Em sua coluna do último domingo, 28, publicado na Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé escreveu qualquer coisa sobre autismo. Digo qualquer coisa, porque seu texto “O diagnóstico de autismo se transformou numa tendência de estilo hype” é desses textos em que gente metida a “politicamente incorreta” (isso sim uma tendência de estilo hype) se arvora a escrever sobre o que não sabe, apenas para lacrar e arrumar seguidores.
Não vou esmiuçar o texto confuso do filósofo que, entre outras coisas, requenta teorias provadas como falhas, como a da “mãe geladeira”, para arrumar confusão com pessoas neurodivergentes e seus familiares. Preciso lembrar, contudo, que Pondé se esforça um bocado em tentar ser diferente e amealhou seguidores com seu estilo grosseiro e espalhafatoso, atacando a esquerda, as mulheres, as minorias políticas, justamente o que lhe abre espaço por e para falar nada sobre coisa nenhuma.
Na rádio Metrópole de Salvador, veículo que respeito e em que colaboro vez por outra, Pondé é comentarista. O nome de sua coluna é “Contra um mundo melhor”. Lamento que tenha algum espaço para falar bobagens irresponsáveis para quem quiser lhe ouvir. Também que um jornal como a Folha lhe conceda uma coluna semanal para escrever absurdos, como os do último domingo. Na ocasião o colunista anotou que teria ouvido de um profissional da área que ter um filho autista “está bombando” e que seja um “plus” para as famílias, uma espécie de “comodity hype de comportamento”. Pondé não sabe o que fala, mas o veículo que lhe dá espaço é também culpado por ajudar a disseminar desinformação e preconceito e devia ser, no mínimo, mais responsável pelo que o colunista escreve em suas páginas.
Sou pai de uma criança com deficiência intelectual severa, condição que me levou a ler sobre o assunto e conhecer a realidade de inúmeras famílias, muitas das quais de mães solo. Todas têm imensas dificuldades em criar seus filhos com autismo ou outras deficiências, mas não conheci nenhuma que tenha se dobrado às dificuldades do caminho. Ter um filho autista não é um “plus” ou uma “tendência hype”, embora não seja o fim do mundo, que é o que gente como Pondé efetivamente pensa, do alto de sua empáfia, seu capacitismo e sua total falta de empatia.
O colunista cita a série da Netflix, “Uma advogada extraordinária”, para escorar seu argumento pífio de que o autismo está na moda. Podia citar outras séries, como as ótimas “The Good Doctor”, “Atypical” ou “Special”, essa última sobre um jovem gay com paralisia cerebral. Séries e filmes sobre pessoas com deficiência ou pessoas neurodivergentes ou com “identidades horizontais”, como diz Andrew Solomon, autor do excelente Longe da Árvore, proliferam na indústria cultural, porque há mercado e interesse sobre o assunto. Diferente do que acontecia há algumas décadas, pessoas com deficiência e suas famílias, hoje querem visibilidade, porque ter algum tipo de deficiência não é vergonha para ninguém, embora não seja uma tendência hype. Talvez por isso Pondé confunda essa exposição com uma moda ou um “plus” nas famílias, mas faz isso por ser arrogante e lacrador.
Ninguém deseja ter um filho com menos autonomia que as demais pessoas. Contudo, passado o susto, o que fica é o amor e a constante aprendizagem que se converte em luta para transformar o mundo num lugar mais adequado para essas pessoas. Pondé, que milita contra um mundo melhor, tem razão de se revoltar, porque está no caminho de quem luta por um mundo melhor. Por isso tenta ser irônico e esperneia, no estilo de um mau ator de stand up comedy, que busca aparecer humilhando pessoas da plateia, simplesmente porque ele não tem nenhuma graça e não vai conseguir deter as transformações e o progresso. Antes vai sucumbir ao seu próprio egoísmo, sua mesquinharia e sua pequenês. Nós, os pais e mães das pessoas com deficiência, os autistas e seus familiares, nós os que militamos por um mundo melhor, pedimos passagem, porque gente como Pondé não vai conseguir impedir o futuro.
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