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BRASIL

Portaria 555: O que pode estar motivando o MEC a subdelegar às instituições federais de ensino autonomia para atos em matéria disciplinar?

Roberto Leher
Reprodução

Se o país estivesse em um ambiente democrático e, ainda, se os termos da Constituição Federal estivessem plenamente vigentes, o que, sabemos, não é verdade, a Portaria 555, de 29/07/22 (1), causaria perplexidade, visto que, obviamente, dispõe sobre matéria concernente à autonomia das universidades. Entretanto, como o contexto é de avanço autocrático, a Portaria deve ser objeto de sérias preocupações por parte das universidades. Dois aspectos são cruciais: 

  1. As prerrogativas em matéria disciplinar da Portaria estão limitadas às instituições que “possuem unidade correcional”. No infame processo que levou à morte do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier, o corregedor Rodolfo Hickel do Prado foi o artífice das falsas denúncias que desencadearam a Operação Ouvidos Moucos junto com a delegada federal Érika Marena e a juíza federal Janaína Cassol que levaram a prisão do reitor em presídio de segurança máxima, seguida de seu banimento da universidade. O referido Corregedor foi afastado em virtude de declarações hostis à universidade e de denúncias de assédio moral contra servidores e estudantes. No entanto, o Corregedor conseguiu liminar na TRF 4 concedida pelo Desembargador Rogério Fravetto que anulou a decisão do Reitor indicando, naquele contexto, as arestas ao gozo da autonomia. Fravetto foi o Desembargador que em 2018 negou habeas corpus do ex-presidente Lula da Silva. Não é objetivo analisar a pertinência e a compatibilidade da Corregedoria, em seu arranjo atual, com a autonomia universitária, mas colocar em relevo que a obrigatoriedade da Corregedoria (e sua conformação atual) é uma questão a ser observada no processo. 
  2. No período entre a posse de Bolsonaro e fevereiro de 2022, 55 universidades fizeram consultas às suas comunidades acadêmicas e formaram listas tríplices. Deste universo, 22 reitores nomeados não foram os vencedores da consulta e da lista tríplice. Como visto em diversas instituições, reitores (as) ilegítimos têm se utilizado de Processos Administrativos e Disciplinares contra desafetos políticos. São muitas as denúncias de processos politicamente motivados. Possivelmente, aqui temos o fulcro do objetivo político da Portaria 555. 

A eficácia dessas medidas autocráticas dependerá do futuro próximo. Derrotar o processo de fascistização do governo e da sociedade é condição necessária para impedir que o ovo da serpente ecloda, daí o significado do processo eleitoral de 2022 e da eleição do ex-presidente Lula da Silva, a candidatura que, concretamente, pode impedir uma tragédia humanitária sem precedentes no País. 

A combinação entre Corregedorias hostis à liberdade de Cátedra e a nomeação de reitores que devem sua nomeação ao presidente da República nunca será positiva para o devido processo legal, a presunção da inocência, a ampla defesa e a justa motivação de atos disciplinares. Construir uma agenda em favor da educação pública, laica, gratuita e de fato universal na qual a autonomia universitária tenha todo o alcance assegurado pela Constituição é uma tarefa indissociável. A derrota de Bolsonaro tem de ser parte da luta contra a autocracia neofascista.

Rio, 02/08/2022

Notas

1 Ministério da Educação/Gabinete do Ministro, Portaria 555, 29/07/22. Publicado DOU em: 01/08/2022 | Edição: 144 | Seção: 1 | Página: 92