, e desapiedada. Já tivemos uma boa amostra, nos últimos meses, de como os ódios sociais incendiados pelos fascistas disseminam medos políticos. Mas pode ficar muito pior. 

2. A campanha sistemática de suspeita das urnas eletrônicas e de denúncia de fraude, por antecipação, deve ser levada a sério. Bolsonaro já deixou claro que não reconhecerá a legitimidade do resultado, se não vencer. Vai tentar incendiar a fúria de sua base social com a denúncia de que foi roubado. Seria imprudente desconhecer que esta campanha tem imensa ressonância social entre as dezenas de milhões que se identificam com o bolsonarismo. Demonstraram força social de choque. Subestimar a autoridade carismática de Bolsonaro e o impacto do discurso cesarista sobre as massas reacionárias que o seguem seria imperdoável. O sete de setembro deixou uma lição fundamental: há um movimento político de tipo fascistóide no Brasil. Qualquer perplexidade, hesitação ou tergiversação sobre a caracterização, implantação e capilaridade desta força política seria um erro de consequências estratégicas. Não foi construído um partido fascista de tipo “clássico”, por variadas razões – um tema complexo – mas isso não diminui o perigo que o bolsonarismo representa. Remete a fatores estruturais, como a fratura burguesa e as dificuldades de organização entre os setores médios, e a fatores superestruturais. Existiu muita improvisação na preparação da candidatura em 2018, recorrendo a uma sigla de aluguel; a busca de maioria no Congresso impôs a negociação com a floresta de mais de doze partidos do centrão; o estilo de liderança pessoal de Bolsonaro é desagregador, até para a extrema-direita, entre outros. Mas o bolsonarismo não se dissolverá com uma derrota eleitoral. Só uma profunda derrota política, que deve passar pela investigação, condenação e prisão de Bolsonaro, que depende ainda de uma mudança na relação social de forças, abrirá o caminho.

3. A contagem paralela de votos que as Forças Armadas arrancaram do TSE é uma anomalia antidemocrática que deixou de ser denunciada. Não foi uma “manobra inteligente” para abrir uma brecha entre o bolsonarismo e o Exército. Sob chantagem pública explícita, foi uma concessão despropositada, mascarada de consentimento, para que um controle externo impróprio, indevido e arbitrário possa questionar o resultado eleitoral. Imaginar que as Forças Armadas exigiram esta prerrogativa para reforçar a legitimidade do TSE, se Lula vencer as eleições, é uma aposta insensata que ignora o papel do Exército nos últimos quatro anos. A Justiça Eleitoral é a única instituição com atribuição prevista de apuração, totalização, e promulgação do resultado dos votos. O direito à fiscalização das eleições não autoriza cômputo independente e, muito menos, anúncio ou proclamação de resultado algum. Nada. A permissão feita às Forças Armadas de um centro de apuração próprio foi descabida. Ao contrário das eleições norte-americanas, no Brasil, o Alto Comando do Exército é cúmplice de Bolsonaro.

4. Se Bolsonaro não reconhecer o resultado eleitoral, como é previsível, será necessário lutar por abrir, imediatamente, um processo de impeachment relâmpago da presidência. Bolsonaro dentro do Palácio do Planalto será um fora da lei. Esta iniciativa deve partir tanto do Legislativo, quanto do Judiciário. O Tribunal Superior Eleitoral deve tomar a iniciativa de defender a lisura do processo eleitoral que ele mesmo organizou. O Congresso Nacional não pode continuar refém de um presidente que subverte o regime democrático desconhecendo a derrota eleitoral.

5. Nestas circunstâncias, a mobilização de massas será indispensável. Em última análise será o fator decisivo. Na própria noite do domingo dia 2 de outubro será indispensável ir às ruas para celebrar a derrota do fascista e defender a vitória de Lula. O papel da esquerda neste cenário terrível, mas previsível, será vital. Oxalá fosse possível uma vitória em primeiro turno, e uma transição sem terríveis turbulências. Mas não é. Precisamos de um plano A, de um plano B e até, por segurança, de um plano C. Preparemo-nos para a pior hipótese. Não podemos deixar escapar a vitória nas urnas. Muita gente sofreu demais para que ela fosse possível.