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MUNDO

Notas preliminares sobre uma derrota

Waldo Mermelstein
Manifestante segura bandeira chilena durante protesto
Pablo Sanhueza/ Reuters

Os resultados do plebiscito no Chile determinam que a proposta de nova Constituição foi derrotada por larga margem (61,86% a 38,14%), com um total de votos que pode chegar a 13 milhões, um recorde em números absolutos e relativos, já que mais de 80% dos eleitores aptos a votar o fizeram.

É sempre aconselhável não tirar conclusões apressadas e muito definitivas sobre um fato dessas dimensões.

A primeira coisa é não confundir uma derrota eleitoral contra o poder da direita chilena (tendo o apoio não disfarçado da burguesia internacional) com o fim de um ciclo de lutas no Chile, que já vem desde 2011. Todos aqueles pontos que moveram milhões no país continuam pendentes: a saúde, a educação e a seguridade social continuam sendo privadas e inacessíveis para a grande maioria da população; os direitos dos setores oprimidos continuam sendo negados, em particular os das mulheres e dos povos indígenas; a brutal crise econômica continua se abatendo sobre a classe trabalhadora, enquanto os ricos, simbolizados pelas poucas famílias que controlam a economia chilena, continuam ganhando cada vez mais.

Em segundo lugar, mesmo que importantes direitos tenham sido consagrados no texto constitucional rechaçado, ainda teriam que ser conquistados na prática pela luta direta e de massas. Isso porque, aproveitando-se da exigência imposta à Constituinte de somente aprovar artigos com maiorias de 2/3, as conquistas esboçadas no texto dependeriam de regulamentação pelo Parlamento eleito em 2021. E neste, a esquerda possui um peso bem menor, fruto de uma conjuntura política menos favorável e sem as regras mais democráticas que vigeram na Convenção Constitucional. 

Em terceiro lugar, a determinação implacável e a fúria da burguesia chilena contra a possibilidade de concretizar esses direitos que se materializaram na campanha recheada de fake news na campanha pelo Rechaço são uma amostra do que ela está disposta a fazer para não ceder seus privilégios, como já o fez na preparação do golpe de 1973 e durante a ditadura.  

Por isso, a orientação do governo Boric de buscar o entendimento com ela, incorporando setores da chamada Concertação a seu governo foi um sério equívoco. Seu resultado foi a inação contra a crise econômica e social cada vez mais aguda e a repressão às manifestações estudantis e a militarização da região do Walmapu, além de não resolver o tema dos presos políticos do estallido de 2019. Às vésperas do plebiscito, Boric e os partidos de governo se ofereceram para negociar vários pontos centrais da nova Constituição, tentando aplacar os partidos de direita. Com o resultado de ontem Boric anunciou o objetivo de um acordo de unidade nacional com essa mesma oposição burguesa. A grande burguesia chilena não está disposta a ceder nenhum direito fundamental e buscará se valer dos resultados do plebiscito para reforçar sua orientação. Como dizia um sentido companheiro chileno ao se conhecerem os resultados eleitorais, o poder do dinheiro ajudou a produzir esse resultado. E nunca é bom subestimar o adversário.

Em quarto lugar, os processos de disputa eleitoral, incluída a da Convenção Constitucional, devem ser aproveitados como uma oportunidade para dirigir-se a um público mais amplo e que é raramente atingido pelos debates políticos, mas sem nunca subestimar o adversário de classe e menos ainda relegar a luta direta a um segundo plano. 

O debate sobre esses e outros pontos de balanço da derrota eleitoral é de interesse de toda a vanguarda lutadora na América Latina e, de certa forma, em todo o mundo. Debate que deve ser feito em primeiro lugar pelos lutadores e lutadoras do Chile, após um breve e merecido descanso depois da batalha eleitoral. A eles e a elas nossa saudação e a confiança de que saberão fazer uma avaliação serena e forte para seguir a luta chilena que vem de muito longe e que seguirá até conquistar os direitos negados pelo regime capitalista em seu país.

Em palavras de Ines Erazo, uma mulher chilena e lutadora, de 104 anos, que declarou em mensagem aos jovens, ao votar: “não pensem que isto acabou aqui, é preciso seguir lutando”.

 

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