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Cinco notas sobre as pesquisas

Reprodução

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Antes da batalha não cantes vitória.

A razão afasta o medo.

A mais temível valentia é imposta pela necessidade.

Sabedoria popular portuguesa

 

1. Otimismo realista: Lula preserva, muito estável, 47% dos votos contra 32% de Bolsonaro, que oscilou um ponto para cima fora da margem de erro. Lula mantém favoritismo com uma vantagem de 15%, mas em maio, a distância era de 21 pontos e, em julho, de 18. Bolsonaro vem crescendo e, embora a luta pela vitória no primeiro turno continue possível, segundo turno ficou mais provável. Bolsonaro cresceu entre os que ganham entre dois e cinco salários mínimos e entre os evangélicos, e ganha no centro-oeste. Mas Lula conserva uma imensa vantagem no nordeste, vence no sudeste e tem uma rejeição, incomparavelmente, menor. Outras variações estão dentro da margem de erro de 2% para mais ou menos. Ciro Gomes, por exemplo, perdeu um ponto, mas a maioria de seus eleitores admite poder mudar de voto, e escolheriam Lula. Em resumo, as variações indicam que há uma luta em curso pela disputa de algo entre 5% e 10% do eleitorado.

2. Alerta preventivo: A tática de Bolsonaro é disputar as eleições, mas alimenta chantagem golpista para o 7 de setembro porque é funcional para ir para o segundo turno. Bolsonaro ganhou 8% entre os que ganham entre dois e cinco salários mínimos, que respondem por 34% do eleitorado, elevou para 10% a vantagem entre os evangélicos, subiu de 56% para 63% entre os que votaram nele em 2018, e avançou 8% entre os beneficiados pelo auxílio brasil. Ainda é cedo para avaliar se os efeitos da PEC das “bondades” serão mais significativos. Mas Bolsonaro tem um teto claro: uma taxa de rejeição que nunca foi menor que 50%, há mais de um ano. O aumento dramático da miséria em 2021 e a disparada da inflação, o negacionismo na pandemia e os incêndios na Amazônia, as denúncias de corrupção e as ameaças golpistas, entre outros desastres, foram uma trágica experiência e pesam muito. Mas não é um “cadáver” político insepulto. Tem que ser derrotado, impiedosamente. 

3. Três perigos táticos: “Já ganhou” é uma armadilha, “romantização” do passado é um erro, “giro ao centro” uma tática perigosa. “Já ganhou” é uma armadilha porque, em primeiro lugar, é falso e, pior ainda, desmobiliza. Precisamos de máximo ativismo, não torcida passiva. Nada é mais importante em uma campanha eleitoral do que conversar com as pessoas. A militância de esquerda não é a única que vai entrar em campo, apaixonadamente. A extrema-direita tem, também, uma militância engajada. A disputa será feita em todos os terrenos, presencialmente e nas redes. Telefonar para os parentes, dialogar nos locais de trabalho e estudo, replicar mensagens nas redes serão iniciativas decisivas. A motivação e o compromisso vão fazer a diferença. Sair da inércia, se mexer, botar a cara, e se expor são os desafios. Sim, o país está fraturado e vamos ouvir desaforos. Ninguém deve ter medo de quem faz cara de mal. Ser paciente, manter a calma, e argumentar com paciência e tranquilidade são as chaves do “vira voto”. A “romantização” do passado é, também, um erro. Foi há vinte anos que Lula foi eleito, pela primeira vez. Quem tem hoje vinte e cinco anos era uma criança. Dezenas de milhões não se emocionam com a discussão sobre esse balanço comparativo. Eleições são, essencialmente, uma disputa sobre as propostas para o futuro. São muitas as razões que levam ao voto, mas o mais importante, em uma sociedade tão desigual e injusta, são os interesses que estão em confronto. O “giro para o centro” é o pior dos erros táticos. A esquerda só conquista autoridade quando é autêntica e se apresenta com a sua cara.

4. Honestidade política: A disputa se decidirá nas classes populares, entre aqueles que vivem do trabalho, e uma subestimação da audiência da extrema direita nos setores mais oprimidos será fatal. Mas a esquerda não deve capitular às pressões reacionárias contra a luta dos oprimidos: defender serviços públicos para as mulheres negras, o acesso aos serviços de saúde pública pela legalização do aborto para todos, não somente para quem pode pagar em clínicas privadas, o fim da guerra às drogas que perpetua o genocídio da juventude negra, e os direitos irredutíveis dos homossexuais. Temos bons argumentos e devemos apresentá-los de cabeça erguida.

5. Coragem estratégica: O caminho da vitória se constrói nas ruas conquistando a supremacia na mobilização pelo impacto da força social de choque da classe trabalhadora, dos movimentos sindicais, feministas, negros, de juventude, ambientais, populares, LGBTQIA+, indígenas e culturais. A esquerda não ganha eleições com truques de marketing. A esquerda ganha quando é capaz de colocar em marcha um movimento de massas arrebatador e avassalador. Lula é a maior liderança popular dos últimos quarenta e cinco anos e pode arrastar milhões na luta para derrotar o fascista. Ousar lutar, ousar vencer.