Lígia Maria*, do Distrito Federal
No último domingo (4), noticiou-se a suspensão do piso salarial da enfermagem pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Superior Tribunal Federal (STF). A decisão ainda será submetida ao plenário, mas, até então, ficam suspensos os efeitos da Lei nº 14.314/2022 por 70 dias, para que União e outros entes públicos e privados se manifestem no processo.
A suspensão é desdobramento do pedido da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e de outras sete entidades, entre elas a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), partes na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.222, que questiona a viabilidade financeira da Lei e o apontamento das fontes de custeio do piso salarial. Além disso, as entidades privadas de saúde alegam impacto substancial do piso salarial da categoria, a ponto de haver fechamento de leitos e demissão em massa pela impossibilidade de municípios e instituições privadas de saúde arcarem com os custos.
Os fatos desmentem a ameaça covarde e infundada das entidades privadas: a lei do piso salarial, então Projeto de Lei nº 2.564, foi submetida às comissões legislativas, onde foi demonstrado impacto financeiro viável; ademais, a Emenda Constitucional nº 11/2022 foi aprovada incluindo a exequibilidade do pagamento. Enquanto a dignidade salarial da maior categoria da área de saúde no País passa por tantos questionamentos e alegações de impossibilidade, cada vez mais empresários da saúde somam na lista de super ricos, fortunas aumentadas enquanto milhares de pessoas morriam de COVID19 e a enfermagem era sobremaneira subalternizada em condições desumanas de trabalho, sem direito à proteção individual e sem garantias indenizatórias para as famílias daqueles profissionais mortos pela negligência da saúde privada e pelo sucateamento do Sistema Único de Saúde durante a fase mais crítica da pandemia.
Quando suspende os efeitos da Lei nº 14.314/2022, do piso salarial da enfermagem, o ministro do STF toma o lado do empresariado da saúde, que lucra com a precarização do trabalho e com a desqualificação da assistência à saúde. Este aceno é consoante ao histórico da instituição que, nos últimos anos, não se opôs aos retrocessos impostos aos trabalhadores, como a Emenda Constitucional 95, as reformas trabalhista e previdenciária e diversas outras medidas que agravam o adoecimento da população ocasionado pela piora nas condições de trabalho e de vida. Assim, Barroso expressa como o STF se estabelece enquanto um instrumento de garantia dos interesses de classe daqueles que detém o monopólio da exploração do trabalho – o que deve ser transformado através da luta popular, não palco do golpismo bolsonarista que aspira ao fechamento das instituições democráticas e à manutenção do projeto de destruição da vida da classe trabalhadora brasileira.
Agora, quando a categoria de enfermagem responde à suspensão do piso salarial da mesma maneira como o conquistou – nas ruas e em unidade –, o bolsonarismo, que se prepara para ocupar o dia 7 de setembro com aspirações golpistas, instrumentaliza a luta honesta das profissionais de saúde com notícias falsas sobre o apoio do Bolsonaro ao piso salarial, uma suposta influência do Partido dos Trabalhadores sobre o STF e uma mentirosa contrariedade do Conselho Nacional de Saúde (CNS) – entidade fundamental no apoio à luta da enfermagem – e de Lula à dignidade salarial da enfermagem brasileira. O intento da torrente criminosa de informações inverídicas é chamar a enfermagem às ruas no 7 de setembro, avolumando o quórum de apoiadores que se mantém ao lado do neofascismo e, mesmo diante da acentuada precarização das condições de vida dos brasileiros, apoiam Bolsonaro.
Manifestação na Rodoviária de Brasília, na noite da segunda-feira, 05. Foto: Sindenfermeiro DF
Ter um piso salarial que lhe confira dignidade, saúde laboral, tempo de qualidade e possibilidade de qualificação da ciência que exerce é uma luta que a enfermagem trava há 30 anos e, no último período, ganhou corpo pela indignação da categoria com as condições às quais foi submetida durante a pandemia de COVID19. Enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem e estudantes foram às ruas, conquistaram a aprovação do PL 2.564/2020 e a sanção da Lei 14.314/2022 de forma legítima e, agora, voltam às ruas contra a suspensão do piso salarial. A categoria do cuidado se contrapõe a esta e a outras decisões do ministro Barroso e do STF que vão contra os direitos da enfermagem e de toda a classe trabalhadora, mas não soma às aspirações golpistas contrárias às instituições democráticas e favoráveis à manutenção de um projeto de sociedade que visa ao desmonte crescente dos direitos trabalhistas e sociais.
A enfermagem seguirá em luta, atendendo ao chamado unificado do Fórum Nacional de Enfermagem (FNE) – composto por sindicatos, conselhos, federações e entidades estudantis da categoria – para o ato unificado nacional no dia 9 de setembro, às 9h30. No Distrito Federal, a mobilização ocorrerá na Praça dos Três Poderes, onde é o STF, no dia simbólico da apreciação do mérito pelo plenário. O recado para o STF é que tirem o pé do piso salarial, porque a enfermagem não vai tirar o pé das ruas!
*Lígia Maria é enfermeira no DF e residente em Saúde da Família e Comunidade pela ESCS DF, mestranda em Saúde Coletiva pela UnB, integrante da Coletiva SUS DF.
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