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BRASIL

“Tudo deve mudar para que tudo continue como está”: Notas sobre os 200 anos da independência brasileira

Renato Fernandes
Junior Lima @xuniorl

A independência brasileira acaba de completar 200 anos. Uma reflexão sobre a situação do país é cada vez mais urgente, porém, nessas pequenas notas gostaria de fazer uma reflexão sobre o significado desse processo e o legado que essa independência nos deixou enquanto país.

No final do século XVIII e início do século XIX, uma onda revolucionária atravessou o mundo e particularmente o continente americano: a revolução e a independência das 13 colônias no norte, a revolução haitiana e as independências das colônias espanholas, transformaram o continente, formaram os estados nacionais realizando, cada uma a seu modo, revoluções políticas e/ou sociais.

O Brasil também foi atravessado por esse processo de forma muito distinta. Poderíamos dizer que os dois pontos mais altos foram a Conjuração Baiana de 1798 e a Revolução Pernambucana de 1817: ambos movimentos republicanos, separatistas e emancipatórios, sendo que o primeiro tinha um programa revolucionário burguês democrático, enquanto o segundo chegou mais longe ao se separar momentaneamente do controle da Coroa, ainda que seu programa era mais atrasado em relação às necessidades do desenvolvimento nacional. Mas no Brasil, as tentativas revolucionárias foram derrotadas.

É nesse quadro histórico que ocorreu o “grito do Ipiranga”. Como sabemos, ele foi o resultado da pressão das elites portuguesas, interessadas em restaurar o domínio colonial no Brasil combinada com a pressão das elites brasileiras e portuguesas no interior do país. Dom Pedro I foi apenas o representante dessas elites internas que defendiam a escravidão, o latifúndio e o modelo econômico de dependência agro-exportadora. No marco de um continente em revolução, foi operada uma “reforma pelo alto”, uma independência política formal que manteve a estrutura econômica e social intacta. Mudou tudo para não mudar nada como diz o célebre personagem do romance de Lampedusa.

É preciso acrescentar que, para um país com a dimensão continental como é o Brasil, o único projeto das elites nacionais foi a manutenção dessa estrutura atrasada que permitia a manutenção de seus domínios regionais, visto que seus interesses não se vinculavam em nenhum sentido com o desenvolvimento nacional. Parafraseando Juan Alberdi em relação a classe dominante argentina: as elites brasileiras estavam mais próximas da Europa do que dos próprios brasileiros. Essa desvinculação é o que gera, em outros marcos hoje, os problemas da unidade nacional brasileira, ainda que o século XX tenha gerado uma identidade nacional.

Essa forma de independência do Brasil, pelo alto, mantendo o domínio da elite latifundiária e escravocrata, junto a inserção dependente do Brasil no novo comércio internacional, foi o principal determinante para o subdesenvolvimento do país durante o século XIX. Ela é também um dos determinantes do desenvolvimento industrial do século XX ter se mantido nos marcos da dependência.

Apesar disso, a independência política formal, mesmo dirigida por uma elite conservadora e escravocrata, foi uma grande conquista para o desenvolvimento nacional no século XIX. Devemos compreendê-la como um passo que poderia ter tornado-se uma caminhada para um país soberano e desenvolvido, mas para isso, o povo brasileiro teria que ter se livrado de sua classe dominante e de seus representantes, isto é, ter feito a revolução democrático burguesa. O problema, ou a tragédia brasileira, era que não tínhamos frações das classes dominantes com essa disposição, ou quando tivemos esses setores, elas eram tão fracas que não passaram de episódios (importantes) do processo mais geral de independência. Essa foi a tragédia da independência brasileira.

Por isso, adquire um acentuado sentido histórico que na comemoração desses 200 anos haja o encontro entre Bolsonaro e o coração de Dom Pedro I. Bolsonaro é um legítimo representante dessa elite que travou o desenvolvimento brasileiro nesses dois séculos, buscando manter a estrutura agrária, o racismo estrutural e o desenvolvimento dependente do país. Ele é verdadeiramente uma continuação do projeto de Dom Pedro I que era contrário ao desenvolvimento nacional.

Nesses 200 anos, reivindicar a independência brasileira, reconhecendo seus limites, significa compreender que para o desenvolvimento nacional, a revolução brasileira ainda precisa ser feita. Partindo de nossa independência política formal, pois ela é uma conquista a ser defendida, é necessário lutar pela soberania de nossos recursos e de nosso desenvolvimento. E assim como em 1822, somente uma revolução contra nossa classe dominante pode abrir o caminho para o progresso nacional. Essa é a tarefa estratégica de nosso tempo.